Catimbo
, nas
linguas tupi-guaranis
, significa respectivamente "fumaca de mato" e "vapor de erva". Atualmente, a expressao "Catimbo" e um dos nomes que identificam um conjunto especifico de atividades cultuais e magico-religiosas, alem de aspectos miticos, cosmologicos e teologicos originarios dos nativos da
Regiao Nordeste
do
Brasil
- elementos que compoem o que alguns pesquisadores consideram ser uma das mais antigas religioes brasileiras: o tambem chamado "Catimbo-Jurema", "Jurema", "
Jurema sagrada
" e "Culto aos Senhores Mestres".
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Alguns dos primeiros cronistas e aventureiros europeus que passaram pelo Brasil, tomaram nota de diversos costumes e praticas indigenas, tanto entre os nativos do litoral (Tupi) quanto entre os do interior (genericamente chamados "Tapuia"). Entre os indigenas do Nordeste, observaram o ja citado uso da fumaca de Tabaco para diversos fins; tomaram nota do "beber jurema" e dos atualmente chamados "transes mediunicos" (em que seres espirituais se manifestavam atraves de pajes), da evocacao de espiritos, etc. Fica claro que houve, anterior ao seculo XVI, entre os nativos do Nordeste brasileiro, um contato intimo, transcendente e trans pessoal, com a Natureza e suas energias - contato que resultou em uma serie de concepcoes, "ciencias", crencas e vivencias que de certa forma foram herdadas pelo Catimbo-Jurema contemporaneo.
Deixemos claro que nao ha um modelo, padrao ou forma exclusiva de se vivenciar o Catimbo. Existem verdadeiras familias, linhagens que preenchem a Tradicao, todas com elementos comuns que as interconectam, mas com caracteristicas proprias que as tornam singulares. As familias mais antigas, logicamente, sao os grupos indigenas que, malgrado o violento processo colonizador que alcancou o Nordeste a partir do seculo XVI, resistiram as catequeses e mantiveram seus "cultos a Jurema", mesmo com influxos europeus e africanos mais ou menos presentes em seus rituais.
Desde o seculo XVI ocorreram fusoes entre rituais e crencas indigenas e
catolicas
. As familias do sertao praticavam seus cultos com a preparacao de mesas com santos,
crucifixos
e velas, possivelmente em baixo de arvores frondosas que pertenciam aos terrenos (terreiros) da
caatinga
, assim como perante grandes rochas outrora consideradas sagradas. Entre os seculos XVI e XVII surgiram as primeiras expressoes do que pode ser considerado um proto-catimbo: as "Santidades" - manifestacoes hibridas catolico-indigenas de espiritualidade. Os catimbos do sertao, por sua vez, sao marcados por forte presenca de elementos catolicos (ao que parece, no territorio do Rio Grande do Norte, devido a inexistencia de um porto para a chegada de escravos africanos durante o periodo colonial e a consequentemente pequena presenca de negros - se comparado ao Recife e a Bahia - os catimbos mais antigos agregaram pajelanca, catolicismo popular, bruxaria e feiticaria iberica, assim como alguns poucos tracos de cabala judaica e Quimbanda).
Em outras regioes do Nordeste, em que a presenca africana durante o periodo colonial foi muito relevante, vemos surgir familias de juremeiros nas quais elementos africanos se destacam em suas praticas, formas de cultuar as entidades, imaginario, cosmologias e teologias. Os conhecimentos indigenas se agregaram, fundiram, a "ciencia" de origem africana, trazida pelos
negros
que foram
escravizados
. Africanos de distintas nacoes se identificaram com o Catimbo por ser essa uma religiao que cultua e dialoga com a Natureza, assim como Orixas e Voduns africanos tambem estao ligados a Natureza.
Por ultimo, e importante destacar que o Catimbo, ao contrario do que muitos acreditam, nao e um adendo ou apendice da Umbanda, do Candomble, do Santo Daime ou de qualquer outra Tradicao espiritualista, magica ou religiosa. Embora possa existir em paralelo e em intima comunhao com outros cultos e religioes, o Catimbo e uma Tradicao independente, que possui dogmas, preceitos, principios e liturgias proprios.
