No ambito da
heraldica
, um
esmalte
constitui uma das
coloracoes
ou
padroes
aplicados as diversas partes de um
brasao
.
As regras para a definicao, representacao e descricao dos esmaltes constituem um dos principais aspetos da heraldica. Apenas e permitido o uso de um numero limitado de esmaltes, que se subdividem em tres classes: os metais (ouro e prata), as cores (vermelho, azul, verde, preto e purpura) e as peles ou forros (arminho e veiros). Algumas tradicoes heraldicas, admitem esmaltes adicionais nao tradicionais, tais como o alaranjado ou o sanguinho. A heraldica tambem admite o uso muito excecional da cor natural na representacao de pessoas, animais, vegetais e elementos artificiais, a qual e referida como "de sua propria cor" ou de "carnacao" conforme o caso.
Na heraldica, originalmente tanto o termo "esmalte" como "cor" se referiam aos nao metais e nao peles. A necessidade de existir um termo generico que incluisse tambem os metais e as peles, levou a que alguns heraldistas escolhessem um deles como tal. A escolha do termo nao e contudo universal, existindo portanto obras de heraldica onde e utilizado termo "cor", para designar todas as coloracoes e padroes, inversamente usando-se o termo "esmalte" para designar apenas os nao metais e nao peles. Ha ainda heraldistas que usam o termo "cor" ou "esmalte" para designar todas as coloracoes que nao as peles.
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A lei heraldica define as regras a que deve obedecer o uso dos esmaltes no brasonamento de armas. Dita a mesma que:
- Salvo as ressalvas indicadas a seguir, nao podem sobrepor-se metais a metais, cores a cores e peles a peles;
- Um metal e um esmalte justapostos em partes iguais podem sobrepor-se a metais, a cores ou a peles;
- As pequenas partes complementares de uma figura (como a lingua de um leao ou o bico de uma aguia) podem ser de metal sobre metal ou de cor sobre cor;
- As figuras de sua cor e as de carnacao (coloracoes naturais) podem sobrepor-se a metais, a cores e a peles. O uso destas coloracoes naturais deve contudo ser muito excecional e apenas quando indispensavel, uma vez que e considerado uma ma pratica heraldica;
- As quebras e as diferencas podem ser de cor sobre cor;
- As pecas brocantes de qualquer esmalte podem sobrepor-se a metais, a cores e a peles;
- Segundo alguns heraldistas, a cor purpura tem o privilegio de poder sobrepor-se a outras cores.
Quando as armas infringem a lei heraldica por terem sido criadas antes da sua codificacao ou por uma razao propositada (como a comemoracao de um feito especial) sao chamadas "armas a inquirir". Se as razoes atras referidas nao se verificam, a infracao da lei heraldica torna-as "armas falsas".
Um artificio que permite a colocacao de certas pecas honrosas de metal em campo de metal e de cor em campo de cor, sem infringir a lei heraldica, e considera-las como ocupando o mesmo plano do campo. As pecas nesta situacao dizem-se "cosidas".
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No brasonamento de esmaltes sao usados alguns vocabulos e expressoes especificas, incluindo:
- Cosido
- diz-se da peca honrosa de metal em campo de metal ou de cor em campo de cor. O
cosido
permite nao infringir a lei heraldica uma vez que parte do principio de que a peca nao carrega o campo, mas ocupa o mesmo plano deste;
- Um no outro
- expressao que indica que, num campo em que cada particao principal esta carregada com pecas, estas tem os esmaltes das particoes, mas alternados;
- Entrecambado
- vocabulo que indica que uma peca assente num campo de dois esmaltes e dos dois mesmos esmaltes, mas alternados com os do campo;
- Pleno
- diz-se do campo quando e de um unico esmalte sem qualquer peca;
- Sombra
- e a silhueta de uma figura no campo, determinada pela sua linha de contorno, tendo por esmalte o mesmo do campo.
Alguns heraldistas atribuem o mesmo significado ao
um no outro
e ao
entrecambado
usando-os de forma indiferenciada para ambas as definicoes referidas acima.
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Escudo de vermelho, uma cruz
cosida
de negro
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Escudo partido de verde e prata, duas arvores
de um no outro
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Escudo partido de azul e prata, uma banda brocante
entrecambada
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Escudo de negro
pleno
-
Escudo de ouro, com a
sombra
de um anel tendo encastoado um rubi
Em algumas tradicoes heraldicas, e utilizada uma terminologia propria, nao
vernacula
, que utiliza palavras essencialmente de
origem normanda
para designar certos elementos do brasao, terminologia essa que inclui tambem termos especificos para os esmaltes. Como exemplo, os termos
argent
,
or
,
gules
e
azur
sao usados para designar respetivamente a prata, o ouro, o vermelho e o azul. Tendo origem na heraldica francesa, esta terminologia e tambem usada na heraldica britanica e catala. Nas heraldicas de tradicao espanhola e neerlandesa, esta terminologia e apenas usada para as cores, usando-se o lexico vernaculo para os metais.
