Para Artaud, o
teatro
e o lugar privilegiado de uma germinacao de formas que refazem o ato criador, formas capazes de dirigir ou derivar forcas. Nascido numa familia de descendencia grega
[
2
]
evidenciou na sua escrita e criacao a influencia da sua educacao, baseando-se em mitos da antiguidade classica atualizados e capazes de retratar a realidade do seu tempo.
Antonin Artaud fez diagnosticos das
artes
e da propria civilizacao ocidental em escritos, em tom de manifesto, que visavam indicar uma determinada funcao e um determinado sentido para o
teatro
. No caso desses textos, a necessidade de refundacao e de reinvencao do
teatro
e mais evidente ainda, uma vez que ela estaria articulada a propria reinvencao da
cultura
e do homem. Logo nas primeiras paginas de
O teatro e seu duplo
, e denunciada a “impotencia para possuir a vida” pelo homem ocidental que impregna a
cultura
. Artaud combate a ideia de que a civilizacao se organiza como se “de um lado estivesse a
cultura
e do outro a vida”, para sustentar que a primeira seria incapaz de mobilizar as forcas inerentes a vida, “forcas que dormem em todas as formas”. A obra de Artaud teve ampla recepcao, como se sabe, inclusive fora do ambito do
teatro
. Foi a partir dela que geracoes de encenadores praticaram um teatro ritualizado, tendo como horizonte este encontro organico, vivo, arrebatador e visceral entre atores e espectadores, que rompeu com a ideia de que o fenomeno teatral consiste em um texto encenado. Dentre os que partilham dessa concepcao esta
Jerzy Grotowski
.
[
3
]
Em
1935
Artaud conclui o "Teatro e seu Duplo" (
Le Theatre et son Double
), um dos livros mais influentes do teatro desse seculo. Nessa obra ele expoe o grito, a respiracao e o corpo do homem como lugar primordial do ato teatral; denuncia o teatro digestivo e rejeita a supremacia da
palavra
. Esse era o
Teatro da Crueldade
de Artaud, onde nao haveria nenhuma distancia entre ator e plateia, todos seriam atores e todos fariam parte do processo, ao mesmo tempo.
Em Rodez, alem de suas cartas (
lettres au docteur Ferdiere
), ele elabora uma pratica vocal, apurada dia a dia, associada a manifestacoes
magicas
. A
voz
bate, cava, espeta, treme, e a palavra toma uma dimensao material, ela e gesto e ato.
Artaud volta a
Paris
em
1946
, onde dois anos depois e encontrado morto em seu quarto no hospicio do bairro de Ivry-sur-Seine. Neste periodo, alem de uma importante producao literaria ele desenha, prepara conferencias e realiza a emissao radiofonica "Para acabar com o juizo de
Deus
" (
Pour en finir avec le jugement de dieu
), em que sua vontade expressiva se alia a um formalismo cuidadoso.
Se nos anos 30 o teatro para Artaud e “o lugar onde se refaz a
vida
”, depois de Rodez ele e essencialmente o lugar onde se refaz o corpo. O “corpo sem
orgaos
” e o nome deste corpo refeito e reorganizado que uma vez libertado de seus automatismos se abre para “
dancar
pelo inverso”.
- “A questao que se coloca e a de permitir que o teatro reencontre sua verdadeira
linguagem
, linguagem espacial, linguagem de gestos, de atitudes, de expressoes e de mimica, linguagem de gritos e
onomatopeias
, linguagem sonora, em que todos os elementos objetivos se transformam em sinais, sejam visuais, sejam sonoros, mas que terao tanta importancia intelectual e de significados sensiveis quanto a linguagem de palavras.
”
O seu trabalho ainda inclui ensaios e roteiros de
cinema
,
pintura
e
literatura
, diversas pecas de teatro, inclusive uma
opera
, notas e manifestos polemicos sobre teatro, ensaios sobre o ritual do
cacto
mexicano
peyote
entre os
indios
Tarahumara
(
Les Tarahumaras
), aparicoes como
ator
em dois grandes
filmes
e outros menores.
Artaud escreveu: "Nao se trata de assassinar o publico com preocupacoes cosmicas transcendentes. O fato de existirem chaves profundas do pensamento e da acao, segundo as quais todo espetaculo e lido, e coisa que nao diz respeito ao espectador em geral, que nao se interessa por isso. Mas, de todo o modo, e preciso que essas chaves estejam ai, e isso nos diz respeito" (Teatro e seu duplo, 1935).
