Carate
ou
karate
(
portugues europeu
)
ou
Carate
(
portugues brasileiro
)
(em
japones
:
空手
;
romaniz.
:
karate
,
Pronuncia japonesa:
[ka?ate]
)
[
1
]
[
2
]
ou
carate-do
(
空手道
, transl.
karate-d?
Pronuncia japonesa:
[ka?ate do]
)
[a]
e uma
arte marcial
[
3
]
japonesa
desenvolvida a partir da arte marcial
indigena
de
Okinawa
sob influencia da arte da guerra
chinesa
(
chuan fa
),
[b]
das lutas tradicionais japonesas (
koryu
) e das disciplinas guerreiras japonesas (
bud?
).
[
4
]
A influencia chinesa foi maior inicialmente durante o desenvolvimento, variando em um paradigma primitivo de simples luta com agarroes e projecoes, para um modelo com mais enfase em golpes traumaticos, e se fez sentir nas tecnicas dos estilos mais fluidos e
pragmaticos
da
China
meridional.
[
5
]
Depois, devido a alteracoes geopoliticas, sobreveio a predominancia das disciplinas de combate do Japao e, nesse periodo, o modelo tendeu a simplificar ainda mais os movimentos, tornando-os mais diretos e eliminando o que nao seria util ou que fosse apenas floreio.
[
4
]
O repertorio tecnico da arte marcial abrange, principalmente,
golpes
contundentes nos pontos vitais (
atemi waza
), como:
pontapes
,
socos
, joelhadas,
bofetadas
, etc., executadas com as maos desarmadas. Todavia, tecnicas de projecao, imobilizacao e bloqueios ?
nage waza
,
katame waza
,
uke waza
? tambem sao ensinados, com maior ou menor enfase, dependendo de qual estilo ou escola se aprende a arte.
[
6
]
Grosso modo, afirma-se que a evolucao desta arte marcial aconteceu orientada por renomados
mestres
, resultando no carate moderno, cujo trinomio basico de aprendizado divide-se em:
kihon
(tecnicas basicas),
kata
(sequencia de tecnicas, simulando luta com varias aplicacoes praticas) e
kumite
(
enfrentamento
propriamente dito, que pode ser mero simulacro ou dar-se de maneira esportiva ou competitiva ou mais proxima da realidade). Esse processo evolutivo tambem mostra que a modalidade surgida como se fosse uma unica raiz acabou por se dividir em tres partes e, por fim, tornou-se uma miriade de diversas variacoes sobre um mesmo tema.
[
7
]
O estagio da transicao entre os seculos XX e XXI revela que a maioria das escolas de carate tem dado enfase a evolucao do
condicionamento fisico
, desenvolvendo velocidade, flexibilidade e capacidade aerobica para participacao de competicoes de
esporte de combate
, ficando relegada aquelas poucas escolas tradicionalistas a pratica de exercicios mais rigorosos, que visam o desenvolvimento da
resistencia
dos
membros
, e de provas de
quebramento
de tabuas de madeira, tijolo ou gelo. De um modo simples, ha duas correntes maiores: uma, tendente a preservar os caracteres marcial e filosofico do carate; e outra, que pretende firmar os aspectos esportivo e ludico.
[
8
]
A partir do primeiro quartel do
seculo XX
, o processo de segmentacao instalou-se de vez, aparecendo diversos
sodalicios
e
silogeus
, ate alguns dentro dos outros, pretendendo difundir seu modo peculiar de entender e desenvolver o carate, a despeito de compartilharem semelhancas tecnicas e de origem. Tal circunstancia, que foi combatida por mestres de renome, acabou por se consolidar e gerar como consequencia a falta de padronizacao e entendimento entre entidades e praticantes. Dai, posto que aceito mundialmente como
esporte
, classificado como
esporte olimpico
e participando dos
Jogos Pan-Americanos
, nao ha um sistema unificado de valoracao para as competicoes, ocasionando grande dificuldade para sua aceitacao como esporte presente nos
Jogos Olimpicos
.
[
9
]
Em que pese a enorme fragmentacao de estilos e os inumeros tratamentos ou convivios sem cerimonia e com intimidade, procuram ainda seguir um modelo pedagogico mais ou menos comum. E neste ambiente, distingue-se o mero praticante daquele estudioso dedicado a arte marcial, o
carateca
, o qual busca desenvolver uma
disciplina
rigorosa,
filosofia
e
etica
, alem de aprender simples movimentos e condicionamento fisico. Nessa mesma linha, aquele carateca que alcanca o grau de faixa ou cinturao preto(a) e chamado de
sensei
. E os sitios de aprendizado sao chamados de
dojos
, sendo estes, via de regra, filiados a alguma linhagem ou estilo.
Quando se trata de estudar as origens das artes marciais, e importante constatar de pronto que e impossivel estabelecer ou identificar qual o momento exato em que surgiram, e o maximo que se pode fazer sao conjecturas a partir do ambiente sociocultural em que se desenvolveu, tracando uma linha de acontecimentos mais ou menos coerente, haja vista que alguns aspectos duma arte marcial (
v. g.
, algumas tecnicas e/ou personagens) tem uma origem bem conhecida ou documentada, porem, o conjunto nao se fecha, se nao se incluirem outras fontes, como relatos e anedotas. O que se sabe e que todos os povos que se organizaram em
sociedade
possuem alguma forma de defesa, isto e, pelo menos possuem uma forca armada, pois os ajuntamentos de pessoas eventualmente entravam em choque, por recursos naturais ou outros motivos.
Naturalmente, seguindo uma linha evolutiva mais ou menos uniforme, tal como aconteceu com a
agricultura
, a
pesca
, a
musica
e outras atividades, as artes marciais desenvolveram-se como disciplina, surgindo mestres e aprendizes. Isso, por exemplo, pode ser demonstrado pela existencia das
falanges
gregas, modelo que se impos por certo tempo, ate ser superado pelas
coortes
romanas, e assim anterior e sucessivamente.
Da
Grecia
, vem outro exemplo de desenvolvimento das artes marciais como disciplina. As
cidades-estados
(ou polis) disputavam a supremacia sobre as demais, pelo que apareceram os periodos
ateniense
, espartano,
tebano
etc. Dentro de tais circunstancias, somente em
Esparta
as disciplinas militares tiveram relevo, eis que naquele ambiente foi dado destaque ao desenvolvimento fisico, para fazer frente aos embates e os cidadaos espartanos (
esparciatas
) treinavam de maneira forte tanto a luta armada como a desarmada.
Em se tratando de luta desarmada, no ambiente helenico desenvolveu-se a arte marcial do
pancracio
, que teria surgido por volta do
seculo VII
AEC
ou antes e cujo arcabouco tecnico englobaria os mais variados movimentos e golpes, desde socos a estrangulamentos. Como esporte sabe-se ter feito parte dos Jogos Olimpicos naquela epoca.
[
10
]
Caminhando ja na
Asia
, onde se acredita ser o berco das artes marciais modernas, sabe-se que o
exercito
de
Alexandre Magno
enfrentou guerreiros de varias origens, como de
China
e
India
. E impossivel creditar o desenvolvimento das artes marciais asiaticas ao contacto com o gregos, pois logicamente existiam ja naquelas paragens suas proprias disciplinas, tanto e que se deu enfrentamento entre exercitos e nao de um exercito e pessoas desarmadas. Infere-se ter havido certamente a troca de conhecimentos, o que era inevitavel, apos a estabilizacao das relacoes. De qualquer forma, havia na India uma forma de luta chamada de
vajramushti
, a qual parecer ter sido transmitida a outros paises ou mesmo comunidades, no processo de trocas culturais na Asia.
[
11
]
[
12
]
Posto que se diga tratar mais de especulacoes, diante da lacuna documental e de que, mesmo existindo algum documento, se tratam de coletaneas de relatos, lendas ou anedotas,
de facto
, as artes marciais passaram a ter caracteres mais formais quando um
monge
budista
indiano chamado
Bodhidharma
? o primeiro grande mestre ?, por volta do ano 520
EC
, no fito de empreender uma longa jornada em busca de iluminacao espiritual, viajou desde a India ate a China. O monge ficava onde lhe dessem abrigo, em
templos
ou casas, e aproveitava para evangelizar de acordo com sua doutrina.
[
13
]
Sua jornada o teria levado ate o
Templo Shaolin
e, quando Bodhidharma viu as condicoes fisicas precarias em que se encontravam os monges daquele sitio, exortou-os no sentido que a pessoa deveria evoluir por completo, desenvolvendo o lado espiritual mas sem esquecer do fisico, pelo que instruiu todos na pratica de exercicios.
[
14
]
A pratica dos exercicios evoluiu para um sistema de
defesa pessoal
, ate com o uso de armas e outros instrumentos, fazendo surgir uma reputacao de que os monges lutadores seriam experts em diversas modalidades e formas de combate, pelo que se difundiu por toda a China. Os monges de Shaolin nao se isolaram apenas na China e levaram seus conhecimentos religiosos, filosoficos e marciais para outros recantos, entre estes o Japao.
