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Cristao-novo

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A expulsao dos judeus, em aguarela de Roque Gameiro
Documento real de Jose I de Portugal que declara: " Aos Cristaos Novos privilegio, per que El Rey lhe concede, que se possam ir pera onde quiserem, com outras mais gracas nele conteudas" .

Cristao-novo , converso ou convertido era a designacao dada em Portugal aos judeus convertidos ao cristianismo e seus descendentes, em contraposicao aos cristaos-velhos (genuinos). A expressao foi difundida apos a conversao forcada de judeus feita em 1497 pelo rei de Portugal, anos antes da instauracao do Tribunal da Inquisicao.

Expulsao e conversao forcada [ editar | editar codigo-fonte ]

Apos a expulsao dos judeus de Espanha pelos Reis Catolicos em 1492, cerca de 60 000 judeus que recusavam converter-se a religiao crista emigraram para Portugal. D. Joao II , influenciado por judeus importantes na Corte , acolhe-os, mas impoe o pagamento de oito ducados de ouro , [ nota 1 ] quantia deveras elevada para a epoca, para permanecerem em terras lusitanas (aos que nao podiam pagar este valor, metade dos seus bens eram confiscados a favor da Coroa). Pretendia-se com isso a fixacao de artesaos especializados, que faltavam em Portugal. Falecido D. Joao II , sucede-lhe D. Manuel I , monarca que se revelou tolerante para com os judeus que nao podiam pagar.

Segundo o jornalista e escritor Elias Lipiner , D. Manuel, ao casar-se com Isabel de Aragao e Castela , posteriormente Rainha consorte de Portugal , filha de Isabel I de Castela e de Fernando II de Aragao , aceitou inserir no contrato de casamento , a pedido dos pais da noiva, uma clausula que garantia expressamente a expulsao dos judeus de seu reino , tal como ocorrera em Espanha . Para cumprir esta clausula, D. Manuel publica, em dezembro de 1496, um decreto em que determina a saida de Portugal dos judeus ainda nao convertidos ao cristianismo, sob pena de morte, dando-lhes um prazo ate outubro de 1497 e garantindo-lhes meios de transporte para que pudessem partir. [ 1 ]

No entanto, o verdadeiro plano do monarca visava a conversao dos judeus ao Cristianismo , nao a sua partida. Deste modo, em abril de 1497, Dom Manuel proclama novas ordens para que os filhos menores de 14 anos dos judeus que optassem pelo exilio ao inves da conversao fossem retirados as suas familias para serem batizados e criados em Portugal dentro da doutrina crista.

Com a aproximacao do prazo dado pela Coroa para a partida dos judeus, o rei ordena que todos se dirijam a Lisboa para cumprir a promessa de ajuda com os meios de transporte. Porem, ao se reunirem no local, descobriram tratar-se de nova artimanha do monarca, que desta vez recorreu a violencia com os judeus que ainda nao haviam aceitado voluntariamente a conversao: ordenou que fossem arrancados a forca os filhos ate 25 anos de idade, avisando os pais que deviam aceitar a conversao caso quisessem continuar a conviver com eles em vida. [ 1 ]

Muitos judeus continuaram firmes, ainda que sob torturas durante tres dias em que foram privados de comida e bebida, e ao fim deste prazo foram submetidos a mesma violencias que os filhos, arrastados

"(...) pelas pernas, outros pelas barbas e cabelos, dando-lhes punhadas no rosto, e espancando-os, as igrejas onde lhes deitaram a agua, os levaram". [ 2 ]

consumando assim a conversao forcada e transformando-os em cristaos, com a alcunha de "cristaos-novos".

Tal ato violento, como ressalta Lipiner, trouxe a Coroa Portuguesa consequencias acentuadas [ 1 ] , pois contribuiu para a mistura racial entre portugueses e judeus e tambem para o dominio de aproximadamente tres seculos de Inquisicao e seu regime de perseguicoes, sendo o rei condenado tanto por clerigos e intelectuais liberais como pela populacao. O ato de violencia de Dom Manuel foi condenado de forma mais significativa em 1821, quando as Cortes Gerais e Extraordinarias da Nacao Portuguesa o usaram como argumento principal para determinar a extincao do Santo Oficio, convidando os descendentes das familias judias prejudicadas a regressarem a Portugal.