Contudo, esta terminologia propria nunca ou raramente e utilizada em outras tradicoes heraldicas, onde o seu uso chega a ser considerado como uma afetacao ou falta de erudicao. Sao estes os casos das heraldicas de tradicao portuguesa, italiana, alema e sueca, no ambito das quais se da primazia ao uso dos termos comuns das linguas locais.
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Na maioria das tradicoes heraldicas, nao existem tonalidades fixas para a representacao dos esmaltes nos brasoes de armas. Fica assim a liberdade do artista escolher representar o verde como mais escuro ou mais claro, bem como o vermelho como mais profundo ou mais brilhante. O artista tambem tem a liberdade de preferir representar o ouro como dourado ou como amarelo, bem como representar a prata como prateado ou como branco. Importa contudo que a forma de representar o esmalte nao o faca confundir-se com um esmalte distinto. Assim por exemplo, o vermelho nao deve ter um tom tao profundo que o faca confundir-se com o purpura, bem como nao deve ser tao claro que o faca confundir-se com o alaranjado (nas tradicoes heraldicas onde esta cor e admitida). Por outro lado, no mesmo brasao ou em brasoes representados em conjunto, e considerada uma boa pratica representar cada um dos esmaltes sempre do mesmo tom.
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Alguns heraldistas procuraram contudo indicar diretrizes para a escolha das tonalidades dos esmaltes, frequentemente justificadas pela necessidade de uma representacao que se adeque as respetivas simbologias. Assim, por o vermelho simbolizar valor, intrepidez e combatividade deveria ser representado num tom vivo. Ja o azul, por simbolizar realeza, majestade e soberania, deveria ser representado num tom profundo.
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Modernamente, a necessidade da representacao heraldica em formato digital, tem levado a propostas de
padronizacao
dos tons dos esmaltes no ambito dos varios
modelos de cor
, como o
RGB
e o
CMYK
.
Quando nao e possivel a reproducao das coloracoes originais, os simbolos heraldicos tem que ter uma representacao monocromatica (
preto sobre fundo branco
). Atualmente a forma mais convencional para tal e atraves de um sistema de
hachura
(do
frances
hachure
), que consiste em representar os esmaltes por um conjunto de pontos e linhas.
A necessidade de se ter de representar ocasionalmente armas de forma monocromatica surgiu quase desde o inicio da heraldica. A abordagem inicial consistiu em assinalar o campo, as pecas e as figuras do brasao com
letras
ou
abreviaturas
que identificavam os respetivos esmaltes.
A proliferacao de obras impressas durante a primeira metade do
seculo XVII
, associada as dificuldades e custo da impressao a cores, obrigou contudo ao desenvolvimento de sistemas de representacao monocromatica mais praticos que o uso de letras e abreviaturas. Tendo como intencao primaria a impressao e a gravacao, o sistema que acabou por ter uma aceitacao mais generalizada e de se tornar o padrao foi o desenvolvido pelo padre jesuita e heraldista Silvestre Petra Sancta, originalmente publicado em 1638 e que se baseia na
tecnica artistica
da hachura.
Pelo metodo de Petra Sancta, usado nas representacoes monocromaticas na lista de esmaltes abaixo, cada metal e cor e identificado por pontos ou por linhas com uma determinada disposicao. Assim, a prata e representada por um campo vazio enquanto que o ouro e representado por um campo polvilhado de pontos. O vermelho e representado por linhas verticais, o azul por linhas horizontais e o negro por uma combinacao de linhas verticais e horizontais. Linhas diagonais dispostas em banda representam o verde, enquanto linhas diagonais em contrabanda representam a purpura.
Petra Sancta apenas se preocupou com a representacao monocromatica dos dois metais e cinco cores tradicionais da heraldica. No entanto, face a necessidade de representar esmaltes adicionais admitidos em certas tradicoes heraldicas, outros heraldistas desenvolveram formatos para aquelas, continuando a basear-se em conjugacoes de pontos, linhas verticais, horizontais e diagonais, bem como em linhas tracejadas.
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Os esmaltes sao divididos em tres classes: metais, cores e peles.
Tradicionalmente, a heraldica admite apenas dois metais: o ouro e a prata.
Nome
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Representacao
(
cores / preto e branco
)
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Pedra simbolica
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Corpo celeste
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Nomes alternativos
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Observacoes
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Em bandeiras, usa-se o tradicionalmente termo "amarelo" e nao "ouro" por aquelas serem feitas de tecido e nao de metal
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Branco
, argante, arjante, argento
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Em bandeiras, usa-se tradicionalmente o termo "branco" e nao "prata" por aquelas serem feitas de tecido e nao de metal
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Tradicionalmente, a heraldica admite apenas como cores: o vermelho, o azul, o verde, a purpura e o negro. A purpura e considerada uma cor ambigua por alguns tratadistas, que por isso nao a sujeitam a regra de nao poder carregar outra cor. Por outro lado, a purpura nao e admitida em algumas tradicoes heraldicas.