O
arquipelago
de
Oquinaua
(
沖?
,
Okinawa
?
)
localiza-se quase que exatamente a meio caminho entre
Japao
e
China
, no
Mar da China Oriental
. Por causa de sua posicao geografica, a regiao sempre despertou a cobica dos dois paises, os quais nao pouparam esforcos para estenderem suas influencias (culturais e economicas), tornando a existencia de um governo local submetida a conjugacao de interesses e politica externos. A influencia chinesa era consideravel, e alguns praticantes de artes marciais oriundos daquele pais chegaram a Oquinaua.
[
14
]
Apesar da circunstancia de gravitar em torno da influencia sino-japonesa, sucedeu na historia de Oquinaua, entre 1322 e 1429, um periodo denominado de
Sanzan-jidai
(
三山時代
, periodo dos tres montes) quando que se debateram os tres reinos de
Hokuzan
(
北山
, Monte Setentrional),
Chuzan
(
中山
, Monte Central) e
Nanzan
(
南山
, Monte Meridional) pelo controle da regiao. Tal periodo acabou com a unificacao sob a bandeira do reino de
Ryukyu
e sob o comando de
Chuzan
, que era o mais forte economicamente, inaugurando a primeira
dinastia
Sho
:
Sho Hashi
. Nessa epoca, influencia chinesa consolidou-se como a preponderante das duas e isso se refletiu na estrutura administrativa do reino e noutros aspectos culturais.
[
15
]
Entrementes, apos a unificacao e no fito de conter eventuais sentimentos de revolta, el-Rei
Sho Hashi
promulgou um edito que tornou proibido o porte de quaisquer armas por parte da populacao civil. Este facto e considerado o marco principal do processo evolutivo que veio a culminar no carate, posto que ja existisse em
Oquinaua
uma arte marcial propria, a medida regia impos um ritmo diferente, pelo que, devido a necessidade de as pessoas terem uma forma de defesa e em razao da proibicao real, aquelas tecnicas foram-se aperfeicoando.
[
16
]
Fruto tambem da proibicao do porte de armas foi o desenvolvimento do
kobudo
, outra arte marcial oquinauense que transformou o uso de objectos do cotidiano em armas, como a
tonfa
e o
nunchaku
, que eram originalmente instrumentos de trabalho, para manuseio de
moinho
e debulhagem de
arroz
.
[
17
]
A sociedade japonesa, possuindo uma classe guerreira, era ha muito conhecedora de disciplinas de combates com e sem armas. No seio das familias e/ou clas fomentaram-se formas de combate, os chamados
koryu
, transmitidos somente internamente. Entretanto, o que importa e que houve certa troca de conhecimentos, posto que muito velada, e que essas artes evoluiram para atender exatamente as necessidades do grupos que as usavam.
[
18
]
Essa peculiaridade, de existir uma classe nobre guerreira, impingiu a nascente arte do carate um caracter subalterno, de exordio, pois se desenvolveu precipuamente nas camadas mais pobres da populacao, que sobreviviam de atividades agricolas e de
pesca
, haja vista que as classes de
guerreiros
, tal e qual sucedia em China e Japao, nao difundiam suas disciplinas de combate fora de seu estreito circulo. De qualquer modo, a classe guerreira (mormente, os
peichin
) acabou por se render as tecnicas de luta desarmada.
[
18
]
[
19
]
O que viria a ser o
jiu-jitsu
surgiu para capacitar o
samurai
para a luta desarmada mas usando armadura, pelo que nao era racional utilizar ostensivamente de pontapes e socos mas mais projecoes e estrangulamentos. Por seu turno, o que se desenvolveu em Ryukyu visava justamente ao combate desarmado, que se poderia dar em qualquer sitio sem que os contendores estivessem a usar um traje especifico, mas poderia coincidir de se enfrentar guerreiros com armadura, pelo que socos e pontapes eram mais interessantes, isso aliado ao condicionamento de maos e pes para serem instrumentos de ataques fulminantes.
[
20
]
A independencia do reino de
Ryukyu
sofreu duro golpe quando, em 1609, o
cla
samurai de
Satsuma
, com aprovacao do
imperador do Japao
, subjugou o
arquipelago
. Por ocasiao da invasao, os samurais encontraram pouco ou nenhum revide, porque, dadas as circunstancias, el-Rei declarou que a vida e o mais importante tesouro e recomendou que a populacao das ilhas nao revidasse a agressao estrangeira. Oquinaua passou a ser um
estado tributario
de Japao e China, mas, contrario ao cenario anterior, com predominio niponico, que expos a cultura local e influenciou sobremaneira o desenvolvimento das artes marciais, sob os valores da classe guerreira. Naquele momento, o cla Satsuma introduziu sua propria disciplina, o
jigen-ryu
.
[
21
]
Antes das influencias sinica e niponica, ja existia uma especie de luta desarmada e nativa de Oquinaua, que era praticada abertamente, chamada de
muto
, cujo embate comecava com empurroes muito parecidos com os de
sumo
, depois, seguindo-se com apliacacao de golpes de arremesso e torcao.
[
22
]
Vencia aquele que derrubasse ou submetesse o adversario.
[
23
]
Era uma pratica cujo fito mor era recreativo, mas que, segundo alguns autores e mestres, teria sido a semente do carate, que foi entao paulatinamente sendo moldado e modificado sob a influencias do boxe sino-meridional.
[
24
]
[
25
]
Em meados do
seculo XVII
, uma arte marcial oquinauense
[c]
sem armas ja era estabelecida, sendo conhecida por "te" (
手
ou
ティ?
, em
japones
:
te
, em
oquinauense
:
ti
).
[
26
]
Tambem e referida como mao de Oquinaua (
沖?手
, em
japones
:
Okinawa-te
, em
oquinauense
:
Uchinaadi
), quando surge a figura de
Matsu Higa
, renomado mestre de
te
e
kobudo
e tambem experto em
chuan fa
, que teria aprendido com mestres chineses.
[
27
]
Mas ja nesse tempo, a arte marcial ja vinha evoluindo em tres formas distintas, radicadas nas tres cidades que as nomearam,
Naha-te
,
Tomari-te
e
Shuri-te
.
Acredita-se que
Sensei
Higa tenha sido, dentro de seu estilo proprio, o primeiro a estabelecer um conjunto formal de tecnicas e chama-lo de
te
.
[
27
]
Destacaram-se mais os estilos de
Shuri
, por ser a
capital
, e de
Naha
, por ser cidade portuaria e mais importante entreposto comercial. Entretanto, posto que tivesse menor relevo no cenario da epoca, por ser mormente uma cidade de trabalhadores,
pescadores
e campesinos,
Tomari
, devido a exatamente suas caracteristicas, desenvolveu o estilo peculiar e muitas vezes erradamente confundido com o estilo de Shuri. Ademais, em que pese cada um das cidades ter seu estilo, elas compartilhavam informacoes e praticantes.
[
28
]
Na linhagem do estilo
shuri-te
, caracterizado pelas posturas corporais naturais e por movimentos lineares de deslocamento e de golpes, seguiram-se a
sensei
Higa, mais ou menos numa linha de instrutor e aprendiz, os mestres
Peichin Takahara
,
Kanga Sakukawa
e
Sokon Matsumura
.
[
29
]
Com mestre Takahara
[d]
, ja por influencia japonesa, o
te
vem a receber os tres principios que culminariam com a transformacao da tecnica numa disciplina muito maior ja na transicao do
seculo XIX
para o
seculo XX
.
Ainda no
seculo XVII
, o
te
sofria fortes influencias desde a
China
. Mestre Sakukawa, por sugestao de
Peichin Takahara
, foi aprender com o chines
Kushanku
? mestre de
chuan fa
? e, depois, diretamente no continente. Tais caracteristicas nao passaram despercebidas e calharam em que a arte marcial passou a se chamar
Tode
ou
Todi
(
唐手
ou
トゥデ
, mao chinesa)
[e]
, ou ainda
Toshukuken
(
徒手空拳
) e
Toshu-jitsu
(
徒手術
).
[
30
]
Enquanto isso, em Tomari, seu estilo adquiria uma caracteristica mais acrobatica.
[
18
]
Os principais expoentes da regiao foram os mestres
Karyu Uku
e
Kishin Teryua
, que deixariam por legado a
Kosaku Matsumora
. Em Naha, o
te
evoluia numa direcao diversa, com movimento de extrema contracao, golpes de curto alcance e condicionamento do corpo para absorcao de golpes, tudo conjugado a tecnicas de respiracao (
ibuki
).
