16 de dezembro de 1918 - 5 de outubro de 1919
No dia 15 de Dezembro de 1918 Canto e Castro assumiu a presidencia do XVIII Governo da Republica, lugar que acumulou com a pasta da Marinha. Num primeiro momento procurou formar um governo de conservadores, nao sidonistas, com o apoio do Partido Unionista. Goradas as expectativas, a tarefa de constituir um ministerio foi entregue a Tamagnini Barbosa, ministro dos governos de Sidonio Pais. O novo executivo tomou posse em 23 de Dezembro de 1918. Fruto de compromissos a esquerda e a direita e com uma fraca representacao militar, gerou desde logo descontentamento.
Os primeiros sinais de inconformismo face ao governo vieram dos comandos militares de Lisboa e do Norte.
A 23 de Dezembro de 1918 ocorreu a primeira tentativa de pronunciamento militar em Lisboa, protagonizada por Joao de Almeida, um militar monarquico comandante de Lanceiros 2. A intervencao do governo e do chefe do Estado conseguiu acalmar os animos e convencer os revoltosos a regressar aos quarteis.
A 3 de Janeiro de 1919 a Junta Militar do Norte deu tambem mostras de desagrado, proclamando-se representante e continuadora do projeto politico sidonista.
Ja antes da morte de Sidonio Pais, o governo havia perdido o controlo da situacao em diversas partes do pais. As Juntas Militares tinham sido criadas no Norte e no Sul com o pretexto de defender Portugal da "subversao" e de apoiar o Presidente contra os seus inimigos; na realidade tinham como proposito a proclamacao da Monarquia. Com a morte de Sidonio, as Juntas ganharam protagonismo e aumentaram o seu poder, sobretudo no Norte. A pressao da Junta do Norte acabaria por conduzir, em 7 de Janeiro de 1919, a uma remodelacao do executivo, traduzida no afastamento dos ministros da Justica, da Guerra e do Trabalho.
Paralelamente em diversos pontos do pais - Lisboa, Santarem e Covilha - a oposicao republicana fomentou pronunciamentos militares mais ou menos apoiados por civis, visando o regresso a "normalidade constitucional republicana". Nestas revoltas estiveram envolvidos dirigentes do Partido Democratico, do Partido Evolucionista, do Partido Socialista e ate sidonistas criticos, como Cunha Leal e Machado Santos. Foram derrotados por "forcas leais ao Governo". Lisboa e Covilha renderam-se quase imediatamente e Santarem a 15 de Janeiro.
No dia 19 de Janeiro de 1919 Paiva Couceiro liderou o golpe militar que, no Porto, proclamou a Monarquia e criou a Junta Governativa do Reino, onde figuraram alguns dos nomes mais destacados do movimento realista.
O lider monarquico foi investido regente, a bandeira verde-rubra substituida pela azul-e-branca e a Guarda Nacional Republicana pela Guarda Real. A adesao a esta iniciativa ocorreu noutros locais, embora restrita ao Norte do Vouga e Viseu. Chaves e Aveiro mantiveram-se leais a Republica.
O governo reagiu de imediato. Desautorizou a Junta Militar do Norte, assegurou a lealdade das forcas militares sedeadas em Lisboa, decretou a suspensao das garantias e apelou a colaboracao popular na defesa do regime republicano.
A situacao complicou-se quando a 23 de Janeiro de 1919 eclodiu o pronunciamento militar monarquico de Monsanto, chefiado por Aires de Ornelas e comandado por Alvaro Mendonca. As iniciativas militares e civis pro-monarquicas ou pro-republicanas sucederam-se um pouco por todo o territorio continental.
No dia 24, ao fim da tarde, a revolta monarquica foi subjugada na capital, apos o assalto levado a cabo por militares e civis comandados pelo coronel Vieira da Rocha. Ainda nessa tarde Canto e Castro passeou pela baixa lisboeta em carro descoberto, sendo aplaudido pelos populares.
A vitoria sobre o levantamento provocou a demissao do executivo chefiado por Tamagnini Barbosa (26 de Janeiro). Canto e Castro chamou Jose Relvas para formar um novo ministerio, tentando evitar a transferencia do poder para as maos dos democraticos.
Procurando serenar a situacao interna e externa e criar as condicoes necessarias para uma representacao condigna nas negociacoes internacionais que se seguiram ao armisticio, no novo elenco governamental figuraram todos os partidos politicos (Democratico, Unionista, Evolucionista, Nacional Republicano e Socialista), para alem de sidonistas independentes. Este "governo de concentracao" manteve-se em funcoes ate 30 de Marco de 1919.
Os confrontos entre militares e civis apoiantes dos regimes monarquico e republicano continuaram a verificar-se, e a Monarquia do Norte perdurou. No fim de Janeiro o cerco foi-se fechando.
Sucessivamente as forcas republicanas foram tomando os locais onde os monarquicos se haviam instalado: Lamego, Estarreja, Oliveira de Azemeis, Ovar, Agueda e Viana do Castelo. Finalmente a 13 de Fevereiro os revoltosos renderam-se no Porto, logo apos o contra-golpe da GNR chefiado pelo capitao Sarmento Pimentel, e de civis liderados por Jose Domingues dos Santos. Em Vila Real os monarquicos resistiram ate dia 17 e so no dia 22 foram efetivamente derrotados os ultimos focos de rebeliao.
A vitoria republicana reintroduziu a normalidade constitucional de 1911, interrompida pelo consulado sidonista. Julgaram-se os implicados nas tentativas de restauracao monarquica, retomaram-se as liberdades e outras disposicoes constitucionais que tinham sido suspensas com a tomada de poder por Sidonio Pais.
Os movimentos sociais de combate ao desemprego, a especulacao e a diminuicao do poder de compra dos trabalhadores assalariados ganharam novamente relevancia social e politica.