A
Jurema
(
Mimosa hostilis
), nativa do
agreste
e
sertao
nordestinos, e um arbusto
Fabaceo
, do qual se fabrica uma serie de banhos, defumadores e
bebidas que na Tradicao recebem o mesmo nome da planta
. Essas bebidas, geralmente comungadas nos rituais, tambem conhecidas como
Vinho da Jurema
, sao preparadas de maneira reservada pelos juremeiros que as consideram sagradas. A ingestao da Jurema, em conjunto com os
toques
, as cantigas rituais do catimbo, e capaz de provocar um estado de
transe
profundo, interpretado pelos Catimbozeiros como a incorporacao dos
Mestres da Jurema
- quando uma entidade espiritual atua atraves dos veiculos fisicos e emocionais do adepto - assim como a visita aos
Reinos, Cidades e Aldeias dos mundos espirituais da Jurema Sagrada
(quando o adepto, expandindo sua consciencia, alcanca o estado de enteogenia e passa a comungar da Natureza Intima, transcendental, do Misterio da Jurema).
Estas entidades espirituais, que habitariam o
Mundo Encantado
ou
Jurema
, teriam sido adeptos do Catimbo que, ao morrerem, se "encantaram", ou seja, foram transportados a este estamento
espiritual
, de onde poderiam atender aos vivos pela realizacao de curas e aconselhamento, desde que para tal fossem requeridos atraves da incorporacao ou evocacao de suas Forcas.
A origem do termo
catimbo
e controversa, embora a maior parte dos pesquisadores afirme que deriva da
lingua tupi antiga
, onde
caa
significa
floresta
e
timbo
refere-se a uma especie de
torpor
que se assemelha a morte. Desta forma, catimbo seria
a floresta que conduz ao torpor
, numa clara referencia ao estado de transe ocasionado pela ingestao do
vinho da jurema
, em sua diversidade de ervas. Outras teorias, porem, relacionam o vocabulo com a expressao
cat
,
fogo
, e imbo,
arvore
, neste mesmo
idioma
. Assim,
fogo na arvore
ou
arvore que queima
relataria a sensacao de queimor momentaneo que o consumo da Jurema ocasiona. Em diversos estados do
nordeste brasileiro
, onde os rituais de catimbo sao associados unicamente a pratica de
magia negra
, a palavra ganha um significado pejorativo, podendo englobar qualquer atividade magica realizada no intuito de prejudicar outrem. Na verdade o culto a
Jurema sagrada
tem como principio basico a Ajuda a todos que pedem e merecem tal ajuda, Aconselhamento e Cura.
O termo
catimbozeiro
e usado para designar os adeptos do catimbo, embora, ofensivamente, tambem possa referir-se a qualquer praticante de
magia negra
,
Candomble
ou
Quimbanda
. O vocabulo
Juremeiro
, tambem pode, embora erroneamente, referir-se aos praticantes de catimbo; entretanto, em linhas gerais, o tratamento e destinado ao individuo que, alem do culto a
Jurema
, e devoto dos
orixas
do panteao africano, integrando, assim, a nacao
Xamba
ou
Xango
. Ademais, diversos credos distintos fazem uso dos efeitos enteogenos da Jurema, embora nenhum deles possa, de fato, ser considerados Catimbo.
O culto a arvore da Jurema remonta a tempos imemoriais, anteriores, inclusive a colonizacao portuguesa na America. A altura, diversas
tribos
indigenas da atual
Regiao Nordeste do Brasil
, reverenciavam a Jurema por suas propriedades psicoativas, inserido-a em diversos ritos de comunicacao com as divindades de seu
panteao
atraves do
transe
, alguns dos quais ainda preservados pelas comunidades da regiao. O
Tore
, uma forma especifica de culto a Jurema, e, por vezes a unica forma de identificacao cultural remanescente entre os amerindios do Nordeste.