Outras definicoes [ editar | editar codigo-fonte ]

  • Meio Cristao-Novo: Aquele fruto de um casamento misto (entre um judeu e um cristao-velho), ato condenado pelo clero pois "sujava", maculava o sangue nobre cristao portugues.. [ 3 ] A quantidade de sangue judaico em uma pessoa era uma das qualificacoes usadas pela Inquisicao em seus reus, dando origem a "Limpeza de Sangue", culto racista em Portugal na epoca [ 4 ]
  • Criptojudeu : Cristao-novo vivia publicamente como catolico, porem fazia uso da religiao crista apenas no que concerne aos direitos civis e preservava seus cultos e praticas do judaismo clandestinamente. [ 5 ] Tambem chamados "Judaizantes". Muitos deles se filiavam as Confrarias ou Irmandades Catolicas para manter essas aparencias, chegando inclusive a ocupar cargos importantes. [ 6 ]
  • Marrano : forma considerada pejorativa de se referir ao cristao-novo, principalmente ao criptojudeu. [ 7 ]
  • Batizado em pe: Outro termo relacionado ao cristao-novo, usado com os judeus convertidos e batizados ja quando adultos, ao contrario dos cristaos-velhos, batizados sempre quando crianca. Foram encontradas ocorrencias do uso desse termo nas Mesas de Visitacao inquisitoriais no Brasil. [ 8 ]
  • Comer em mesa baixa/Varrer a casa as avessas: Ser criptojudeu. Termo referente a habitos judeus e que eram causa de prisao e condenacao pelo Santo Oficio. [ 9 ]
  • Pertinazes: Cristaos-novos que manifestavam a vontade de morrer, quando condenados, na Lei de Moises. Eram queimados vivos nos autos de fe . [ 10 ]
  • Tornadico : Judeu convertido que retornou a antiga crenca ou tambem aquele que se converteu antes de 1497. [ 11 ]
  • Renegado : Cristao-novo que realmente aceitava a conversao e o catolicismo, inclusive ajudando na perseguicao de judaizantes. Renegados eram usados pela Inquisicao como espioes. [ 12 ]
  • Reconciliado : Judaizante que conseguia o perdao dos inquisidores, sendo novamente aceito na Igreja, cumprindo penitencias. [ 13 ]

Perseguicao pela Inquisicao [ editar | editar codigo-fonte ]

Queima de cripto-judeus em Lisboa em 1497.

Mesmo apos a conversao, alguns cristaos-novos permaneceram fieis a sua religiao original (denominados criptojudeus ou, de forma pejorativa, marranos ) e inventaram formas de esconder sua conviccao religiosa. As alheiras , um tipo de enchido de carne de galinha e outras aves, foram, por exemplo, criadas para imitar os tradicionais chouricos de carne de porco, proibida aos judeus. [ 14 ]

Em Abril de 1499, um alvara proibe a saida do Reino aos cristaos-novos e a situacao de perseguicao assumiu contornos drasticos na Pascoa de 1506. Em 19 de abril, iniciou-se uma revolta popular impulsionada por frades dominicanos contra os cristaos-novos, que se prolongou por tres dias. A multidao, movida pelo fanatismo religioso, perseguiu, violou, torturou e matou centenas de pessoas acusadas de serem judias. Este episodio, conhecido como o Massacre de Lisboa , acentuou o clima de crescente antissemitismo em Portugal e levou muitas familias a abandonar o Reino. [ 15 ] A falha da seriedade de muitas conversoes levou D. Joao III a mandar instalar a Inquisicao em Portugal em 1536 e a estabelecer uma politica de distincao em relacao aos cristaos-novos.