[
31
]
[
32
]
Sob o ministerio de
Sokon Matsumura
, o
tode
passou a ter um treinamento mais formalizado com a compilacao de uma serie mais ou menos fechada de
katas
e, principalmente, rompeu-se a barreira das
classes sociais
. Com Matsumura, que fazia parte da
elite
guerreira e da corte de el-Rei
Sho Ko
e sucessores, o
tode
, praticado mormente pelas classes trabalhadoras, passou a ser uma arte militar reconhecida.
[
33
]
Por essa epoca, ficaram famosos, e quase lendarios, os contos sobre as
proezas
dos artistas marciais de
Oquinaua
, como a do mestre de
Tomari-te
,
Kosaku Matsumora
, que desarmado derrotou um
samurai
. Assim, o
te
era conhecido tambem por
shimpi tode
(
神秘 唐手
, misteriosa mao chinesa) ou
reimyo tode
(
?妙 唐手
, eterea/miraculosa mao chinesa).
[
27
]
No fim do seculo XIX, o carate ainda era marcado de modo forte por quem o ensinava, nao havia, posto que houvesse similitudes entre as tecnicas, um padrao, o que dificultava sua maior aceitacao fora de circulos restritos, porque era praticado e ensinado num rigido esquema de mestre/aluno.
[
34
]
Nesse meio tempo, sem
olvidar
altercacoes sinicas, o cenario politico mudou porquanto da anexacao final de
Ryukyu
, em 1875, por parte do Japao, fazendo com que o provecto reino se transmutasse na provincia de
Oquinaua
.
[
35
]
Todavia, o que poderia ser o fim tornou-se uma oportunidade, pois terminou com o isolamento da populacao do arquipelago, incorporados de vez a populacao niponica. E coube a
Anko Itosu
, um discipulo de Matsumura e secretario do rei de Oquinaua, usar de sua influencia para tentar disseminar a arte marcial.
O mestre via o
te
nao somente como arte marcial mas, principalmente, como uma forma de desenvolver
carater
, disciplina e fisico das
criancas
. Ainda assim, o mestre julgava que os metodos utilizados ate a epoca nao eram praticos: o
te
era ensinado basicamente por intermedio do treino repetitivo dos
kata
. Entao, Itosu simplificou o treino a unidades fundamentais, os
kihons
, que sao as tecnicas compreendidas em si mesmas, um
soco
, uma
esquiva
, uma
base
, e, alem, compilou a serie de kata
Pinan
com tecnicas mais simples e que passariam a formar o
curriculo
introdutorio. A mudanca resultou na diminuicao, supressao em alguns casos, de taticas de luta, mas reforcou o carater esportivo, para beneficio da
saude
: deu-se relevo a postura, mobilidade, flexibilidade, tensao,
respiracao
e relaxamento.
Atribui-se ao mestre Itosu os primeiros movimentos no fito de promover a mudanca de denominacao para
karate
(
空手
, maos vazias), como forma de vencer as barreiras culturais, as resistencias para aceitacao, pois como algo com origem chinesa nao era visto com bons olhos, ademais porque havia tensoes latentes entres os dois paises.
[
36
]
Todavia, documentado e o fato de o mestre
Hanashiro Chomo
, numa publicacao intitulada ≪karate kumite≫, claramente referir-se a sua arte marcial como maos vazias.
[
37
]
Em 1900, aconteceu uma grande
emigracao
amostra do carate aos ocidentais, quando o Havai tinha sido anexado pelos
EE.UU.
havia aproximadamente dois anos.
O carate tornou-se
esporte
oficial em 1902. Evento dramatico no desenvolvimento do carate que e o ponto em que se aperfeicoa a transicao de arte marcial para disciplina fisica, deixando ser visto apenas como meio de
autodefesa
.
[
34
]
Como resultado de seu progresso, Anko Itosu cre ser possivel exportar o carate para o resto do Japao e, em comecos do
seculo XX
, passa a empreender esforcos para tanto, mas nao consegue lograr sucesso.
Paralelos a esses eventos, outro influente mestre,
Kanryo Higashionna
, promovia por si outras mudancas. Ele desenvolvia um estilo peculiar que mesclava tecnicas suaves, evasivas e defensivas (como esquivas e projecoes), e menos as rigidas, e tinha como discipulos
Chojun Miyagi
e
Kenwa Mabuni
. A exemplo de Itosu, Higashionna conseguiu fomentar os valores neles que levaram ate as mudancas futuras que tornariam o carate mais aceitavel.
[
6
]
Em que pesem a evolucao que arte estava experimentando e havendo a fama de ser um estilo de luta eficaz, fama essa que ja havia muito corria pelo Japao, ainda era pouco conhecida. Nao se sabia realmente muito essa luta que matou muitas pessoas, sobre suas caracteristicas, fora os praticantes oquinauenses e alguns poucos fora desse circulo ainda pequeno e cerrado. Em 1965 o carate foi proibido no Brasil por que ele ja matou duas pessoas que estavam lutando: Francisco de Oliveira dos Santos e Maria Fernanda dos Campos
[
38
]
Alguns fatores contribuiram, entretanto, para a divulgacao do carate. Um desses fatores era a mentalidade corrente a epoca que, mesmo com o processo de disseminacao dos costumes ocidentais iniciado com a Restauracao Meiji, ainda era muito apegada a figura do guerreiro, nao sendo incomum o lance de desafios a lutadores proeminentes ou mesmo a uma casa, familia ou paragem. Nao se pode esquecer, contudo, que isso nao se deva por bravata mas por orgulho, de suas tradicoes e para homenagear seus mestres, resguardando-se a honra (no mor das vezes). Era comum a pratica do
dojo yaburi
(desafio ao
dojo
).
Certa altura, por volta de 1906 chegou a Oquinaua uma praticante de
jujutsu
(ou de judo, segundo algumas fontes) que desafiou a todos da ilha a medir forcas com ele, para provar que seu estilo de jiu-jitsu era superior aos do Japao e da regiao. No dia aprazado, posto que fosse ja provecto (na casa dos setenta anos), no meio de varios lutadores, o mestre Itosu nao quis deixar sem resposta o convite e foi ter com o desafiante, que interpelou o mestre, dizendo "que honra haveria de ganhar de um idoso?", mas aquiesceu ao embate, por respeito ao nobre anciao. A luta foi decidida com apenas um golpe.
[
39
]
Marcante e decisivo, entretanto, foi um desafio que mestre
Choki Motobu
protagonizou. Chegou ao Japao um navio russo, conduzindo um lutador de
sambo
(Jon Kirter), com porte fisico avantajado (quase 2m de altura) e capaz de cravar um prego na madeira co'as maos. O fito daquele lutador era divulgar sua modalidade de luta e, para tanto, alem das demonstracoes publicas, que envolviam proezas, como enrolar uma barra de ferro nos bracos e quebramentos, foi lancado um desafio a todo o pais.
A nova correu ate Oquinaua, sendo o desafio aceito pelos irmao Motobu, descendentes da casa real e notorios expertos em artes marciais, alem do carate,
kobudo
e
gotende
. Dirigiram-se eles ate o Japao. No dia da luta, tudo certo o embate foi decidido com apenas um golpe na regiao do
plexo solar
. A vitoria foi considerada tao surpreendente que criou alvoroco e despertou de vez o interesse pelo carate.
[
40
]
Os esforcos de Itosu, a despeito de nao gerarem os efeitos almejados, frutificaram nas maos de seus alunos. Por exemplo, o Mestre
Kenwa Mabuni
, como forma de tributo, sistematizou todos os ensinamentos aprendidos no estilo
Shito-ryu
, que pretende fundir os estilos
Shuri-te
e
Naha-te
e com isso veio a preservar muitas variacoes de
kata
; o Mestre
Choshin Chibana
, por seu turno, compilou seu conhecimento no estilo
Kobayashi-ryu
, pretendendo preservar as exatas formas por ele aprendidas de Matsumura e Itosu.
[
41
]
Entretanto, aproveitando o interesse no carate, principalmente depois da vitoria do mestre Choki Motobu sobre o lutador russo, coube a
Gichin Funakoshi
lograr grande exito no objetivo do mestre Itosu, isto e, difundir o carate como desporto e nativo da cultura japonesa. Fundamental tambem foi a empresa de outros grandes mestres, como
Mabuni
,
Miyagi
, Motobu etc., que nao podem ser considerados no arrabalde. Esses esforcos nao podem ser olvidados porque criaram a ambiencia em que Funakoshi logrou exito em difundir o carate pelo arquipelago japones. As tecnicas do estilo iniciado por Funakoshi baseiam-se no carate de Itosu, mas dando mais enfase ao aspecto formativo da
personalidade
, caracteristica que ficou impressa nas demais linhagens surgidas naquele momento.
A divulgacao nao aconteceu sem resistencia. A despeito de varios pedidos para a nao exibicao de varios mestres que nao viam com bons olhos o movimento, Funakoshi levou o carate ate o sistema publico de ensino, com a ajuda de seu mestre Anko Itosu e, em pouco tempo, a arte marcial ja fazia parte do
curriculo
escolar como disciplina fisica/esportiva, dando um impulso extraordinaria, com o carate sendo praticado em varios sitios e sendo bastante apreciado e valorizado localmente.
