한국   대만   중국   일본 
No Lumiar - Wikisource Saltar para o conteudo

No Lumiar

Wikisource, a biblioteca livre

Era um dia de Abril; a primavera
Mostrava apenas seu virgineo seio
Entre a folhagem tenra; nao vencera,
De todo, o sol o misterioso inleio
Da nevoa rara e fina que extendera
A manhan sobre as flores; o gorgeio
Das aves inda timido e infantil ...
    Era um dia de Abril.
E nos iamos lentos passeando
De vergel em vergel, no descuidado
Socego d'alma que se esta lembrando
    Das lutas do passado,
Das vagas incertezas do porvir.
E eu nao cansava de admirar, de ouvir,
Porque era grande, um grande homem deveras
Aquelle duque - alli maior ainda,
Alli no seu Lumiar, entre as sinceras
Bellezas desse parque, entre essas flores,
A qual mais bella e de mais longa vinda
    Esmaltar de mil cores
Bosque, Jardim, e as relvas tan mimosas,
Tan suaves ao po - muito ja cancado
De pisar alcatifas ambiciosas,
De tropecar no perigoso estrado
    Das vaidades da Terra.
E o velho duque, o velho homem d'Estado,
    Ao fallar dessa guerra
Distante - e das paixoes da humanidade,
    Sorria malicioso
Daquelle sorrir fino sem maldade,
Que tan seu era, que, entre desdenhoso
E benevolo, a quanto lhe sahia
Dos labios dava um cunho de nobreza,
    De razao superior.
E entao como elle a amava e lhe queria
A esta pobre terra portuguesa!
Velha tinha a razao, velha a experiencia,
    Jovem so esse amor.
Tam jovem, que inda cria, inda esperava,
Inda tinha a fe viva da inocencia! ...
    Eu, na forca da vida,
Tristemente de mim me invergonhava.
- Passeavamos assim, e em reflectida
Meditacao tranquila descuidados
Iamos sos, ja sem falLar, descendo
Por entre os velhos olmos tam copados,
Quando sentimos para nos crescendo
Rumor de vozes finas que zumbia
Como enxame de abelhas entre as flores,
E vimos, qual Diana entre os menores
Astros do ceu, a forma que se erguia,
Sobre todas gentil, d'essa extrangeira
Que se esperava alli, Perfeita, inteira
No velho amavel renasceu a vida
E a graca facil. Cuidei ver o antigo
O nobre Portugal que ressurgia
    No venerando amigo;
E na famosa dama que sorria,
    O genio da subida,
Rara e fina elegancia que a nobreza,
O gosto, o amor do Bello, o instinto da Arte
Reune e faz irmaos em toda a parte;
    Que affere a grandeza
Pela medida so dos pensamentos,
Do stylo de viver, dos sentimentos,
Tudo o mais como futil desprezando.
Pensei que a saudar o velho illustre
    Em seus ultimos dias
E a despedir-se, ate Deus sabe quando,
De nossas praias tristes e sombrias,
Vinha esse genio... Tristes e sombrias,
Que o sol lhe foge, lhe escorece o lustre,
E onde tudo que e alto vai baixando ...
O triste, o que nao tem sol que o aqueca
Sou eu talvez - que, a mingua de fe, sinto
O cerebro gelar-me na cabeca
Porque no coracao o fogo e extinto.
    Ele nao era assim,
Ou, sabia fingir melhor do que eu!

Como o nobre corcel que envelheceu
Nas guerras, ao sentir o aureo telim
E as armas sobre o dorso descarnado,
Remoca o garbo, em juvenil meneio
    Franja de espuma o freio,
E honra os brazoes da casa em que foi nado.

Nunca me hade esquecer aquele dia!
Nem os olhos, as fallas, e a sincera
Admiracao da bella dama inglesa
    Por tudo quanto via;
O fruto, a flor, o aroma, o sol que os gera,
E esta vivaz, vehemente natureza,
    Toda de fogo e luz,
Que ama incessante, que de amar nao canca,
    E continua produz
Nos frutos o prazer, na flor a esperanca.

Alli as nacoes todas se juntaram,
Alli as varias linguas se falaram;
    A Europa convidada
Veio ao festim - nao ao festim, ao preito.
Vassalagem rendida foi prestada
    Ao Tallento, a belleza,
A quanto n'alma infunde amor, respeito,
Porque e deveras grande; - que a grandeza
    Os homens nao a dao;
    Poe-na por sua mao
    N'aquelles que sao seus,
    Nos que escolhem - so Deus.
Oh! minha pobre terra, que saudades
D'aquelle dia! Como se me aperta
O coracao no peito co'as vaidades,
Co'as miserias que ahi vejo andar alerta,
A solta apregoando-se! Na intriga,
Na traicao, na calunia e forte a liga,
E fraca em tudo o mais...
    Tu, socegado
Descansa no sepulcro; e cerra, cerra
Bem os olhos, amigo venerado,
Nao vejas o que vai por nossa Terra.
Eu fecho os meus, para trazer mais viva
    Na memoria a tua imagem
E a d'essa bella Inglesa que se esquiva
    De nos entre a folhagem
Dos bosques de Parthenope. Cancado,
    Fito nesta miragem
Os olhos d'alma, em quanto que arrastado,
    Vai o tardio pe
    Por este que inda e,
Que cedo nao sera, bem cedo - em mal!
    O velho Portugal.