Com a Inquisicao, os cristaos-novos, maioritariamente judeus conversos, nao mais tiveram tranquilidade em Portugal. Familias recem-convertidas, como a de Francisco Sanches , continuaram, clandestinamente, a fugir para os Paises Baixos, Constantinopla, Norte da Africa, Italia e Brasil, mantendo lacos secretos e apoiando os cristaos-novos portugueses. A maioria das vitimas, bem como grande parte dos processos da Inquisicao Portuguesa eram cristaos-novos, assim como boa parte dos seus 25.000 processos. Para alem do confisco de bens que sofriam, os cristaos-novos foram tambem vitimas dos atestados de limpeza de sangue nas candidaturas a cargos publicos, militares ou da Igreja, o que os afastava apos possuirem confirmacao inquisitorial. [ 16 ]

A partir do seculo XVI , as ideias de pureza de sangue foram legitimadas em Portugal, vedando aos cristaos-novos as possibilidades de ocuparem cargos publicos e religiosos. O casamento misto entre os conversos e cristaos-velhos foi uma forma encontrada pelos primeiros de garantir a "limpeza do sangue" e de encobrir suas origens judaicas, fugindo das perseguicoes inquisitoriais. Entretanto, foi promulgado um decreto em 1671, influenciado pelo Tribunal do Santo Oficio, no qual se proibia essa pratica. [ 3 ]

No seculo XVII , o apoio financeiro e politico dos cristaos-novos a Restauracao lhes permitiu uma certa ascensao social e algumas liberdades e garantias, iniciando-se o reaparecimento dos grupos mercantis. Com a morte de D. Joao IV , porem, recomeca a perseguicao aos cristaos-novos. Apenas em 25 de Maio de 1773, ja em plena epoca das luzes , Sebastiao Jose de Carvalho e Melo, mais conhecido como Marques de Pombal , primeiro-ministro de D. Jose I, promulga uma lei que extinguia as diferencas entre cristaos-velhos e cristaos-novos, tornando invalidos todos os decretos e leis anteriores que discriminavam os conversos. [ 17 ]

Foram queimadas as listas de cristaos-novos no Reino, abolida a limpeza de sangue e passou a ser proibido usar a palavra “cristao-novo”, quer por escrito ou oralmente. As penas para quem usasse a expressao eram pesadas. A partir dai, os cristaos-novos passaram a poder exercer todos os cargos e empregos publicos. A Inquisicao transformou-se em tribunal de Estado, acabando com a perseguicao da Igreja contra os conversos.

Cristaos-novos no Brasil [ editar | editar codigo-fonte ]

Sao Jose de Anchieta (1534?1597), missionario jesuita espanhol no Brasil e um dos fundadores de Sao Paulo e do Rio de Janeiro . Jose de Anchieta era descendente de judeus convertidos por linha materna.

Para fugir das perseguicoes em Portugal e tambem na Espanha, muitos cristaos-novos em principios do seculo XVI vieram para o entao Novo Mundo , terra com um futuro promissor [ 18 ] e, consequentemente, para o Brasil, que apesar de ser colonia do reino que os afugentara, era considerado um local de refugio e recomeco por nao possuir Tribunal da Inquisicao nem uma estrutura eclesiastica firme, o que permitia que vivessem menos apreensivos e, junto com a boa convivencia com os cristaos-velhos daqui, facilitava o criptojudaismo. [ 19 ] Aqueles que nao retomavam as praticas judaicas ao chegar, preferiam manter as aparencias e ocultar totalmente suas origens para que sua familia nao fosse discriminada, crescendo seus filhos e geracoes seguintes na fe catolica e sem ter conhecimento sobre a antiga crenca de seus antepassados. [ 20 ]

Os cristaos novos que se estabeleceram no Brasil voluntariamente provinham de ambientes menos inclinados para a vida intelectual, e eram do ponto de vista religioso os menos ortodoxos. O Brasil nao oferecia entao, ambiente propicio para estudos filosoficos, limitando-se os estudos aos colegios da Companhia de Jesus. [ 18 ]

