Miguel de Unamuno y Jugo
[
1
]
(
Bilbau
,
29 de setembro
de
1864
?
Salamanca
,
31 de dezembro
de
1936
) foi um
ensaista
,
romancista
,
dramaturgo
,
poeta
e
filosofo
espanhol
. Foi tambem Congresso dos Deputados (Espanha)|deputado]] de 1931 a 1933 pela regiao de Salamanca. E o principal representante espanhol do
existencialismo cristao
, sendo conhecido principalmente por sua obra
“O sentimento tragico da vida”
, que lhe valeu a condenacao do
Santo Oficio
. Foi reitor da
Universidade de Salamanca
tres vezes; a primeira em 1902 e a ultima, de 1931 ate sua demissao, em 22 de outubro de 1936, por ordem de
Franco
. Passou seus ultimos dias de vida em
prisao domiciliar
.
Nasceu na rua Ronda do bairro do
Casco Viejo
de Bilbau, sendo o terceiro filho do comerciante Felix de Unamuno Larraza e de sua sobrinha, Salome Jugo Unamuno. Ao concluir seus estudos fundamentais, testemunha o assedio da sua cidade durante a
Terceira Guerra Carlista
, o que refletira em seu primeiro romance,
“Paz na guerra”
.
E considerado como a figura mais completa da "
Geracao de 98
", um grupo constituido por nomes como
Antonio Machado
,
Azorin
,
Pio Baroja
,
Valle-Inclan
,
Ramiro de Maeztu
e
Angel Ganivet
, entre outros.
Estudou na
Universidade Central de Madri
, onde concluiu o curso de
filosofia
e
letras
em 1883. No ano seguinte, obteve seu
doutorado
com uma tese sobre a
lingua basca
:
“Critica del problema sobre el origen y prehistoria de la raza vasca”
,
[
2
]
na qual antecipava suas ideias sobre a origem dos
bascos
? contrarias aquelas que nos anos seguintes irao alimentar o
nacionalismo basco
, fundado pelos irmaos Arana Goiri, que defenderao uma "raca basca" (no sentido de
etnia
) nao contaminada por outras.
Em 1891 obteve a
catedra
de
grego
na
Universidade de Salamanca
. Em 1900, com apenas 36 anos de idade, e nomeado
reitor
, cargo que exerceria por mais duas vezes.
Conhecido tambem pelos sucessivos ataques a
monarquia
de
Afonso XIII de Espanha
, viveu no exilio, de 1926 a 1930, primeiro nas
ilhas Canarias
e depois na
Franca
, de onde so voltou depois da queda do general
Primo de Rivera
. Mais tarde o general
Francisco Franco
, cujo
golpe
Unamuno inicialmente apoiara, afastou-o novamente da vida publica, devido a criticas duras feitas pelo filosofo ao general
Millan-Astray
. Unamuno vai passar os seus ultimos dias de vida em
prisao domiciliar
, na cidade de Salamanca.
O incidente ocorreu em 12 de outubro de 1936, passados apenas tres meses desde o inicio da
guerra civil
, durante o ato de abertura do ano letivo no salao nobre da universidade, ato presidido por Unamuno, na condicao de reitor da referida instituicao.
Unamuno apoiava Franco porque considerava necessario levar ordem a anarquia criada pela
Frente Popular
, e naquele dia ele representava o general Franco no evento. O
governo republicano
liderado por
Manuel Azana Diaz
havia retirado a Unamuno a qualidade de reitor perpetuo da Universidade de Salamanca e o governo franquista tinha-o reconduzido.