Entre 1902 e 1915,
sensei
Funakoshi viajou com seus melhores alunos por toda
Oquinaua
realizando demonstracoes publicas de carate e calhou de o inspetor de Educacao do
conselho
, Shintaro Ogawa, estava particularmente interessado no processo seletivo para ingresso nas
forcas armadas
, preocupado em obter um bom grupo, composto por jovens de boa indoles (
valores
) e boa compleicao. Ogawa ficou impressionado, que escreveu ao continente dando as novas.
[
34
]
Sucedeu de o
almirante
Rokuro Yashiro assistir a uma daquelas demonstracoes, explicadas por Funakoshi, enquanto seus alunos executavam
kata
, quebravam telhas e faziam outras proezas, que expunham a eficacia do condicionamento fisico. O almirante ficou muito impressionado e ordenou que seus homens que iniciassem o treinamento de imediato. Sucedeu tambem de, em 1912, o comando Almirante Dewa escolher doze de seus homens para treinarem carate por uma semana, enquanto estivessem ancorados nas imediacoes. As novas levadas por esses dois oficiais levaram o carate a ser mais comentado no Japao.
[
34
]
E no desenrolar dos acontecimentos, calhou de, em 1921, o entao principe herdeiro e futuro imperador
Hirohito
assistir a uma dessas demonstracoes, pelo que ficou admirado e pediu a feitura de um evento nacional em Toquio, realizado em 1922. O evento foi muito bem sucedido e ocasionou de o mestre Funakoshi ser coberto de convites para apresentar sua arte e um desses convites foi feito por
Jigoro Kano
, para ser feito no instituto
Kodokan
.
Durante o evento, que levantou a plateia, mestre Funakoshi foi convencido a permanecer no Japao e, com a ajuda de Jigoro Kano, de que se tornou amigo intimo, o carate foi difundido.
O mestre sabia que haveria de surgir enorme oposicao, haja vista que naquele periodo da historia das relacoes entre Japao e China nao era dos melhores. Ainda era muito recente a lembranca da
Primeira Guerra Sino-Japonesa
(1894?1895)
. E ate o fim da
Segunda Guerra Mundial
e da
Segunda Guerra Sino-Japonesa
, com a
rendicao do Japao
perante os
Aliados
, ocorreram varios incidentes belicosos.
[
42
]
Tais circunstancias levavam a conclusao de que uma
arte marcial
de origem chinesa seria certamente repudiada, pelo que a mudanca da arte para o
karate-d?
(
空手道
, caminho das maos vazias), isto e, com o acrescimo do sufixo "d?", como se deu com muitas das artes marciais praticadas no
Japao
. A particula
do
significa caminho, palavra que e analoga ao familiar conceito de
tao
.
[
43
]
Dai que o carate deixou de ser encarado apenas em seu aspecto tecnico, ou
jutsu
, para serem realcados o filosofico e o fisico (educacional).
Por outro lado, o carate beneficiou-se de uma perspectiva que existia, a de que a luta nativa de Oquinaua, ai incluso o seu
kobudo
(manipulacao de armas), era simplesmente uma forma de
jujutsu
ou
koryu
. Assim se pensava porque tanto os varios estilos de
jujutsu
(
takenouchi-ryu
,
daito-ryu
etc.) japoneses quanto o oquinauense valiam-se das mesmas formas tecnicas (luta desarmada, principalmente), diferenciando-se apenas no foco e no treinamento, ou seja, nada de estranho, se comparado a tradicao samurai. Denominava-se o carate de
tejutsu
, o que reforcava esse aspecto.
[
44
]
Entrementes, a proposicao de Mestre Itosu, pela escrita do nome da arte marcial como
kara-te-d?
foi objecto de debate em 1936, e mestres na epoca acordaram que seria a melhor escolha, o que reflectira a unidade do carate e sua originalidade, posto que houvesse sofrido diversas influencias de fora.
[
7
]
[
45
]
Do modo como se desenvolveu, um elemento da cultura japonesa, o carate esta imbuido de certos elementos do
Zen-budismo
, sendo que sua pratica algumas vezes e chamada de "zen em movimento". As aulas frequentemente comecam e terminam com curtos periodos de
meditacao
. Tambem a repeticao de movimentos, como a executada no
kata
, e consistente com a meditacao zen pretendendo maximizar o
autocontrole
, a atencao, a forca e velocidade, mesmo em condicoes adversas. A influencia do
zen
nesta arte marcial depende muito da interpretacao de cada instrutor.
[
46
]
Devido aos esforcos de Funakoshi o carate passou a ser ensinado nas
universidades
de Shoka, Takushoku, Waseda e Faculdade de Medicina.
A modernizacao e sistematizacao do carate no Japao tambem incluiu a adocao do uniforme branco (
quimono
ou
karategi
) e de
faixas
coloridas indicadoras do estagio alcancado pelo aluno, ambos criados e popularizados por
Jigoro Kano
, fundador do
judo
.
As contribuicoes de Jigoro Kano nao se limitam ao uniforme de treinamento e a padronizacao das graduacoes, mas vao ate a tecnicas, que foram compiladas dentro do estilo
Shotokan
. O conceito de
do
, posto que presente ha muito, foi de certa forma reinterpretado segundo suas ideias.
Depois que Funakoshi demonstrou o carate, outros mestres de Oquinaua seguiram pela mesma trilha e se foram, no fito de conseguir novos alunos e divulgar ainda mais. Um daqueles mestres era
Kenwa Mabuni
, que se fixou em
Osaca
e, no ano de 1931, criou a
Dai-Nihon Karate-do Kai
, para dar apoio a seu estilo, que foi registrado, primeiro como
Hanko-ryu
, e, depois,
Shito-ryu
.
[
47
]
Entrementes, somente durante a
decada de 1930
foi que a Associacao Japonesa de Artes Marciais,
Butoku-kai
, reconheceu oficialmente o carate como arte marcial niponica e requereu que todas as escolas fizessem registro na entidade, exigindo para esse registro que cada uma delas indicasse os nomes de seus estilos.
[
48
]
Em maio de 1949, alguns discipulos de Funakoshi criaram uma associacao cujo escopo principal seria a promocao do carate. O nome dado foi
Nihon Karate Kyokai
(
日本 空手 協?
, (
Japan Karate Association - JKA
, Associacao Japonesa de Carate), e o primeiro presidente foi Saigo Kichinosuke, membro da
Camara Alta
do Japao,
neto
de
Saigo Takamori
, um dos maiores herois do Japao
Meiji
.
[
49
]
Durante a Segunda Guerra Mundial, o carate tornou-se popular na
Coreia do Sul
sob os nomes
tangsudo
ou
kongsudo
quando a pratica do
taekwondo
foi proibida pelos japoneses apos sua invasao.
Apos a
Segunda Guerra Mundial
, o mestre Funakoshi com seus alunos conseguiram que o Ministerio da Educacao classificasse o carate como educacao fisica e nao como arte marcial, tornando possivel seu ensino, durante a ocupacao do Japao. Depois dos
Estados Unidos
o carate foi difundido pela
Europa
e o mundo.
[
50
]
Posto que mestre Funakoshi pregasse que o carate era uma
arte marcial
unica, que as variacoes nas formas, nos estilos, deviam-se precipuamente as idiossincrasias e que jamais denominou sua linhagem de estilo, ainda durante sua existencia e persistindo ate os dias atuais, o que sucedeu foi uma proliferacao de estilos, escolas e linhagens diferentes.
A grande variedade de estilos e escolas, se por um lado facilita essa disseminacao, por outro, causou enormes dissensoes e cisoes entre entidades e representantes. Muitas vezes, o que motivou a cisao foram disputas
politicas
e/ou
ideologicas
.
[
51
]
Depois de criada por discipulos de Funakoshi, a quem aclamaram como lider, em
10 de abril
de 1957, a JKA ganhou a condicao de entidade oficial, mas, cerca de duas semanas depois, o grande mestre faleceu com a idade de 89.
Em
19 de junho
de 1999, depois de muitos anos e muitos episodios marcados pela discordia, na 109ª Sessao do Comite Olimpico Internacional -
COI
, confirmou-se o reconhecimento da
Federacao Mundial de Carate
(World Karate Federation -
WKF
, em
ingles
) como o ente governativo do carate mundial, o que significava o tambem reconhecimento do esporte como esporte candidato a figurar nos
Jogos Olimpicos de Atenas
, em 2004, como esporte de demonstracao, cuja confirmacao dar-se-ia na 111ª Sessao do Comite, para o ano seguinte.