Pela ja citada convivencia harmoniosa com os cristaos-velhos e tambem oportunidade de enriquecimento rapido com o avanco da producao acucareira no Brasil, muitos dos cristaos-novos que aqui fixaram residencia acabaram por se tornar religiosos, vereadores e ate senhores de engenho, adquirindo posses e vivendo nas mesmas condicoes financeiras que antigas familias cristas-velhas. Em um primeiro plano isto nao era problema, visto que os cristaos, tanto novos quantos velhos, possuiam outros assuntos mais urgentes e relevantes para tratar na colonia, como por exemplo a falta de materiais e ferramentas para trabalho e o risco de doencas tropicais, do que suas diferencas religiosas e financeiras. Todavia, com o tempo a ascensao economica e social dos cristaos-novos passou a incomodar, sendo as visitacoes do Santo Oficio a oportunidade encontrada pelos cristaos-velhos para se livrar de seus "concorrentes". [ 19 ]

A Sinagoga Kahal Zur Israel , no Recife , a primeira da America, fundada durante o periodo de dominacao holandesa

No decorrer dos anos de ocupacao holandesa , aumentou de forma consideravel no Brasil a migracao de cristaos-novos de Portugal e portugueses cristaos-novos da Holanda. [ 21 ] Contudo, apos a expulsao dos holandeses em 1654, as perseguicoes voltaram com mais forca. Cristaos-velhos denunciaram varios cristaos-novos que, com a liberdade obtida anteriormente sob dominio dos holandeses, praticavam de maneira descarada o judaismo, sendo que ate entao ninguem sequer desconfiava que eram judeus. A economia, principalmente acucareira, fonte de renda de grande parte dos cristaos-novos no nordeste e norte do pais, foi seriamente prejudicada. [ 22 ]

Alguns donos de engenho, lavradores e homens de negocio cristaos-novos da Paraiba e Rio de Janeiro foram arruinados pela Inquisicao por meio conforme a leitura de processos identificados na Torre do Tombo, sendo assim o judaismo motivo da prisao da maioria dos reus do Santo Oficio no Brasil nessa epoca. Bethencourt fala em cerca de 50% dos reus inquisitoriais no Brasil serem cristaos-novos de origem portuguesa.

Por volta de 1760, a acao do Santo Oficio diminui consideravelmente no Brasil, se tornando quase que inexistente depois da instituicao das reformas do Marques de Pombal entre 1768 e 1774. [ 23 ] Alguns donos de engenho, lavradores e homens de negocio cristaos-novos da Paraiba e Rio de Janeiro foram arruinados pela Inquisicao por meio do Dr. Lourenco de Mendonca , considerado "o mais implacavel inimigo dos cristaos-novos nos meados do seculo XVII " , conforme a leitura de processos identificados na Torre do Tombo , [ 22 ] sendo assim o judaismo motivo da prisao da maioria dos reus do Santo Oficio no Brasil nessa epoca. Bethencourt fala em cerca de 50% dos reus inquisitoriais no Brasil serem cristaos-novos de origem portuguesa [ 24 ]

Criptojudaismo feminino [ editar | editar codigo-fonte ]

O tribunal do Santo Oficio da Inquisicao, criado primeiramente na Espanha em 1478, iniciou um processo contra os judeus que se estenderia posteriormente ao reino de Portugal e a colonia lusa, hoje conhecida como Brasil. A criacao dos cristaos-novos com as conversoes forcadas dos judeus no final seculo XV e inicio do seculo XVI, iniciaria um processo de resistencia judaica dentro do lar, denominado criptojudaismo, e centralizado na figura feminina. O “judaismo portas a dentro” ou “judaismo e cozinha” seria a forma encontrada para garantir a sobrevivencia de um judaismo outrora permitido, mas que depois seria criminalizado e perseguido. Forcadas a parecer cristas perante a sociedade, as matriarcas das familias judaicas viram o lar como uma possibilidade de passar aos seus descendentes sua antiga fe. Sua resistencia nao passaria em branco para os Inquisidores, que veriam nessas mulheres uma barreira ao monopolio catolico na colonia portuguesa. Acusadas, perseguidas, presas e em alguns casos mortas, essas mulheres representam todo um movimento de preservacao da antiga fe de Israel em um ambiente hostil a elas. [ 25 ] Nos 285 anos em que o tribunal da inquisicao atuou, 298 mulheres foram processadas, representando a parcela de 27,7% do total de pessoas presas pelo Santo Oficio. [ 26 ]