Esta variedade de cultos, entretanto, foi severamente reduzida por ocasiao do contato
europeu
, de forma que a tradicao da
Jurema sagrada
teve de ser adaptada aos preceitos catolicos, devido a forte repressao colona aos cultos considerados
pagaos
. Assim, o vasto panteao aborigene foi gradualmente suprimido, sendo adotado, nos rituais da populacao
cabocla
, as mesmas
deidades
do catolicismo tradicional. O culto aos antepassados, porem, por sua grande influencia, foi mantido e, ademais, adaptado a realidade dos
Mestres da Jurema
.
O Catimbo, assim como a maior parte das
religioes xamanicas
, e considerado um culto de
transe
, no qual as entidades, conhecidas como Mestres, se utilizariam o corpo do Catimbozeiro e, momentaneamente, tomariam todos os dominios basicos do organismo. Semelhante ao que ocorre na
Umbanda
, onde os espiritos se organizam em direita e esquerda conforme a natureza positiva ou negativa que possuam, mas trabalhando de acordo com a vontade do medium, os Mestres sao relativamente neutros, podendo operar tanto boas quanto mas acoes. Tais Mestres seriam figuras ilustres do Catimbo, que, quando
vivos
, teriam realizado diversos atos de caridade por intermedio do uso de ervas e propriedades xamanicas, de modo que por ventura de sua
morte
, teriam sido transportados a uma das Cidades misticas do Jurema, localizada nas imediacoes de um arbusto de Jurema plantado pelo Mestre anteriormente a seu falecimento.
Subordinados aos mestres, encontram-se as entidades conhecidas como
Caboclos da Jurema
. Esta forma de espirito ancestral, representa os
pajes
e
guerreiros
indigenas
falecidos, envidados ao
Mundo Encantado
de forma a auxiliarem os Mestres na realizacao de boas obras. Os Caboclos sao sempre invocados no inicio do culto, antes mesmo da incorporacao seus superiores. Estes seres
espirituais
, seriam os responsaveis pela prescricao de ervas medicinais, banhos e rezas que afastariam o mau-olhado e o
infortunio
.
O universo espiritual do catimbo nao segue o mesmo padrao estamental do catolicismo (de onde se origina as crencas de
ceu
,
inferno
e
purgatorio
) . O Jurema, e a cidade onde habitariam os Mestres da Jurema e seus subordinados. Segundo a crenca, o Jurema seria composto de uma profusao de
aldeias
,
cidades
e
estados
, os quais trariam um organizacao
hierarquica
, envolvendo todas as entidades Catimbozeiras, tais como caboclos da jurema e
encantados
, sob o comando de um ou ate tres Mestres.
“
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Cada aldeia tem 3 Mestres. Doze aldeias fazem um estado com 36 Mestres. No Estado ha cidades, serras, florestas, rios. Quantos sao os estados? 7 segundo uns: Vajuca, Tigre, Cadinde, Uruba, Juremal, Fundo do Mar e Josafa. Ou cinco ensinam outros: Vajuca, Juremal, Tanema, Uruba e Josafa.
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”
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Referencias
- Cachimbo e maraca: o catimbo da missao (1938), Acervo Historico Discoteca Oneyda Alvarenga, Centro Cultural Sao Paulo, 1993
- Catimbo de Ze Pilintra: Misterio, magia, feitico, Editora Espiritualista, 1974
- Catimbo'
- Volume 3 de Registros sonoros de folclore musical brasileiro. Discoteca Publica Municipal Autores Sao Paulo, Brasil. Discoteca Publica Municipal, autor
Oneyda Alvarenga
, editado pela Prefeitura do Municipio de Sao Paulo, Discoteca Publica Municipal, ano 1949. Original da Universidade da California, digitalizado em 2-03-2009.
- Herbario etnobotanico, banco de dados: As plantas do catimbo em Meleagro de Luis da Camara Cascudo,
Maria Thereza L. de Arruda Camargo
, FFLCH/USP-CER, 1999