[
9
]
O COI estabelece dois
parametros
para a aceitacao de um esporte como olimpico: ser praticado em muitos paises (membros) e ser representado por uma entidade mundialmente reconhecida. Em 2016, o Comite Olimpico Internacional -
COI
aprovou o Carate como modalidade olimpica para os jogos
Jogos Olimpicos de Toquio
em
2020
.
[
52
]
A forma esportiva de carate foi-se introduzindo em
Africa
por volta da
decada de 1940
. Formalmente, na
Africa do Sul
a modalidade foi iniciada no comeco dos anos 1950 por instrutores, como Len Barnes, Richard Salmon, James Rousseau, Stan Schmidt e outros. Em
Angola
, processo semelhante se deu. E com o tempo algumas entidades foram sendo criadas e se afiliando a outras, de cunho internacional.
[
53
]
[
54
]
Da mesma forma como sucedeu com outras
artes marciais japonesas
, o carate foi introduzido no
Brasil
com a chegada de
imigrantes japoneses
no comeco do
seculo XX
. Mas somente no ano de 1956, o
sensei
Mitsuke Harada
(
Shotokan
) instala o primeiro
dojo
em
Sao Paulo
.
[
55
]
A esse exemplo seguiram os mestres
Juichi Sagara
(
Shotokan
), em 1957;
Seichi Akamine
(
Goju-ryu
), em 1958;
Koji Takamatsu
(
Wado-ryu
);
Takeo Suzuki
(Wado-ryu);
Michizo Buyo
(Wado-ryu);
Yoshihide Shinzato
(
Shorin-ryu
); Takeda, Kimura e Fabio Sensei (
Bushi Ryu
), em 1992;
Akio Yokoyama
(
Kenyu-ryu
), em 1965.
[
56
]
A pratica da modalidade percebeu um aumento depois que participantes de competicoes de
artes marciais mistas
lograram vitorias, como e o caso do carateca
Lyoto Machida
.
[
57
]
Em
Portugal
, a arte marcial foi introduzida entre os anos de 1962 e 1964, quando se reuniu um grupo de pessoas que praticam a modalidade na Academia de Budo, em
Lisboa
. Foi com este grupo que se organizou e entabulou os primeiros contactos com as entidades internacionais da modalidade. Na
decada de 1970
, verifica-se a criacao das primeiras entidades associativas nacionais representativas de alguns estilos.
[
58
]
[
59
]
Em 1980, foi fundada a Associacao Portuguesa de
Karate-Do
(
Shotokai
)
[1]
, cuja genese se reporta a uma parte importante do nucleo inicial dos praticantes da Academia de Budo.
Ate 1985, a CDAM (Comissao Directiva das Artes Marciais), presidida pelo Comandante Fiadeiro e sob a egide e supervisao do Ministerio da Defesa Nacional, integrava e regulamentava todas as Artes Marciais.
De 1985 a 1992, divide-se a CDAM, de onde emergem duas instituicoes que reivindicam a gestao do Karate nacional: a Federacao Portuguesa de Karate (FPK) e a Federacao Portuguesa de Karate e Disciplinas Associadas (FPKDA).
Finalmente, a 15 de Junho de 1992 e fundada por aquelas duas federacoes a Federacao Nacional de Karate - Portugal (
FNK-P
).
[
60
]
A despeito do que preconizavam os grandes mestres, hodiernamente, ha na seara do carate um grande numero de divisoes, sendo as mais conhecidas os estilos, e reconhecidos pela
Federacao Mundial de Carate
,
Shito-ryu
,
Shotokan
,
Goju-ryu
e
Wado-ryu
. Todos eles criados na primeira metade do
seculo XX
. Reconhecidos pela
WUKF
, ha os estilos
Shorin-ryu
,
Uechi-ryu
,
Kyokushin
e
Budokan
, alem dos reconhecidos pela WKF.
[
61
]
Ha, contudo, muitos outros estilos, com maior ou menor renome, como
Shindo jinen ryu
,
Seiwakai
,
Shudokan
,
Toon-ryu
,
Chito-ryu
,
Kenyu-ryu
,
Isshin-ryu
,
kudo
etc. Ha ainda alguns estilos que nada mais sao do que visoes mais tradicionalistas ou ortodoxas de um estilo, como e o caso do
Shotokai
, que propala estar verdadeiramente conectado a escola criada pelo mestre Funakoshi; aqueles que sao uma visao particular e/ou moderna, como o
Gosoku-ryu
, que e uma recopilacao baseada no
Shotokan
; ou estilos que sao compilacoes de outros estilos.
Em termos de artes marciais, ha que se notar que a palavra "escola" nao tem o mesmo sentido empregado no uso comum. O carate e uma arte marcial que se subdivide em diversos estilos, o Shorin-ryu sendo um dos mais antigos entre eles. Cada estilo, identificados geralmente pela particula
ryu
(
流
,
ry?
?
, fluxo)
, e uma forma distinta de se praticar uma determinada arte marcial. Nesse sentido, membros de estilos diferentes terao nomes diferentes para
golpes
semelhantes,
kata
e
kihon
proprios, diferentes progressoes de faixa, ou nivel, e ate mesmo metodologias de ensino variadas. O que une os diferentes estilos e a
consciencia
de que sao como
galhos
de uma mesma
arvore
, no caso a arte marcial em questao.
[
62
]
As escolas,
kan
(
館
,
kan
?
edificio, casa)
, por sua vez, sao visoes particulares de um determinado estilo. Muitas vezes elas se originam como tributos a mestres muito graduados e, algumas vezes, acabam se transformando em estilos propriamente ditos, como foi o caso do estilo
Shotokan
, que deve ser mais corretamente chamado de Shotokan-ryu (uma vez que
Shotokan
seria a Escola de
Shoto
e
Shotokan-ryu
seria o Estilo da Escola de
Shoto
). Uma "escola", nesta cercea, nao e, portanto, um local de aprendizado de tecnica, mas um conjunto de ideias dentro de um estilo.
[
63
]
Outra subdivisao pode se dar com o surgimento de uma linhagem, marcada com a adicao do sufixo
ha
(
派
,
ha
?
faccao,
escola
,
seita
)
, que, semelhante as escolas, imprimem uma visao particular de um estilo ou de uma escola. Nessa leva, existem as linhagens, por exemplo,
Hayashi-ha
,
Motobu-ha
e
Inoue-ha
, do estilo
Shito-ryu
;
Goju-kai
e
Seigokan
, do estilo
Goju-ryu
; ou
Shobayashi-ryu
,
Matsubayashi-ryu
e
Kobayashi-ryu
, do estilo
Shorin-ryu
.
[
63
]
Nota-se, portanto, que nao existe um padrao ou uma norma para definir os nomes dos estilos e suas respectivas ramificacoes. E divergencias de entendimento sao naturalmente esperadas, pelo que variacoes de uma mesma forma nao seria algo insolito e nem as pessoas terem por desiderato trilhar caminhos distintos, porem dever-se-ia restar conscio da origem comum.
[
64
]
Os mestres tradicionais pensavam que qualquer arte marcial deveria ser assemelhada a um flumen, isto e, fluente e flexivel. De outro modo, uma arte marcial deveria ser o resultado dum constante processo de aprimoramento individual, pelo qual o
budoca
adaptar-se-ia conforme os conhecimentos adquiridos e nunca seria identica, posto que duas pessoas praticassem a mesma, por igual periodo e com um so mestre, pois as pessoas nao sao iguais. Assim sendo, nao haveria razao para existirem diversos estilos.
[
65
]
Alem das mudancas para facilitar a divulgacao do carate, os mestres do comeco do
seculo XX
(mormente Funakoshi, que aproveitou tambem esse aspecto da cultura japonesa, relevante naquele momento) foram eficazes em imprimir solenidade aos treinamentos, respeito para com mestres, instrutores e praticantes, de forma mutua, o que realca o caracter de formacao de bons individuos. Isto, contudo, sem esquecer que naturalmente no processo de formacao da arte marcial desenvolvia-se um paradigma para as condutas dentre e fora do sitio de treino. Neste ambiente, alguns dos mestres eram reconhecidos por sua moral e trabalhos nesse sentido.
[
66
]
O treinamento tradicional de carate deve comecar e terminar com um breve momento de meditacao,
mokuso
, cuja finalidade e preparar o
carateca
para os ensinamentos que recebera e, depois, refletir sobre os mesmos. A cada momento ou exercicio faz-se saudacao no comeco e no fim, sendo costume difundido em varios dojos fazer uma reverencia ao entrar e sair do sitio.
Esse caracter mais abrangente do carate e bem visivel pela particula "d?" (
道
) de seu nome. Tais principios, posto que a grande mudanca filosofica ocorrida nas
artes marciais japonesas
possa ser localizada na transicao do
seculo XIX
para o
seculo XX
, possuem suas raizes fincadas bem mais no passado.