Anteriormente, as funcoes mais importantes da religiao eram atribuidas aos homens. No entanto, apos a entrada da doutrina hebraica na ilegalidade, as mulheres acabaram assumindo este papel, se tornando as principais fontes de resistencia e disseminadoras dos ideais disfarcados, ajudando, assim, na reestruturacao do judaismo na epoca inquisitorial. [ 27 ] Frente ao novo momento da trajetoria do criptojudaismo no territorio da colonia, as novas formas de exclusao social presentes e tendo que driblar a ilegalidade para nao desaparecer, os criptojudeus teriam na figura feminina a forma principal de conservar sua antiga religiao. Diferente das mulheres portuguesas, que eram em sua maioria analfabetas, mais da metade das cristas-novas na colonia eram alfabetizadas e exerciam um papel de destaque na familia, visto que a educacao dos filhos, incluindo a religiosa, estava em suas maos. [ 28 ]

Sendo as mulheres tratadas de maneira inferior e incumbidas dos servicos domesticos, bem como da criacao dos filhos e preparacao de alimentos e celebracoes sagradas enquanto os homens ocupavam cargos, obtinham lugares privilegiados nos cultos e recebiam melhor educacao dentro da religiao tradicional, foram nas maos delas que recaiu a responsabilidade de dar continuidade as suas crencas quando Portugal condenou tais praticas. Desta maneira, por nao mais serem permitidas sinagogas, escolas e celebracoes na lei de Moises, o aprendizado se dava apenas dentro de casa e na maioria das vezes de forma oral, pois era muito arriscado ter as escrituras sagradas. Com os homens trabalhando fora e constantemente ausentes por conta das distancias, as mulheres foram entao encarregadas de prover a familia nao so de alimentos e servicos domesticos como tambem dos ensinamentos religiosos (papel antes reservado aos homens), que eram passados enquanto criavam e educavam seus filhos. [ 29 ] Era na cozinha, local de destaque das casas judaicas, que o judaismo feminino se desenvolveu. Naquele ambiente familiar “as mulheres, a beira do fogo, cozinhavam os alimentos e contavam historias de seu povo e tradicoes para os filhos, ensinando-lhes a lingua dos antepassados, as cancoes e oracoes, o preparo dos alimentos e ensinamentos do livro sagrado”. [ 30 ] Ha entao uma "suavizacao" na rigidez dos antigos costumes para que conseguissem lidar com a nova realidade, encontrando-se agora a mulher em situacao de destaque no judaismo e na resistencia. [ 27 ]

Segundo Anita Novinsky , citada por Assis:

"(...) A casa foi o lugar do culto, a casa tornou-se o proprio Templo. No Brasil colonial, como em Portugal, somente em casa os homens podiam ser judeus. Eram cristaos para o mundo e judeus em casa. Isso teria sido impossivel sem a participacao da mulher. (...) mulheres cristas-novas apresentaram no Brasil uma resistencia passiva e deliberada ao catolicismo. Foram proselitas; recebiam e transmitiam as mensagens orais e influenciavam as geracoes mais novas". [ 29 ]


Um dos exemplos da influencia feminina no criptojudaismo e a Rainha Ester . Apesar de nao ser contemporanea da Inquisicao, era judia e escondia sua origem e crencas de seu marido Assuero , Rei da Persia, vivendo como os criptojudeus. Seu sofrimento era comparado as perseguicoes sofridas pelos cristaos-novos e sua prece, a "Oracao de Ester", acabou se tornando uma especie de hino criptojudaico, ajudando na resistencia dos cristaos-novos ao forcado catolicismo. [ 29 ]

A I visitacao Inquisitorial na colonia lusa no final do seculo XVI deixou alguns registros dessas cristas-novas e de suas heresias. Os casos mais conhecidos sao de Branca Dias em Pernambuco e Ana Rodrigues na Bahia, ambas em fins do seculo XVI durante a I visitacao do Santo Oficio. Essas duas mulheres, mesmo nao estando conectadas pelo espaco geografico, estao conectadas pelo tempo e pelas formas que encontraram para resistir e conservar a tradicao judaica no espaco familiar e colonial. Os casos de rabinato feminino de Branca Dias e Ana Rodrigues, ambas da regiao do nordeste, sao importantes devido ao alto numero de acusacoes contra elas. Ambas mantinham praticas de judaismo em seu cotidiano e podem ser consideradas matriarcas do criptojudaismo brasileiro.

