Mosteiro dos Jeronimos
em Belem, exemplo mais emblematico da arquitectura manuelina, encomendado pelo rei D.
Manuel I
pouco depois de Vasco da Gama
[
1
]
ter regressado da India, em 1502, Santa Maria de Belem, Lisboa
O
Estilo manuelino
, por vezes tambem chamado de
gotico
portugues tardio
ou
flamejante
, e um estilo decorativo,
escultorico
e de
arte movel
que se desenvolveu no reinado de
D. Manuel I
e prosseguiu ate e apos a sua morte, ainda que ja existisse desde o reinado de
D. Joao II
. E uma variacao portuguesa do
Gotico
final, bem como da arte luso-mourisca ou
arte mudejar
, marcada por uma sistematizacao de motivos iconograficos proprios, de grande porte, simbolizando o poder regio. Incorporou, mais tarde, ornamentacoes do
Renascimento
italiano
. O termo "Manuelino" foi criado por
Francisco Adolfo Varnhagen
na sua
Noticia Historica e Descriptiva do Mosteiro de Belem
, de
1842
. O Estilo desenvolveu-se numa epoca propicia da economia portuguesa e deixou marcas em todo o territorio nacional.
Coluna no Claustro do Mosteiro dos Jeronimos
A caracteristica dominante do Manuelino e a exuberancia de formas e uma forte interpretacao naturalista-simbolica de temas originais, eruditos ou tradicionais. A janela, tanto em edificios religiosos como seculares, e um dos elementos arquitectonicos onde melhor se pode observar este estilo. Estes motivos aparecem em construcoes,
pelourinhos
, tumulos ou mesmo pecas artisticas, como em
ourivesaria
, de que a
Custodia de Belem
e um exemplo.
O conjunto decorativo de um elemento escultorico manuelino apresenta-se quase sempre como um discurso de pedra, onde diversos elementos e referencias se cruzam (
pansemiose
- ou "
todos os significados
"), como o simbolismo cristao, a
alquimia
, a tradicao popular, etc. O contexto tanto pode ser moralizante, como
alegorico
, jocoso (quando se aponta o dedo aos defeitos humanos ou a pormenores obscenos, como a referencia sexual numa gargula exterior a capela de Sao Nicolau, em
Guimaraes
), esoterico ou, simplesmente, propagandistico em relacao ao poder imperial de D. Manuel I. Note-se que esta simbologia esta tambem muito ligada a
heraldica
.
Os motivos mais frequentes da arquitectura manuelina sao a
esfera armilar
, conferida como divisa por D. Joao II ao seu primo e cunhado, futuro rei D. Manuel I, mais tarde, interpretada como sinal de um designio divino para o reinado de D. Manuel, a Cruz da
Ordem de Cristo
e elementos naturalistas:
Corais
,
Algas
,
Alcachofras
,
Pinhas
, animais varios e elementos fantasticos:
Ouroboros
,
Sereias
,
gargulas
.
Iluminura
do periodo manuelino do Livro 3 Misticos, Torre do Tombo
O "
discurso
" artistico presente no estilo manuelino, ainda que tenha comecado a ser construido ainda antes do reinado de D. Manuel, teve uma influencia consideravel da propria personalidade do monarca, das suas aspiracoes no contexto mundial, em especial o projecto de uma
cruzada
que unificaria o mundo cristao do ocidente com o mitico reino Cristao oriental do
Preste Joao
, tornando-o o "
Rei dos Mares
" (e foi, de facto, assim designado por diversos autores estrangeiros).
O estilo manuelino transmite em grande parte estas aspiracoes
messianicas
de um rei cuja ascensao ao poder foi, no minimo insolita, depois da morte seguida de outros herdeiros directos ao trono (como o principe D. Afonso e o seu irmao, D. Diogo, assassinado). No entanto, desde a interpretacao dada a expressao "
Spera Mundi
", na esfera armilar, que lhe fora concedida como divisa, ate a interpretacao do seu proprio nome, Emanuel ("Deus connosco", em hebraico), dado por sua mae quando este nasceu, apos um trabalho de parto longo e doloroso que so terminou quando a procissao do
Corpo de Deus
passava na rua, varios foram os "sinais" que indicavam que este rei fora o "Escolhido" por Deus para grandes feitos. A propria concepcao politica deste rei, influenciada pelo seu perceptor Diogo Rebelo e pelo
joaquinismo
, fe-lo crer que estava destinado a fundar o
Quinto Imperio
da
Profecia
de
Daniel
.
Estas referencias messianicas e
apocalipticas
estao tambem presentes na pintura (como nos frescos das "
Casas Pintadas
", em
Evora
e na "
Aparicao de Cristo a Virgem
" de
Jorge Afonso
).
Um exemplo claro aparece tambem na representacao do rei e da rainha D. Maria, em primeiro plano, no quadro "
Fons Vitae
", pertencente a Misericordia do Porto, de pintor anonimo mas segundo alguns de
Colijn de Coter
, numa cena da crucificacao e onde o sangue de Cristo escorre para dentro de um gigantesco
Graal
.