Em certo momento, um dos oradores (
Francisco Maldonado de Guevara
) lancou um candente ataque contra a
Catalunha
e o
Pais Basco
, qualificando-os de
"anti-Espanha e de tumores no sadio corpo da nacao"
e asseverando que
"o
fascismo
redentor da Espanha sabera como extermina-los, cortando na propria carne, como um decidido cirurgiao, livre de falsos sentimentalismos"
. Concluiu elogiando o papel do
exercito
, que se havia empenhado numa nova e verdadeira cruzada nacional e afirmando que catalaes e bascos
"exploradores do homem e do nome da Espanha […] estao vivendo ate agora, em meio a este mundo necessitado e miseravel do pos-guerra, em um paraiso de
fiscalidade
e de altos salarios, as custas do povo espanhol"
.
Em sequencia, alguem na plateia teria gritado o lema da
Falange
?
"Viva la muerte!"
? ao que Milan-Astray, general falangista tambem presente ao ato, respondeu com um costumeiro repto:
"Espanha!"
. A plateia respondeu
"Unida!"
. Ele repetiu
"Espanha!"
e a massa replicou
"Grande!"
. Millan-Astray exclamou pela terceira vez
"Espanha!"
e a multidao gritou
"Livre!"
. Nesse ponto um grupo uniformizado com camisas azuis da Falange entrou no recinto e fez uma saudacao oficial ? braco direito ao alto ? ao retrato de Franco pendente em uma parede.
Nao se tem registro escrito do exato conteudo da intervencao de Unamuno que sucedeu a esses fatos. O que existe sao varias reconstrucoes. Uma das mais extensas e a versao de
Luis Gabriel Portillo
, publicada na revista
Horizon
em 1941. Segundo essa versao, a reacao de Unamuno foi a seguinte:
[
5
]
“
|
Um indignado Unamuno, que ate entao havia se mantido em silencio, levantou-se e pronunciou um apaixonado discurso: ≪Estais esperando que vos fale. Conheceis-me bem e sabeis que sou incapaz de permanecer em silencio. As vezes, permanecer calado equivale a mentir porque o silencio pode ser interpretado como aquiescencia. Quero fazer alguns comentarios ao discurso ? se posso chama-lo assim ? do professor Maldonado, que se encontra entre nos. Falou-se aqui da guerra internacional em defesa da civilizacao crista; eu mesmo ja fiz isso em outras oportunidades. Mas nao, a nossa e tao somente uma guerra incivil. Vencer nao e convencer, e ha, sobretudo, que convencer. O odio ? que nao deixa lugar a compaixao ? nao pode convencer. Um dos oradores aqui presentes e catalao, nascido em Barcelona e esta aqui para ensinar a doutrina crista, que vos nao quereis conhecer. Eu mesmo nasci em Bilbao e passei a minha vida ensinando a
lingua espanhola
, a qual desconheceis […] Deixarei de lado a ofensa pessoal que se deduz da repentina explosao contra bascos e catalaes, chamando-os de anti-Espanha ate porque com a mesma razao poderiam eles dizer o mesmo.≫
Nesse ponto, o general
Jose Millan-Astray
(que nutria um profundo sentimento de inimizade por Unamuno), comecou a gritar: ≪Posso falar? Posso falar?≫. E, em altos brados, reforcou: ≪A Catalunha e o Pais Basco sao dois canceres no corpo da nacao! O
fascismo
, remedio da Espanha, vem para extermina-los cortando na carne viva como um frio bisturi!≫. Alguem do publico tornou a gritar ≪Viva a morte!≫
No silencio mortal que se seguiu, os olhos todos se voltaram para Unamuno, que continuou: ≪Acabo de ouvir o necrofilo e insensato grito de "Viva a morte!". Isto me parece o mesmo que "Morte a Vida". E eu, que passei minha vida compondo frases paradoxais que despertavam a ira dos que nao as compreendiam, devo dizer, como especialista na materia, que esta me parece ridicula e repelente. Como foi proclamada em homenagem ao ultimo
orador
, entendo que a ele e dirigida, se bem que de forma excessiva e tortuosa, como testemunho de que ele mesmo e um simbolo da morte. O general Milan-Astray e um invalido. Nao e necessario dizer isso com um acento pejorativo pois e, de fato, um invalido de guerra. Cervantes tambem o foi. Mas extremos nao servem como norma. Desgracadamente na Espanha atual ha demasiados mutilados. Atormenta-me pensar que o general Millan-Astray possa ditar as normas da psicologia das massas. De um mutilado que careca da grandeza espiritual de Cervantes, que era um homem viril e completo apesar de suas mutilacoes, de um invalido que nao tenha essa superioridade de espirito, e de se esperar que encontre um terrivel alivio vendo multiplicar-se os mutilados ao seu redor. O general Millan-Astray deseja criar uma nova Espanha, criacao negativa, sem duvida, posto que a sua propria imagem.≫
Nesse momento Millan-Astray exclama irritado ≪Morra a intelectualidade traidora! Viva a morte!≫.