Branca Dias nascera no reino de Portugal durante o seculo XVI. Foi denunciada pela mae e pela irma de praticas criptojudaicas, ambas tambem presas pelo tribunal da inquisicao pelo mesmo motivo. Deixou o reino depois de cumprir sua pena no Tribunal Santo Oficio de Lisboa. Quando livre, veio para Pernambuco encontrar seu marido, Diego Fernandes (comerciante) e transmitiu aos filhos os valores da antiga fe de Israel. Junto com o esposo, abriu um internato para jovens, com boa procura de alunas, onde as preparava para o mercado matrimonial. As ensinava a lavar, costurar, cozinhar, trabalhos do lar e boas maneiras. Branca Dias, uma matriarca, se esforcava para parecer boa crista perante a sociedade casando suas filhas com cristaos-velhos para encobrir a sua verdadeira fe. Nao dispensava, no entanto, as celebracoes da fe judaica que praticava em casa, um exemplo tipico do criptojudaismo colonial. Quando o Inquisidor chegou em Pernambuco, Branca Dias ja estava morta, o que nao impediu que delacoes fossem feitas contra ela pelas suas antigas aprendizes e vizinhos, que lembravam seu estranho comportamento e costumes mal vistos da professora. Uma de suas alunas, Joana Fernandes, afirmou ter visto a professora “nos sabados de todo o dito ano que em uma casa aprendeu nao fiar nunca. E que nos ditos sabados pela manha se vestia com camisa lavada e apertava a cabeca com um toucado lavado”. Tambem relatou que a professora vestia os filhos com as melhores roupas que tinha e jantava mais cedo nos sabados que nos outros dias. Outras alunas relataram o descaso cristao da mestra e sua antiga vizinha Beatriz Luis, em seu depoimento, mostrou a confusao que se fazia entre os simbolos judaicos, alguns delatados eram herdeiros de seu proprio imaginario que tendia a demonizar os judeus. Branca e sua familia foram mais de quatro geracoes de individuos presos e julgados pelo Santo Oficio, incluindo sua Mae, sua irma, suas duas filhas e seu netos. [ 31 ]

Ana Rodrigues , era uma crista-nova vinda do reino com seu marido Heitor Antunes (senhor-de-engenho e “cavaleiro da casa del-rei”, descendente direto dos Macabeus) para morar em Matoim, no reconcavo baiano. Teve sete filhos e, como Branca Dias, casou os filhos com genros de puro sangue. Quando seu marido morreu, o enterrou segundo as tradicoes judaicas. Mesmo frequentando missas e vivendo publicamente como crista, Ana tomou as redeas dos negocios do marido apos seu falecimento, incluindo a sinagoga clandestina que mantinha em um de seus engenhos na Bahia, e fazia em casa festas e ritos judaicos, se recusando a aceitar as praticas catolicas. A Inquisicao acabaria com a tranquilidade da familia. De toda a familia Antunes, Ana Rodrigues foi a mais denunciada e com maior gravidade por criptojudaismo e desrespeito pela. Muitos costumes da matriarca e de sua familia foram denunciados ao visitador Heitor Furtado, como praticas de jejum, bencaos e lutos judaicos, oracoes com guaias, respeito aos dias santos dos hebreus, guardar dias sagrados, nao comer certos tipos de alimentos, transmitir as cerimonias aos descendentes e guardar a alma do marido. A presenca dos filhos, netos e sobrinhos nas acusacoes mostra a complexidade do criptojudaismo na familia, principalmente quando percebe-se como algumas tradicoes foram filtradas e algumas praticas foram abandonadas atraves do proprio processo de aculturacao a qual os cristaos-novos estavam submetidos. Assim como o resto de sua familia, ela depos para Heitor Furtado na tentativa de aliviar as culpas impostas pelo inquisidor. Usou sua dissimulacao, procurou confundir o inquisidor, negava coisas que antes havia afirmado, mudava seu depoimento e alterava sua idade de 80 anos para 86 e para 110. Seu teatro, no entanto, nao convenceu ao inquisidor, foi presa e enviada para Lisboa, onde foi enjaulada e ficou incomunicavel. Morreu no carcere, o que nao a livrou de ser processada, teve sua memoria amaldicoada, seu corpo desenterrado e queimado e recebeu um quadro de ser corpo sendo queimado, que foi colocado na igreja de Matoim como um lembrete as demais criptojudaicas que ousassem ir contra a fe catolica. [ 32 ]