No Norte de Portugal, os principais autores deste estilo, provenientes do reino da
Galiza
ou de Biscaia, foram
Tome de Tolosa
,
Francisco Fial
e
Pero Galego
[
2
]
, que participaram na criacao da
Igreja Matriz de Caminha
, bem como
Joao de Vargas
e
Joao de Parmenes
, que trabalharam juntamente com o portugues
Joao Lopes
na
Se de Lamego
. O cantabrico
Joao de Castilho
, responsavel pela
Galile
e pela capela-mor da
Se de Braga
, tambem deixou a sua marca no Mosteiro dos Jeronimos, onde avulta a figura de
Diogo Boitaca
, criador do
Mosteiro de Jesus de Setubal
. Alem de Boitaca, o centro de Portugal conta tambem com a obra notavel de
Mateus Fernandes
, bem representada no portal das
Capelas Imperfeitas
, no
Mosteiro da Batalha
.
Fala-se ainda de um "
Manuelino de segunda geracao
", apos o recrudescimento economico em Portugal, em consequencia das Descobertas. Castilho, Boitaca e os irmaos
Francisco
e
Diogo de Arruda
, que desenharam a
Torre de Belem
, sao os seus principais representantes.
Ha ainda a referir os nomes de Manuel Pires,
Joao Favacho
,
Pero
e
Filipe Rodrigues
,
Alvaro Rodrigues
,
Andre Pires
e
Diogo Pires, o Moco
, entre outros.
Torre de Belem
em
Lisboa
, iniciada em 1514 no reinado de Manuel I de Portugal (1495-1521), tendo como arquitecto
Francisco de Arruda
Esta tendencia artistica era conhecida, na epoca, como a variante portuguesa da arquitectura
ad modum Yspaniae
(ao modo hispanico) que, por sua vez, estava incluida na corrente arquitectonica "ao moderno" - expressao utilizada para o
gotico tardio
onde tambem havia a variante, por exemplo, do
modo tudesco
ou
alemao
na entao nova arquitectura nordica. Esta corrente opunha-se a arquitectura
ao modo antigo
ou
ao romano
.
No seu conjunto, pouco muda relativamente a estrutura formal do
gotico alemao
e
plateresco
. O alcado interior das igrejas mantem-se atraves da orientacao este-oeste, da
planta
, dos sistemas de suporte e cobertura, do calculo de proporcoes. As
naves
da mesma altura, influencia das
igrejas-salao
alemas, de cinco tramos, ausencia de
transepto
e
cabeceiras
rectangulares sao as principais caracteristicas diferenciais. Apesar de ser essencialmente ornamental, o Manuelino caracteriza-se tambem pela aplicacao de determinadas formulas tecnicas da altura, como as abobadas com nervuras polinervadas a partir de
misulas
.
Na componente civil destacam-se os
palacios
, como o
Paco de D. Manuel
, em
Evora
, e
solares
rurais, como o
Solar de Sempre Noiva
, em
Arraiolos
, todos de planta retangular. E na tipologia militar e referencia maior o baluarte do
Restelo
, a
Torre de Belem
. Um dos primeiros
baluartes
de
artilharia
do pais, a quebrar a tradicao das torres de menagem, a sua planta rectangular sobrepoe-se a uma base poliedrica, que penetram
Tejo
adentro. A rectangularidade da planta opoe-se a curvilinea da decoracao esculpida.
A janela do Capitulo do
Convento de Cristo
, em
Tomar
e uma das mais referidas obras neste estilo
Os motivos mais importantes da arquitectura manuelina sao:
- Simbolos nacionais
:
- A
esfera armilar
("
a esfera dos matematicos
" conferida como divisa por D. Joao II ao seu primo e cunhado, D. Manuel (futuro rei D. Manuel I), que, tendo escrito no meridiano "
Spera Mundi
" - Esfera do Mundo - foi, mais tarde, interpretada como sinal de um designio divino para o reinado de D. Manuel que se apresenta nos motivos artisticos do estilo como "
Esperanca do Mundo
", como tambem poderia ser interpretada a expressao ai inscrita). Por vezes ostentava tambem no Zodiaco a sigla em latim do
motto
pessoal deste rei:
Manuel Orbis Rex Est
(
MORE
) ou
Manuel Rex Orbis Est
(
MROE
);
- A
Cruz
da
Ordem de Cristo
;
- Escudo nacional.