Unamuno, sem intimidar-se, continua: ≪Este e o templo da inteligencia e eu sou seu sumo sacerdote! Vos estais profanando este sagrado recinto. Tenho sempre sido, digam o que digam, um profeta de meu proprio pais. Vencereis porque tendes sobrada forca bruta. Mas nao convencereis porque para convencer ha que persuadir. E para persuadir lhes falta algo que nao tendes: razao e direito. Mas me parece inutil cogitar de que pensais na Espanha≫.
Apos essa manifestacao, estando o publico assistente encolerizado contra Unamuno e lancando-lhe todo o tipo de insultos, alguns oficiais sacaram suas pistolas, mas gracas a intervencao da esposa de Franco,
Carmen Polo
, que se agarrou a seu braco, pode Unamuno retirar-se do recinto.
|
”
|
Nesse mesmo dia, o Conselho Municipal decretou a expulsao de Unamuno. O proponente, conselheiro Rubio Polo, solicitou a medida sob o argumento de que ≪[…] a Espanha, afinal, apunhalada traicoeiramente pela pseudointelectualidade liberal-maconica cuja vida e pensamento […] so na vontade de vinganca se manteve firme, em tudo o mais foi sinuosa e oscilante, nao teve criterios, somente paixoes […]≫.
Em outubro de 1936, Franco assina o decreto de destituicao de Unamuno como reitor da Universidade de Salamanca.
Contestacao da versao tradicional do incidente na Universidade de Salamanca
[
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]
O historiador
Severiano Delgado
, bibliotecario da Universidade de Salamanca argumenta que a descricao do confronto verbal entre Millan-Astray e Unamuno em 1936 foi muito deturpado por Luis Gabriel Portillo, que foi quem teria inventado as famosas frases
"Morra a inteligencia!"
e
"Vencereis, mas nao convencereis"
, proferidas por Millan-Astray e Unamuno, respetivamente. Luis Portillo foi professor de
direito
da Universidade de Salamanca, amigo de Unamuno e vice-ministro da Justica do
governo republicano
, mas nao presenciou o incidente.
[
6
]
Em 1941, Portillo publicou na revista literaria britanica
Horizon
um artigo intitulado
“Unamuno's Last Lecture”
,
[
5
]
provavelmente com a ajuda
George Orwell
. O livro de Severiano Delgado, intitulado
Arqueologia do mito: o ato de 12 de outubro de 1936 no paraninfo da Universidade de Salamanca
, visa demonstrar como o mito
propagandistico
foi construido sobre o confronto ocorrido naquele dia entre Miguel de Unamuno e o general Millan-Astray.
[
6
]
“
|
O que Portillo fez foi criar uma especie de drama liturgico, onde voce tem um anjo e um demonio confrontando-se. Acima de tudo, o que ele queria era simbolizar o mal ? fascismo,
militarismo
, brutalidade ? atraves de Millan-Astray, e coloca-lo contra os valores democraticos dos republicanos ? liberalismo e bondade ? representados por Unamuno. Portillo nao tinha intencao de enganar ninguem; foi simplesmente uma evocacao literaria.
|
”
|
|
?