Historicamente, foi o monge
Peichin Takahara
quem primeiro a descreve a filosofia do "d?", do caminho de evolucao que sao as artes marciais, em sintonia com os ensinamentos do carate. Ainda no
seculo XVII
, ele descreveu as tres vertentes que, combinadas, culminam na evolucao da pessoa:
ijo
,
fo
e
katsu
.
[
66
]
- Ijo
(
?
) pode ser expresso em atitudes pro-ativas em favor de terceiros. Tambem se diz que a forma
ijo
respousa na
compaixao
,
humildade
e no recato.
- Fo
(
?
, principio) e o compromisso, isto e, a dedicacao que alguem tem para com algo; no caso, o afinco com que um
carateca
treina os conhecimentos ensinados, a seriedade e
devocao
que nutre, alem, para com seu mestre e colegas.
- Katsu
(
奉, observancia
) reflete-se no conhecimento, na compreensao que a arte marcial possui, mas compreendida nos minimos detalhes e em que momentos, da vida ou de um enfrentamento real, farao sentido.
O conceito do caminho evolutivo que e a pratica do carate pode ser achado em todas as artes marciais japonesas, tratando-se uma leitura japonesa do
tao
. Como caminho, por conseguinte, deve ser interpretado de forma bem abrangente, para a compreensao de um
ciclo de vida
. De outra forma, uma vez que o ciclo da vida e ja um caminho pre-determinado, um sistema no qual todas as formas e seres estao inter-relacionados, mister haver a consciencia de que existe uma relacao de interdependencia de todas as coisas e situacoes: o aprendizado nao seria merito pessoal mas o resultado da relacao voluntaria do praticante com o ambiente e com todos os seres.
[
67
]
Nesta cercea, o carate se insere como uma das disciplinas do
Bushido
, o codigo de etica do
guerreiro
. Assim, o carate e muito mais do que uma forma de luta (o "d?" rejeita esta visao limitada), e um modo de vida. Os mestres prolataram um conceito, o que de nesta arte marcial, alem de nao existir atitude agressiva, em caso de embate, nunca o carateca faria o primeiro movimento:
“
|
空手に先手無し
Karate ni sente nashi
No carate nao ha primeiro movimento (ataque)
|
”
|
Sob duas opticas capitais e pragmaticas, ressai o escopo pacifico da modalidade. Primeiro, caso se enfrentem dois caratecas, nenhum deles tomara atitude ofensiva, pelo que o combate nunca existira. Depois, caso o enfrentamento se desse contra alguem que nao e um carateca, com a atitude pacifica ou desestimularia o ataque ou, se esse existir, poder-se-ia usar da energia despendida pelo contendor para resolver a demanda. Trata-se destarte de uma abordagem complementar a do
shinbu
.
[
68
]
A par dos principios basicos elencados e tendo em foco o
Bushido
, o mestre
Kanga Sakukawa
elaborou um codigo, o
Dojo kun
, para servir de norte a pratica do carate.
[
69
]
Tal codigo e composto por cinco regras:
“
|
- Esforcar-se para a formacao do carater.
- Fidelidade para com o verdadeiro caminho da
razao
.
- Criar o intuito do esforco.
- Respeito acima de tudo.
- Conter o espirito de agressao.
|
”
|
Sensei
Anko Itosu
, quando se dirigiu aos administradores japoneses, no fito de divulgar o carate por todo o Japao, referiu-se a sua arte marcial em forma de principios que poderiam ser facilmente compreendidos. Assim, tal conjunto de principios ficou conhecido como
Tode jukun
, ou os Dez Principios do Tode.
[
70
]
“
|
- O carate nao e praticado apenas para o beneficio individual, pode ser usado para proteger sua familia e seu mestre.
- O proposito do carate e tornar os musculos e ossos duros como rochas e usar as maos e pernas como lancas.
- O carate nao pode ser aprendido rapidamente.
- Em carate, treinamento das maos e dos pes e importante.
- Quando praticar as bases do carate certifique-se de manter as costas eretas.
- Pratique cada uma das tecnicas do carate repetidamente.
- Vos deveis decidir se o carate e para saude ou para auxiliar nos deveres.
- Quando treinar, faca como se estivesse no campo de batalha.
- Se se usar excessivamente sua forca no treinamento de carate isso ira causar a perda de energia.
- [...] O carate auxilia no desenvolvimento de ossos e musculos. Ajuda tanto na digestao quanto na circulacao.
|
”
|
Imbuido pelo conceito do "do" e a exemplo do que fizeram os mestres do passado, em particular, seu instrutor directo, mestre Sakukawa,
Gichin Funakoshi
elaborou um codigo etico,
Niju kun
, o qual seria difundido em sua escola, mas se acabou por espraiar-se por outros
dojos
. O nome significa literalmente as vinte regras:
“
|
- ...o carate deve iniciar com saudacao e terminar com saudacao.
- No carate, nao existe atitude ofensiva.
- O carate e um apoio da justica.
- Conheca a si proprio antes de julgar os outros.
- O espirito e mais importante do que a tecnica.
- Evitar o descontrole do equilibrio mental.
- Os infortunios sao causados pela negligencia.
- O carate nao se limita apenas a academia.
- O aprendizado do carate deve ser perseguido durante toda a vida.
- O carate dara frutos quando associado a vida cotidiana.
- O carate e como agua quente. Se nao receber calor constantemente, esfria.
- Nao pense em vencer, pense em nao ser vencido.
- Mude de atitude conforme o adversario.
- A luta depende de como se usam os pontos fracos e fortes.
- Imagine que os membros de seus adversarios sao como espadas.
- Para cada homem que sai do seu portao, existem milhoes de adversarios.
- No inicio, os movimentos sao artificiais, mas, com a evolucao, tornam-se naturais.
- O treino das tecnicas deve ser de acordo com o movimento correto (forma original), mas na aplicacao torna-se diferente (livre).
- Nao se esqueca de aplicar corretamente.
- Estudar, praticar e aperfeicoar-se sempre.
|
”
|
O repertorio tecnico do carate esta dividido, de modo basico, em dois grandes grupos
go waza
(
剛 技
,
tecnicas rigidas
?
)
e
ju waza
(
柔技
,
tecnicas suaves
?
)
, que compreendem respectivamente os golpes de impacto e os de controle. Sendo que isso nao tem nenhuma relacao com estilo ou mesmo a denominacao deste, sao dois aspectos presentes em qualquer sodalicio ou modo de se ensinar/aprender a modalidade.
[
71
]
As tecnicas rigidas englobam todos aqueles golpes e movimentos em que ha explosao de energia, promocao ou absorcao de impacto, dai seu nome (saltos, socos, chutes e pancadas). A sua contrapartida sao as tecnicas suaves, ou aquelas nas quais visa-se mormente o controlo da energia da luta e da do adversario contra si mesmo e controlo dele
de per se
(projecoes, caimentos, imobilizacoes e luxacoes).
[
6
]
Alem da divisao conforme a natureza do movimento, podem-se dividir as tecnicas do carate em dois grandes grupos,
te waza
(
手 技
,
tecnicas manuais
?
)
e
soku waza
(
足 技
,
tecnicas podais
?
)
, e um grupo menor,
atama waza
(
頭 技
,
tecnicas capitais
?
)
.
[
72
]
E, bem assim, em
uke waza
(
受け 技
,
tecnicas de defesa
?
)
e
kogeki waza
(
攻? 技
,
tecnicas de ataque
?
)
. Os varios grupos e subgrupos tendem a misturar-se, exibindo a nocao de que uma tecnica pode ter variados fitos, ou seja, um mesmo movimento ou golpe pode ser usado tanto como defesa como ataque, o que vai realmente prover uma diferenciacao mais objetiva nao exatamente o golpe em si mas o binomio de cenario de enfrentamento e intento.
[
73
]
Dai que nas tecnicas manuais incluem-se defesas, ataques, projecoes, imobilizacoes. E isso tambem e verdade quando se focam os movimentos feitos com os
pes
.
[
74
]
Um caractere importante e o manejo do
ki
, da energia: o
carateca
deveria executar todas as tecnicas parecendo um
flumen
. Sob a
umbrela
desse conceito, o
ki
fluiria livremente.
[
75
]
Todas as escolas e estilos modernos de carate desenvolvem seu ensino no trinomio formado por
kihon
,
kata
e
kumite
. Todavia nem sempre foi assim, eis que as escolas tradicionais (ainda hoje) seguem um paradigma assentado somente nos
kata
, cujo fito e ser um modo completo de treinamento e era adoptado pelas outras artes marciais japonesas e mesmo por algumas modernas, como
judo
e
quendo
. Este modelo perdurou intacto, ou sem alteracoes sensiveis, pelo menos ate o surgimento do mestre
Anko Itosu
.