- Elementos naturalistas
:
- Corais
;
- Algas
;
- Guizeiras
;
- Arvores secas. Aparecem tambem no gotico final da Europa Central, usando-se o termo "
astwerk
" para descrever a sua utilizacao - sao, portanto, um elemento caracteristico do tardo-gotico e remetem para a estetica franciscana, de cariz marcadamente naturalista e austera. Por outro lado, e um elemento que foi utilizado pelos detractores do gotico que consideravam o estilo barbaro e primitivo - esteril como uma arvore seca. As suas raizes e troncos nodosos tem presenca notavel no Mosteiro de Alcobaca, na janela do Capitulo de Tomar, sobre o busto fundeiro; na
Igreja de Vilar de Frades
ou no
Paco de Sintra
;
- Alcachofras
(simbolo da regeneracao e da ressurreicao - sendo por isso queimada nos festejos de Sao Joao, esperando que volte a reverdecer);
- Folhas de
loureiro
, como no Claustro de D. Joao I, no Mosteiro da Batalha;
- Romas
(como nas portas laterais da
Igreja Matriz da Golega
- simbolo de fertilidade, pela quantidade extraordinaria de sementes que contem);
- Folhas de
hera
;
- Pinhas
(fertilidade e/ou imortalidade - por vezes interpretadas como sendo espigas de
milho
ou macarocas) - sao visiveis, por exemplo, sobre o portal da Igreja Matriz da Golega;
- Caracois
ou conchas de
nautilus
(como na
Igreja da Vestiaria
, em
Alcobaca
; ou na entrada das
Capelas Imperfeitas
, no
Mosteiro da Batalha
, simbolizando, talvez, a lentidao dos trabalhos);
- Animais varios;
- Putti
(criancas).
- Elementos fantasticos
:
- Ouroboros
(a serpente que morde a sua propria cauda: simbolo do Universo: a uniao do principio e do fim);
- Sereias
(motivo de arte profana, talvez fossem uma referencia a varias palavras semelhantes e ao simbolismo associado:
serao
, ou a altura em que o ciclo produtivo do cardar da la se realizava,
serenata
, ritual de namoro ligado ao pecado da carne, tal como em
serralho
, etc.);
- Monstros (principalmente as
gargulas
, mas tambem outros, como dragoes e animais de boca aberta, devorando o seu proprio corpo);
- Orelhudos (cabecas com orelhas descomunalmente grandes, como no cadeiral de Santa Cruz de Coimbra);
- Animais realizando accoes humanas, numa perspectiva carnavalesca, como a tocar instrumentos musicais.
- Simbolismo cristao
:
- Outros motivos
:
- As
cordas entrelacadas
e cabos, fazendo muitas vezes
nos
, como na Se de Viseu, na Torre de Belem ou na
Casa dos Alpoins
, em Coimbra;
- Redes;
- Cinturoes com grandes fivelas, como no Coro do Convento de Cristo, em Tomar;
- Meias esferas, como na
Igreja da Conceicao
, em Beja;
- Pinaculos conicos com
cogulhos
de formas diversas;
- Colunas torsas (como no portal da Igreja Matriz da Golega ou na Se da Guarda);
- Correntes, como na
arquivolta
do portal principal da Casa de Sub-Ripas, em Coimbra;
- Bustos de personagens historicas;
- Cabecas de infantes (criancas);
- Desenhos finos, semelhantes aos das
pratas
espanholas
, suas contemporaneas;
- Referencias a
cestaria
.
Interior da Igreja dos Jeronimos
Claustro, Mosteiro dos Jeronimos
Igreja Matriz da Golega, cujo portal e um dos mais caracteristicos do manuelino
Entre as obras mais notaveis do manuelino, temos a referir:
- No
Norte de Portugal
, onde esta presente desde o inicio do
seculo XVI
e onde sao caracteristicas dominantes a decoracao ao estilo "
flamejante
" e as Igrejas divididas em tres
naves
:
- No
Centro de Portugal
:
- Igreja do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra
; (tumulos, igreja, claustro);
- Se Nova de Coimbra
, (
pia baptismal
);
- Capela de Sao Miguel,
Universidade de Coimbra
;
- Se da Guarda
, pilares torsos no interior e entrada lateral;
- Convento de Cristo
de
Tomar
, onde sobressai a magnifica janela do Capitulo;
- Igreja de Sao Joao Baptista
de
Tomar
;
- Igreja Matriz da Golega
;
- Cruzeiro do Cartaxo
;
- Determinadas partes do Mosteiro de Santa Maria da Vitoria (ou da
Batalha
) (patrimonio da Humanidade da UNESCO);
- O arco triunfal da
Igreja de Nossa Senhora do Populo
, em Caldas da Rainha;
- A sala dos Brasoes e janelas no
Paco Real de Sintra
;
- Quinta de Ribafria
, em Sintra;
- Mosteiro dos Jeronimos
, em Lisboa (patrimonio da Humanidade da UNESCO);
- Torre de Belem
, em Lisboa (patrimonio da Humanidade da UNESCO);
- Convento da Madre de Deus
,
Lisboa
;
- Igreja da Conceicao Velha
, Lisboa;
- Portal da
Igreja da Madalena
, Lisboa;
- Capela dos Jeronimos
, Lisboa;
- Hospital Real de Todos-os-Santos
, Lisboa (destruido no
Terramoto de 1755
);
- Igreja do antigo Mosteiro de Jesus
, em Setubal;
- entrada lateral da
Igreja de S. Juliao
, Setubal.
- No
Sul de Portugal
:
- Nas
Regioes Autonomas
:
- O Estilo ainda se faz notar
fora de Portugal
, em antigas colonias e pracas fortes:
- De uma forma mais esporadica, tambem aparece em partes do
reino de Castela
e em antigas colonias onde exerceram frades-arquitectos portugueses, como no caso do Mexico:
Commons
Referencias