Severiano Delgado
[
6
]
.
|
Unamuno tomou a palavra, nao para confrontar Millan-Astray, mas para responder a um discurso anterior do professor de literatura Francisco Maldonado, que havia identificado a Catalunha e o Pais Basco com a "anti-Espanha". Unamuno que era
basco
, sentiu-se ofendido com esse discurso, mas, ao dirigir-se a plateia, tomou como exemplo o caso de
Jose Rizal
, um nacionalista
filipino
que durante o final do periodo colonial espanhol das
Filipinas
foi executado pelo governo colonial espanhol por crime de rebeliao apos a
Revolucao Filipina
. Millan-Astray que havia lutado nas Filipinas ficou incomodado com essa referencia a Jose Rizal e teria gritado "Morram os intelectuais traidores!".
[
6
]
Como prova de que esse incidente nao passou de uma mera troca acesa de palavras, a reproducao da fotografia que serve de capa para a edicao de livro mostra Millan-Astray e Miguel de Unamuno, a saida do evento, despedindo-se amigavelmente na presenca do
bispo Pla
, sorrindo e sem tensao entre eles. A foto foi descoberta em 2018 na
Biblioteca Nacional
e fazia parte da cronica do ato que o jornal
“O Avanco de Salamanca”
publicou no dia seguinte, 13 de outubro de 1936.
[
6
]
Ainda de acordo com Delgado, o relato de Portillo sobre o discurso de Unamuno ficou famoso quando um entao ainda muito jovem historiador britanico,
Hugh Thomas
, com apenas 30 anos, o encontrou em uma antologia da
Horizon
enquanto trabalhava no seu livro
“A Guerra Civil Espanhola”
, e erroneamente o tomou como fonte primaria.
[
6
]
Em outubro de 2011, Unamuno foi reconduzido postumamente ao cargo.
- A Agonia do cristianismo
. Lisboa: Cotovia, 1991.
- Abel Sanches - uma historia de paixao
. Sao Paulo: Editora Record, 2004.
- O Sentimento tragico da vida
. Lisboa: Relogio D'agua, 1988. Sao Paulo: Martins Editora, 1996.
- Epistolario Iberico
. Lisboa: Assirio e Alvim, 1986.
- Epistolario portugues de Unamuno
. Lisboa: Calouste-Gulbenkian, 1978.
- Nevoa
. Lisboa: Vega, 1996. / Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. / Sao Paulo: Estacao Liberdade, 2012.
- Por terras de Portugal e Espanha
. Lisboa: Assirio e Alvim, 1989.
- Sao Manuel Bueno, Martir
. Porto Alegre: L&PM, 2000.
- Um Homem
. Lisboa: Europa-America, 2003.
- Como se faz uma novela
. Curitiba:
Editora UFPR
, 2017.
ISBN 9788584800377
- Amor e pedagogia.
Rio de Janeiro: 7Letras, 2021.
Referencias
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, Donostia: Elkar, 2006.
ISBN 84-9783-402-X
- Azurmendi, Joxe:
Bakea gudan. Unamuno, historia eta karlismoa
, Tafalla: Txalaparta, 2012.
ISBN 978-84-15313-19-9
- Azurmendi, Joxe: "Unamunoren atarian" in Alaitz Aizpuru (coord.),
Euskal Herriko pentsamenduaren gida
, Bilbo: UEU, 2012.
ISBN 978-84-8438-435-9
- Delgado Cruz, Severiano (2019),
Arqueologia de un mito: el acto del 12 de octubre de 1936 en el paraninfo de la Universidad de Salamanca
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ISBN
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(em espanhol), Silex Ediciones; Edicion
- Portillo, Luis Gabriel (1941), ≪Unamuno's Last Lecture≫,
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1900 en Salamanca: guerra y paz en la Salamanca del joven Unamuno
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