"Martir da religiao proibida, Ana sofreu pressoes, ofensas, intolerancias, calunias, discriminacoes e punicoes por lutar pelo resgate e continuidade da identidade de seu povo. Nao foi vencida, pois ensinava a tradicao mosaica aos filhos e contribuia para manter vivos a memoria e os ideais da religiao oculta que insistia em acreditar". [ 32 ]

Fica configurada, assim, a importancia da mulher na resistencia e no criptojudaismo feminino, tanto em Portugal como no Brasil colonia. O incomodo que essas mulheres pecadoras causava foi suficiente para que elas fossem acusadas e processadas, gerando alguns processos Inquisitoriais devido as suas resistencias. Os casos de Branca Dias e Ana Rodrigues sao bons exemplos de como esse judaismo pode sobreviver atraves da educacao dada aos filhos por essas mulheres e de que sem elas, a transmissao das tradicoes judaicas que manteria viva a antiga religiao de israel nao teria sido possivel.

Notas

  1. Um ducado equivalia a aproximadamente 3,5g.

Referencias

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  3. a b LIPINER, Elias (1977). ≪Verbete "Casamentos mistos " ≫. Santa Inquisicao: terror e linguagem . Rio de Janeiro: Documentario. p. 38  
  4. LIPINER, Elias (1977). ≪Verbete "Limpeza de sangue e geracao " ≫. Santa Inquisicao: terror e linguagem . Rio de Janeiro: Documentario. p. 96  
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  6. LIPINER, Elias (1977). ≪Verbete "Confrarias (os cristaos novos nas) " ≫. Santa Inquisicao: terror e linguagem . Rio de Janeiro: Documentario. p. 46  
  7. LIPINER, Elias (1977). ≪Verbete "Marranos " ≫. Santa Inquisicao: terror e linguagem . Rio de Janeiro: Documentario. p. 99  
  8. LIPINER, Elias (1977). ≪Verbete "Batizado em pe " ≫. Santa Inquisicao: terror e linguagem . Rio de Janeiro: Documentario. p. 32  
  9. LIPINER, Elias (1977). ≪Verbetes "Comer em mesa baixa" e "Varrer a casa as avessas " ≫. Santa Inquisicao: terror e linguagem . Rio de Janeiro: Documentario. p. 41 e 140  
  10. LIPINER, Elias (1977). ≪Verbete "Pertinazes " ≫. Santa Inquisicao: terror e linguagem . Rio de Janeiro: Documentario. p. 112  
  11. LIPINER, Elias (1977). ≪Verbete "Tornadico " ≫. Santa Inquisicao: terror e linguagem . Rio de Janeiro: Documentario. p. 137  
  12. LIPINER, Elias (1977). ≪Verbete "Renegados judeus " ≫. Santa Inquisicao: terror e linguagem . Rio de Janeiro: Documentario. p. 120  
  13. LIPINER, Elias (1977). ≪Verbete "Reconciliados " ≫. Santa Inquisicao: terror e linguagem . Rio de Janeiro: Documentario. p. 117  
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Bibliografia [ editar | editar codigo-fonte ]

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Ligacoes externas [ editar | editar codigo-fonte ]