Nome
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Representacao
(
cores / preto e branco
)
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Pedra simbolica
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Corpo celeste
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Nomes alternativos
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Observacoes
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O termo "sanguinho" e tambem ocasionalmente usado para designar uma cor nao tradicional, de tom mais escuro que o vermelho tradicional.
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Blau
,
azure
, safira,
celester
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Sinople
,
sinopla
,
vert
, esmeralda
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Ametista, jacinto
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Alguns heraldistas antigos consideravam o negro uma representacao do
ferro
e consequentemente o classificaram como metal.
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Existem duas peles ou forros principais na heraldica: o arminho e os veiros. A partir destas, podem ser criadas varias derivacoes.
Nome
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Representacao
(
cores / preto e branco
)
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Pedra simbolica
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Corpo celeste
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Nomes alternativos
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Observacoes
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Representado por um fundo de prata semeado de mosquetas (pontos de arminho). Se o fundo e de preto e as mosquetas sao de prata, trata-se de um
contra-arminho
. Se sao usados esmaltes diferentes da prata e negro, trata-se de um
arminhado
ou
contra-arminhado
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Representacao estilizada da pele de um
esquilo-da-siberia
, alternando os fragmentos de pele azul do dorso com os de pele branca do ventre do animal. Quando se verifica a inversao dos esmaltes prata e azul das tiras pares, tem-se um
contraveiros
. Se sao usados esmaltes diferentes da prata e azul, trata-se de um
veirado
ou
contraveirado
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Para alem dos metais, cores e peles tradicionais admitidos quase universalmente por todas as tradicoes heraldicas, ocasionalmente sao usados outros esmaltes adicionais, cuja aceitacao e limitada.
Entre os esmaltes adicionais figuram as coloracoes naturais, usadas para representar figuras naturais ou artificiais de forma naturalistica. A mais generica e a que e brasonada como
de sua propria cor
. Uma figura pode ser assim brasonada e sem mais detalhe se a sua coloracao natural nao for ambigua. Se existir ambiguidade, associado ao brasonamento
de sua propria cor
deve ser especificada a cor ou tom especifico da figura. Para o caso especifico da coloracao natural de uma pessoa de pele clara, existe o brasonamento
de carnacao
, normalmente representado como
cor de rosa
claro. As coloracoes naturais nao estao sujeitas a regra da nao sobreposicao de metais sobre metais e cores sobre cores. O seu uso deve contudo ser evitado por ser considerado ma pratica heraldica. Assim, a boa pratica heraldica seria a transformacao de uma coloracao natural no esmalte heraldico mais semelhante, como por exemplo a representacao de um tronco de arvore por vermelho ou negro, em vez de castanho.
Algumas tradicoes heraldicas permitem o uso de outros esmaltes nao tradicionais, que nao tem necessariamente como objetivo a representacao de coloracoes naturais. O mais comum e o alaranjado, usado em varias tradicoes heraldicas, como a francesa, a catala, a britanica e a sul-africana. O bronze, o
cor de rosa
e a
cor de couro
sao usados pela heraldica canadense. O
ocre
e usado pela heraldica sul-africana. A heraldica britanica permite o uso do morado, do sanguinho e da sepia, com alguns heraldistas a classificarem estes esmaltes como "nodoas" (
stains
em
ingles
), com base no mito de que os mesmos serviriam de marca de difamacao.
Nome
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Representacao
(
cores / preto e branco
)
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Pedra simbolica
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Corpo celeste
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Nomes alternativos
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Observacoes
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De sua propria cor
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Representa a coloracao natural de seres vivos, elementos minerais ou figuras artificiais, mesmo que essa coloracao natural se encontre entre os esmaltes heraldicos.
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Representa a coloracao natural de uma pessoa de pele clara. Usado frequentemente na heraldica de tradicao latina.
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Aurora
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Usado sobretudo na heraldica francesa, mas tambem em outras heraldicas como a catala e a sul-africana.
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Usado heraldica britanica, onde e classificado como "nodoa".
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Usado na heraldica britanica, onde e classificado como "nodoa". O termo "sanguinho" tambem foi usado por alguns heraldistas como designacao alternativa do esmalte "vermelho".
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Usado ocasionalmente em algumas heraldicas da Europa Continental. Na heraldica de tradicao britanica, o
tenne
representa-se da
cor laranja
, sendo classificado como "nodoa".
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Usado frequentemente na heraldica italiana, onde serve para representar o ceu
de sua cor
. E tambem usado ocasionalmente na heraldica britanica, sobretudo para simbolizar a
aeronautica
.
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Usado ocasionalmente na heraldica francesa. Na heraldica alema e frequentemente considerado o mesmo esmalte que o "ferro".
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Ferro
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Aco
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Usado ocasionalmente na heraldica da Europa Central e Oriental. E por vezes considerado o mesmo esmalte que o "cinza". Por outro lado, ocasionalmente "ferro" e "aco" sao tratados como esmaltes distintos.
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a
b
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Metais
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Cores
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Peles
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Manchas
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Outros
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