Em Lisboa a grande agitacao das classes laborais motivou varias manifestacoes. No comicio realizado no Coliseu dos Recreios a 21 de Fevereiro, exigiu-se a dissolucao do Parlamento e a realizacao de novas eleicoes. Verificaram-se confrontos com a policia nas ruas da Baixa de Lisboa e o governo foi obrigado a refugiar-se no Quartel do Carmo. Em Marco seguinte o Parlamento foi dissolvido.
A normalidade constitucional foi reposta e novas eleicoes foram convocadas para o dia 13 de Abril seguinte.
O executivo nao sobreviveu muito tempo. Os dois sidonistas que o compunham abandonaram-no a 28 de Fevereiro: Egas Moniz, titular dos Negocios Estrangeiros, saiu a 13 de Marco; Carlos da Maia fe-lo a 20. A demissao colectiva do governo foi apresentada no dia 27, mantendo-se em funcoes ate 30 de Marco.
A queda do governo significou o fracasso do projecto politico preconizado por Jose Relvas: a formacao de bloco conservador que fizesse o equilibrio de forcas necessario com os democraticos. O movimento operario colocou-se momentaneamente ao lado dos democraticos e a figura de Cunha Leal emergiu da crise, disputando, com Relvas, a lideranca dos conservadores.
A chefia do novo executivo foi entregue aos democraticos: o bacharel em teologia Domingos Leite Pereira foi o presidente seguinte do ministerio. Na formacao excluiram-se sidonistas, mas foram integrados unionistas, evolucionistas e socialistas. Manteve-se em exercicio ate 29 de Junho de 1919.
O esforco de apaziguamento da sociedade foi notorio. Ainda antes da mudanca de executivo, em Marco, Canto e Castro havia promulgado o decreto que autorizou Bernardino Machado a regressar do exilio. Nesse mes ainda, o governo substituiu a delegacao portuguesa a Conferencia de Paz que decorria em Paris. Egas Moniz deu lugar a Afonso Costa, que veio a assinar, por Portugal, o Tratado de Versalhes, em 28 de Junho de 1919.
Durante os meses de Abril e Maio, com o decreto n.º 5367, o governo extinguiu a Policia Preventiva, estruturada durante o periodo sidonista. Criou a Policia de Seguranca do Estado, com funcoes de "vigilancia politica e social".
As eleicoes legislativas realizaram-se a 11 de Maio de 1919. O Partido Democratico saiu vitorioso, elegendo 86 dos 163 deputados e 36 dos 71 senadores. O Parlamento eleito ficou ainda constituido por 38 deputados evolucionistas, 17 unionistas, 13 independentes, 8 socialistas e 1 catolico, e por 27 senadores evolucionistas e unionistas, 6 independentes, 1 catolico e 1 centrista.
Alegando a eleicao do novo Parlamento e o agravamento do seu estado de saude, o chefe do Estado pretendeu resignar. O documento de renuncia foi apresentado na sessao do Congresso de 3 de Junho. Foram unanimes os pedidos para que reconsiderasse. Tomaram a palavra Antonio Jose de Almeida, Antonio Maria da Silva, Costa Junior, Jacinto Nunes, Dias de Andrade e o proprio presidente do Ministerio, Domingos Pereira. Canto e Castro desistiu do seu proposito.
A chamada ao governo do Partido Democratico, nos finais do mes de junho, ocorreu numa fase de grande movimentacao operaria e agitacao social. Registaram-se - sobretudo na regiao de Lisboa - diversas greves em defesa do aumento dos salarios, da diminuicao dos horarios de trabalho, do combate a especulacao e ao acambarcamento.
O governo presidido por Domingos Pereira, demissionario desde 12 de Junho, cessou suas funcoes no dia 29. Tomou posse um executivo chefiado pelo militar Alfredo Ernesto de Sa Cardoso. Todos os ministros foram recrutados nas fileiras do Partido Democratico, mas a excepcao de Alvaro de Castro, nenhum tinha experiencia governamental. Manteve-se em funcoes ate 21 de Janeiro de 1920.
A atuacao do executivo procurou dissuadir a reconstituicao do bloco conservador: evitou reeditar conflitos com a Igreja, atuou com prudencia na questao dos saneamentos da administracao, contemporizou com a eleicao de Antonio Jose de Almeida para a Presidencia da Republica (6 de Agosto de 1919) e com a revisao constitucional que atribuiu ao Presidente da Republica o poder de dissolver o parlamento.
Muitos outros factos relevantes ocorreram durante o mandato presidencial de Joao do Canto e Castro: a criacao do Partido Republicano Liberal, resultado da unificacao dos Partidos Evolucionista e Unionista, cujo programa ? concebido por Ferreira de Mira - acentuou o caracter conservador dos programas daqueles dois partidos; a publicacao do primeiro numero do jornal A Batalha, propriedade da Uniao Operaria Nacional (UON), predominantemente anarco-sindicalista e assumindo-se desde o inicio como "porta-voz da organizacao operaria portuguesa"; a publicacao diaria do - ate a data - semanario O Combate, orgao do Partido Socialista Portugues, confirmando assim a relativa capacidade de implantacao daquela forca politica de matriz pequeno-burguesa e operaria; a assinatura do Tratado de Paz com a Austria; a transformacao da UON na Confederacao Geral dos Trabalhadores (CGT), que continuou a ser maioritariamente influenciada pela corrente anarco-sindicalista.
A 5 de Outubro de 1919 Joao do Canto e Castro passou o testemunho a Antonio Jose de Almeida.
Visitas de Estado
Durante a presidencia de Joao do Canto e Castro, Epitacio Pessoa, Presidente do Brasil, visita Portugal em 1919.