[
29
]
Mestre Itosu possuia um projecto pessoal, que era de introduzir a arte marcial de Oquinaua em seu sistema de ensino publico. Antes dele,
grosso modo
, quando se dizia que o mestre tinha transmitido todo o seu conhecimento, significava que ele tinha ensinado todos os
kata
que sabia, ai inseridos todos os aspectos. Nao se praticava a luta ?
kumite
? porque o entendimento da epoca era que o carate (como disciplina de combate) era mortal e, portanto, insuscetivel de ser praticado em luta, posto que combinada. Ou, quando era praticado, as lutas eram uma parte minima dos exercicios.
[
28
]
Como a modalidade e, antes de tudo, uma arte marcial, exige-se de seu adepto que pratique os exercicios com dedicacao e empenho similares a estar num campo de batalha: a mente deve estar focada no exercicio, de molde a absorver o movimento/conceito na sua inteireza. Essa atitude e, em verdade, esperada do carateca perante quaisquer situacoes do cotidiano, eis que o carate e concebido como uma disciplina marcial etica (
budo
).
Essa ideia foi paulatinamente sendo cambiada. Ainda assim, as escolas tradicionais transmitem a arte marcial precipuamente com base no aprendizado do
kata
.
Acontece, porem, que o modelo de ensino fulcrado nos
kata
nao se mostra eficaz quando se trata de promover o ensino do carate a
criancas
, como notou mestre
Anko Itosu
ainda no
seculo XIX
.
[
76
]
Foi entao que ele particionou os
kata
nas tecnicas fundamentais e criou os
kihon
do carate, adoptando um modelo mais proximo ao conceito do
do
/
tao
, que tambem resta presente nalgumas artes marciais, como o
aiquido
. Da mesma forma, compreendeu-se que a simulacao da luta (que o
kata
pretende ser) deveria ser praticada, pois ja coloca o
carateca
em situacao de enfrentamento e o prepara de modo mais eficaz. Destarte foi que surgiu o trinomio em que o carate hodierno se lastreia.
Ver artigo principal:
Kihon
Kihon
(
基本
,
Kihon
?
)
significa "fundacao" ou "fonte" e, nesta
logica
, quer dar sustento ao desenvolvimento do carate de forma perene e
propedeutica
. Um
kihon
e uma tecnica basica, um
soco
, uma
defesa
, uma
postura
, que e repetida pelo praticante diversas vezes. O escopo e tornar o movimento tao natural que, quando for executado num
kata
ou num
kumite
, nao havera dificuldades e o aprendizado fluira.
O estudo na forma de fundamentos consegue transmitir ao aluno a forma basica, incumbindo ao professor conseguir transmitir nao somente o movimento em si mas toda a filosofia e os conceitos que estao por detras, porque de outra forma a essencia do carate inexoravelmente sera esquecida, deixando de ser "do" para ser "jitsu". Noutras palavras, tecnica pela tecnica, num movimento contrario ao deixado pelos mestres.
Por fim, a fixacao do movimento por meio da repeticao levara eventualmente a compreensao maior de seu significado conquanto a energia (
ki
) do golpe nao sera desperdicada mas, antes de tudo, canalizada do modo mais eficiente possivel. Ou seja, visa-se o equilibrio entre pratica e teoria.
Kata
(
型
,
Kata
?
)
significa "forma" ou "modelo". Um
kata
pretende ser uma luta simulada, formatada para que o
carateca
consiga praticar sozinho; sao movimentos coreografados que visam dar desenvoltura frente a situacoes reais de enfrentamento, contra um ou varios adversarios imaginarios. A pratica do
kata
foi introduzida desde cedo no carate, quando a influencia de mestres chineses se fez peremptoria, desde quando se tratava de luta tipicamente de Oquinaua (
Okinawa-te
). Todavia, com a crescente influencia dos estilos oriundos da China, a pratica fixou-se de vez.
[
29
]
[
30
]
Ha muitos
kata
e muitas variacoes de um mesmo
kata
, dependendo do estilo/escola e ate de professor para professor, refletindo diversos significados e as caracteristicas desse estilo/escola. Os significados e aplicacoes de um kata sao dadas pelo
bunkai
, ou aplicacao. O escopo mor e preparar o praticante para a luta real: a finalidade e que o aluno aprenda profundamente os
kihon
e, depois, perceba a aplicacao
de facto
das tecnicas de
projecao
,
controle
,
chute
e/ou
deslocamento
etc. O kata e, portanto, o ponto que une as praticas de
kihon
e
kumite
.
[
77
]
Kumite
(
組み手 ou ?手
,
Kumite
?
maos dadas)
representa uma luta, um combate. Seu nome, sendo traduzido como o encontro das maos, pretende fazer memento ao lutador que o embate dar-se-a, pelo menos nos primeiros momentos, em condicoes de igualdade. Por conseguinte, deve haver respeito.
Em principio, as lutas eram proibidas e/ou desestimuladas, porque o carate possui tecnicas perigosamente mortais.
[
43
]
Mas, quando o
kumite
foi incorporado ao treinamento, viu-se que deveria haver maior controle, e que um aluno somente deveria treinar com luta depois de conhecer bastante as tecnicas dos
kihons
e
katas
, que sao sua base. A despeito disso, existem algumas formas de
kumite
, que seguem uma linha continua de aumento de dificuldade, com mais ate menos controle.
[
34
]
Por outro lado, a pratica do
kumite
como parte do treinamento, alem de promover a adaptacao do praticante a situacoes de combate, tem como fito precipuo a promocao do companheirismo, do compartilhamento de informacoes, da ajuda mutua.
Ademais, quando o carate passou pelas mudancas filosoficas que o transformaram em carate-do, impregnou-se da ideia de que o carateca que evolui sozinho praticamente nao evolui, pois nao se forma completamente, com respeito a outrem e a coletividade. E isso, num hipotetico combate, fatalmente contribuiria de modo nefasto para um insucesso.
O mestre
Choki Motobu
dizia que as tecnicas aprendidas tornar-se-iam ≪vazias≫ caso nao fossem postas em pratica.
Os mestres de carate nao usavam nenhum padrao para identificar o nivel de cada apedeuta, de modo prosaico identificavam particularmente quem estava mais ou menos avancado nos conhecimentos. Paulatinamente, passou-se, de um jeito ou de outro, a se utilizar do sistema
menkyo
(vigente ainda nas escolas tradicionalistas) para certificar o grau de conhecimentos de um praticante, basicamente destacando-se tres niveis:
- Shodan
(
初段
,
Shodan
?
)
: significando que se havia adquirido o
status
de principiante;
- Chudan
(
中段
,
Ch?dan
?
)
: significava a obtencao de um nivel medio de pratica. Isso significava que o individuo estava seriamente comprometido com sua aprendizagem, escola e mestre;
- Jodan
(
上段
,
J?dan
?
)
: a graduacao mais alta. Significava o ingresso no
Okuden
(escola, sistema e
tradicao
secreta das artes marciais).
Se o individuo permanecia dez anos ou mais junto ao seu mestre, demonstrando interesse e dedicacao, recebia o
menkyo
, a licenca que permitia ensinar. Essa licenca podia ter diferentes denominacoes como:
Sensei
,
Shihan
,
Hanshi
,
Renshi
,
Kyoshi
, dependendo de cada sistema em particular. A licenca definitiva que podia legar e outorgar acima do
menkyo
, era o certificado
kaiden
, alem de habilitado a ensinar, implicava que a pessoa havia completado integralmente o aprendizado do sistema.
Depois, sob a influencia de Gichin Funakoshi, adoptou-se o sistema de
faixas
coloridas, que foi elaborado por
Jigoro Kano
para seus alunos, com o escopo de, alem de deixar claro o nivel do praticante, estabelecer um "caminho" a ser percorrido, o que era uma ideia muito cara a filosofia do
d?
/
tao
.
Inicialmente, em alguns casos (distinguir entre homens e mulheres ou niveis mais altos) os cintos de algodao cru usados nao eram tingidos de modo uniforme, mas para se diferenciarem das outras artes marciais, havia a cor do grau ladeada por tingimento das bordas em cor distinta. Esse modelou nao vigeu por muito tempo (alguns estilos ainda usam), passando a ser igual ao do judo. Por outro lado, posto que se almejasse estabelecer um modelo unico (a ideia original), cada estilo/escola passou a estabelecer seus proprios graus e sequencia de cores. Nesse mesmo espirito, alguns possuem cores diferentes para designar os graus mais elevados, por exemplo, com o cinto coral (vermelho e branco intercalados).
[
78
]
O sistema atual que rege a maioria das artes marciais usando
kyu
("classe") e
dan
("grau"), foi criado pelo fundador do
judo
. Kano era um
educador
e conhecia as pessoas, sabendo que sao muitos os que necessitam de estimulos imediatamente depois de haver comecado a praticar artes marciais. A ansiedade desse tipo de praticante nao pode ser saciada por objetivos em longo prazo.
A graduacao no carate e importante para indicar o nivel de experiencia dos praticantes, e e vista como sinal de respeito para os
atletas
menos graduados. Para demonstrar a graduacao os caratecas usam uma faixa com uma cor na regiao da cintura. A ordem das cores das graduacoes variam de estilo para estilo mas como padrao, o grau de introito e marcao pela cor branca.