Considerava-se um poeta, mas nao no sentido usual, pois ele acreditava que alguem se definia como poeta ou nao na propria vida, nao precisando escrever um poema sequer. Apesar de haver escrito poemas no inicio da carreira, segundo ele, poemas simbolistas, queimou-os todos, e assim nao temos ideia de como seriam tais poemas. No entanto, textos posteriores como "Para acabar com o julgamento de Deus" (1948), metaforicos e repletos de experimentacao linguistica, podem muito bem se enquadrar na categoria de
poesia
em prosa.
Encontra-se colaboracao literaria da sua autoria na revista portuguesa
revista Piramide
[
4
]
(1959-1960).
- Correspondencia com Jacques Riviere.
Belo Horizonte
: Moinhos, 2020
- Para Acabar com o Juizo de Deus e outros escritos.
Belo Horizonte: Moinhos, 2020
- Textos Surrealistas.
Belo Horizonte: Moinhos, 2020
- Os Tarahumaras
. Belo Horizonte: Moinhos, 2020
- A perda de si: Cartas de Antonin Artaud
(org. Ana Kiffer). RJ: Rocco, 2017
- Linguagem e Vida
. SP: Perspectiva, 2011
- Eu, Antonin Artaud
. Porto: Assirio Alvim, 2007
- O Teatro e seu Duplo
. SP: Martins Editora, 2006
- Van Gogh, o suicidado da sociedade.
Porto: Assirio Alvim, 2004
- Os Tarahumaras
. Lisboa: Relogio D’Agua, 2000
- Heliogabalo ou o Anarquista Coroado.
Porto: Assirio Alvim, 1991
- Escritos de Antonin Artaud
(org. Claudio Willer). Porto Alegre: L&PM, 1986?
- Aqui Jaz
. Traducao de Wilson Coelho. Vitoria: Cousa, 2018.
- Carta a Vidente (A carta do vidente e videncias das cartas de amor - carta reenvio de Sergio Lima - Traducao de Bruno Costa, Ilustracoes de Antonio Goncalves). Sao Paulo: Edicoes 100/cabecas. 2020. ISBN: 9786587451008
- Van Gogh: mutilado e suicidado
(Ensaio de Antonin Artaud intitulado
Van Gogh, o suicidado pela sociedade
).
Na mesma obra possui o ensaio A mutilacao sacrificial e a orelha cortada de Van Gogh de Georges Bataille.
Traducao e apresentacao de Diogo Cardoso. Sao Paulo: Edicoes 100/cabecas. 2023. ISBN: 978-65-87451-12-1
- Frances
- ≪?
Tric Trac du Ciel
?≫, Paris, Simon, s.d., 1923
- ≪?
L'Ombilic des limbes
?≫,
Gallimard
, NRF, Paris, 1925
- ≪?
Le Pese-nerfs
?≫, Leibovitz, Paris, 1925
- ≪?
L'Art et la mort
?≫, Denoel, Paris, 1929
- ≪?
Le Moine, de Lewis
?≫, Paris, 1931
- ≪?
Heliogabale ou l'anarchiste couronne
?≫, Denoel & Steele, Paris, 1934
- ≪?
Les Nouvelles revelations de l'etre
?≫, Denoel, Paris, 1937
- ≪?
Le Theatre et son double
?≫, Gallimard, Paris, 1938
- ≪?
D'un voyage au pays des Tarahumaras
?≫, Edicao da revista
Fontaine
, Paris, 1945
- ≪?
Van Gogh le suicide de la societe
?≫, K, Paris, 1947
- ≪?
Artaud le Momo
?≫, Bordas, Paris, 1947
- ≪?
Ci-Git precede de La culture indienne
?≫, K, Paris, 1947
- ≪?
Pour en finir avec le jugement de Dieu
?≫, K, Paris, 1948
- ≪?
Les Cenci
?≫, in ≪?
Œuvres completes
?≫, Gallimard, La Pleiade, 1964
- Van Gogh, le suicide de la societe
, programa de radio, INA, Andre Dimanche Editeur, 1995.
- ≪?
50 dessins pour assassiner la magie
?≫, Gallimard, Paris, 2004
- ≪?
Artaud Œuvres
?≫, colecao "Quarto", Gallimard, Paris, 2004
- ≪?
Cahier d'Ivry, janeiro 1948
?≫, fac-simile, Gallimard, Paris, 2006
As obras completas de Artaud, em frances, tem 28 tomos, editados pela Gallimard.