[
79
]
Na classificacao de orientada por cores, o termo
kyu
significa classe, sendo que essa classificacao e em ordem decrescente. Na classificacao de mestres (com cinturao ou faixa pretos),
dan
significa grau, sendo a primeira faixa preta a de primeiro
dan
; a subsequente, o segundo
dan
; e assim por diante em ordem crescente. Em um plano simbolico, o branco representa a pureza do principiante, e o preto se refere aos conhecimentos apurados durante anos de treinamento.
Desde que foi estabelecido e aceito o sistema de niveis coloridos, a graduacao do carate assemelhou-se muito ao seriamento escolar, num
paradigma
no qual os alunos galgam graus ascendentes (e mais complexos) ate que obtenham o de mestre. No exame, sao procedidos testes com diferentes caracteristicas e exigencias, de acordo com o grau de conhecimentos exigidos para o nivel imediatamente anterior, ou seja, o aluno obtem a proxima graduacao, se conseguir demonstrar que aprendeu a todo o conhecimento correspondente ao grau que ocupa e pretende superar; em
tese
, somente quando o aluno aprendeu tudo de um estagio e que esta pronto para prosseguir no caminho do carate. Habitualmente, tambem se exige certo periodo de tempo entre um exame e outro.
[
80
]
Nao existe um consenso sobre os programas dos exames de faixa, variando de organizacao para organizacao, ou mesmo de dojos.
Nao existe competicao no carate tradicional, mas com o cambio pelo qual passou a modalidade, de disciplina marcial pura para esporte e meio de desenvolvimento fisico, paulatinamente algumas entidades passaram a promover
torneios
, cujo fito era promover o intercambio e a amizade.
Outros, contudo, sempre alertaram para a alta letalidade de alguns golpes, como sucedeu num desafio em que o oponente faleceu depois de um golpe desferido pelo mestre
Choki Motobu
. Deste modo, naturalmente foram surgindo regras probitivas e foram sendo adoptadas protecoes aos esportistas, dependendo do
sexo
, da idade etc., como
colete
para o peito e
capacetes
. Alem deste aspecto pragmatico, as entidades pretendem fazer com que suas afiliadas promovam tambem o lado filosofico do carate, do respeito para com os colegas e demais praticantes da modalidade.
[
81
]
Alem da
critica
sobre o perigos dos golpes, mestres ainda argumentam que as competicoes fazem o carate perder sua essencia, como esporte e como arte marcial, eis que, derivado das proprias normas de protecao aos lutadores, as entidades vem limitando o acervo de golpes que se podem utilizar, na verdade, acenando com um repertorio estreito do qual nao se pode desviar, sob pena de desclassificacao ou nao marcacao de pontos. Mas tais tecnicas sao deveras eficazes num embate real. Os mestres tradicionalistas dizem que o praticante pode sair-se muito bem na competicao, mas, como essa nao admite contacto maior nem controle verdadeiro das tecnicas, ele nao tera um ataque potente nem resistira a contra-ataques certeiros.
[
82
]
Enfim, estao em choque duas abordagens diferentes do carate: uns com visao tradicional, entendendo que se trata de uma arte marcial, cujo objectivo e o aperfeicoamento, do corpo, do
intelecto
, da personalidade etc.; outros, com a visao desportiva, enxergando o carate como mais uma modalidade.
Os torneios sao realizados em duas modalidades,
kata
e
kumite
. Uma terceira modalidade, que outros enxergam como subdivisao da de
kata
, e a de
bunkai
.
[
83
]
Na competicao de
kata
, pontos sao concedidos por cinco juizes, de acordo com a qualidade do desempenho do atleta, de maneira analoga a
ginastica olimpica
. Sao criterios fundamentais para uma boa performance a correta execucao dos movimentos e a interpretacao pessoal do
kata
atraves da variacao de velocidade dos movimentos (
bunkai
). Quando o
kata
e executado em grupo (usualmente, de tres atletas), tambem e importante a sincronizacao dos movimentos entre os componentes do grupo.
No
kumite
, dois oponentes (ou duas equipes de lutadores) enfrentam-se por um tempo, que pode variar de dois a cinco minutos. Pontos sao concedidos tanto pela tecnica quanto pela area do corpo em que os golpes sao desferidos. As tecnicas permitidas e os pontos permissiveis de serem atacados variam de estilo para estilo. Alem disso, o
kumite
pode ser de semi-contato (como no estilo Shotokan), ou de contato direto (como no estilo Kyokushin).
No modelo adoptado pela Confederacao Brasileira de Karate-do -
CBK
, e entidades a ela filiadas, e no adoptado pela Federacao Nacional de Karate, de Portugal,
yuko
equivale a um ponto e corresponde a um
soco
na area do abdome, do peito, do rosto ou costas;
wazari
, dois pontos, sendo um
chute
nas areas das costas, do abdome ou do peito, ou chute nas laterais do tronco; e
ippon
, tres pontos, sendo um chute na cabeca ou nas laterais do pescoco, com contato rigorosamente controlado (ou, dependendo da categoria em disputa, com aproximacao de 5 cm a 10 cm, desde que o oponente nao esboce reacao), independentemente do oponente estar caido ou nao; aplicar uma tecnica pontuavel no oponente completamente caido e sem chances de contra-atacar, num intervalo de ate 2 segundos, independentemente de ter caido por si so ou ter sido derrubado com tecnica de varredura ou projecao.
[
84
]
[
85
]
Ha, ainda, confederacoes que utilizam tabela de pontuacao semelhante a esta. Por exemplo, a Confederacao Brasileira de
Karate-do
Interestilos (
CBKI
), bem como as entidades filiadas a mesma, utilizam
wazari (meio ponto - ○)
, para golpes
chudan
(altura do tronco); e
ippon (um ponto - ●)
, para golpes
jodan
(altura da cabeca), ou indefensaveis. Nesse sistema de luta, o combate termina quando o tempo expira ou quando um dos dois oponentes atinge tres pontos (
sanbon
), dai o nome do sistema de disputa ser
Shobu Sanbon
(disputa por tres pontos). Uma variacao desse sistema e o
Shobu Ippon
(disputa por um ponto), onde vence aquele que conseguir um
ippon
ou dois
wazari
. Ha, ainda, outra variacao:
Shobu Nihon
(disputa por dois pontos), na qual vence aquele que obtiver dois
ippon
's ou quatro
waza-ari
's, mas esta ultima forma de disputa e mais utilizada para competicoes infantis.
[
86
]
O carate desenvolveu-se paralelamente as demais
artes marciais japonesas
, em Oquinaua, onde ha uma
lingua propria
. Todavia, o vocabulario e basicamente em japones.
- [a]
^
Ortografia: "Carate" ou "carate" sao as formas de grafia correta em
lingua portuguesa
.
[
87
]
[
88
]
Em que pese a vigencia do
Acordo Ortografico de 1990
, pelo qual as letras "K", "W" e "Y" passaram a fazer parte do
alfabeto
, a grafia com a letra "K", posto que seu uso seja difundido entre as associacoes representativas, deve ser desestimulada, ante o processo historico/natural de aportuguesamento da grafia.
[
89
]
O uso da forma com a letra "K" parece dever-se a circunstancia factica de os lideres das entidades desconhecerem, no mais das vezes, as normas de gramatica e ortografia do portugues, devido a suas origens, tradicionalmente estrangeiras. A variacao com acento circunflexo justifica-se, no
Brasil
, pela influencia da
lingua francesa
; em
Portugal
, a com acento agudo, por recepcao directa do
japones
, na qual o som da letra final seria aberto. Em Portugal, a despeito de a norma culta estabelecer que a grafia certa e "carate", tem prevalecido o uso da forma vulgar, "karate".
[
90
]
[
91
]
[
92
]
[
93
]
- [b]
^
O termo
Kenpo
(
拳法
,
kenp?
?
, lei do punho)
designa as artes marciais, em transposicao do termo
chuan fa
, ou, como e dito em
portugues
,
kung fu
.
- [c]
^
Ortografia: o
gentilico
de Oquinaua tende a variar entre "oquinauense"
[
94
]
e "oquinauano", ou, segundo as regras do Acordo Ortografico de 1990, "okinawano" ou "okinawense".
- [d]
^
Peichin Takahara
era um monge de Oquinaua.
- [e]
^
A forma de escrita
kanji
, do japones, usa dos caracteres chineses. Assim, o caractere
唐
, quando escrito em
chines
, soa como "Tang", pelo que a palavra
To-de
tambem faz referencia a dinastia
Tang
.
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Estilos tradicionais
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Estilos oficiais
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Outros estilos
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Estilos de contato pleno
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Tecnicas
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Codigos
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Organizacoes
| Internacionais
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Brasileiras
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Portuguesas
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Caratecas notaveis
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