한국   대만   중국   일본 
A Divina Comedia (Xavier Pinheiro)/grafia atualizada/Inferno/XV - Wikisource Saltar para o conteudo

A Divina Comedia (Xavier Pinheiro)/grafia atualizada/Inferno/XV

Wikisource, a biblioteca livre

Prosseguindo os Poetas, encontram um grupo de violentos contra a natureza. Entre estes esta Brunetto Latini, que reconhece o discipulo e lhe pede para aproximar-se dele, a fim de conversarem. Falam de Florenca e das desventuras reservadas a Dante. Brunetto da ao Poeta ligeiras noticias a respeito das almas que estao danadas com ele e foge para reunir-se a elas.

POR uma dessas margens empedradas
Imos: vapor do rio resguardava
Das chamas o alveo e as bordas elevadas.

Como do mar temendo a forca brava
De Bruge a Cadsand, Flamengos fazem
Os diques, com que o mal se desagrava;

Ou como o dano atalha, que lhe trazem
Do Brenta as invasoes de Padua a gente,
Se em Quiarentana os gelos se desfazem,

Assim as bordas desse rio horrente,
Posto altura e grossura lhes nao desse
Iguais, quem quer que fosse artista ingente.

A selva ja distante de nos era
Tanto, que eu divisa-la nao podia,
Quando os olhos por ve-la atras volvera,

Eis encontramos multidao sombria,
Que a margem costeava, nos olhando,
Como soi caminhante, ao fim do dia,

Que vai, por lua nova, outro encarando:
Para nos ver os cilios contraindo,
Qual a agulha o artesano aparelhando.

Assim, de mira a turba nos servindo,
Conhecido fui de um que me travava
Da roupa — “O maravilha!” — repetindo.

Quando o seu braco para mim se alcava,
Atentei-lhe no rosto requeimado;
Posto que demudado, nao vedava

Que de mim fosse nas feicoes lembrado.
A sua face inclinando a mao, lhe digo,
— “Messer Brunetto [1] ! vos aqui!” — torvado.

“Filho meu! complacente se comigo!
Vir Brunetto Latini ora consente,
Deixando a turba, um pouco assim contigo!” —

Tornei: — “muito vos rogo; e que me assente
Convosco se quereis, prazendo ao guia
Dos passos meus, assentirei contente”. —

— “Se um momento um de nos” — me respondia —
Aqui parasse, imovel anos cento,
Pelo fogo ferido jazeria.

“Caminha: que eu te irei no seguimento.
Depois hei de juntar-me a companhia
Dos que pranteiam no eternal tormento”. —

Eu da estrada a descer nao me atrevia
Por ir com ele; mas a fronte inclino
Reverente; e, falando prosseguia.

— “Que fortuna” — me disse — “ou que destino
Antes da morte aqui te ha conduzido?
De quem recebes na jornada ensino?”

— “Antes de haver da idade o tempo enchido
Sobre a terra na vida sossegada;
Num vale” — respondi — “fiquei perdido.

“Ontem costas lhe dei por madrugada;
Ele acudiu-me, quando atras voltava,
E me conduz assim por esta estrada”. —

— “Se bem vaticinei, quando gozava,
Da vida bela, glorioso porto
Te ha de o teu astro conduzir” — tornava.

“Se antes do tempo eu nao stivesse morto.
Vendo que tanto o ceu te era benigno,
Te dera nos trabalhos o conforto.

“Mas esse ingrato povo e tao maligno,
Que outrora de Fiesole [2] viera
E tem de penha o coracao ferino,

“Em ti, por seres bom, mal considera.
E justo: que entre acerbos sovereiros
Crescer doce figueira nao se espera.

“Velha fama os diz cegos, sempre useiros
Na soberba, na inveja, na avareza.
Deles te esquiva; em vicios sao vezeiros.

“Te guarda a sorte de honras tal grandeza,
Que has de ser dos partidos cobicado;
Mas das garras lhes fica longe a presa.

“Ceve em si propria o fiesolano gado
Os instintos brutais; nao toque a planta,
Que inda haja em tal nateiro germinado,

“E em que a semente ressuscite santa
Dos romanos, que ali restaram, quando
Teceu-se o ninho de malicia tanta”. —

— “Se o ceu” — tornei — “meus votos escutando,
Deferisse, da vida o lume agora
Ainda aos olhos vos raiara brando;

“Que a doce imagem vossa inda memora
Saudosa a mente e o paternal desvelo
Com que me heis ensinado de hora em hora

“Como homem faz-se eternamente belo.
Enquanto eu vivo for, agradecido
Ao mundo bem patente hei de faze-lo.

“O vaticinio vosso, reunido
A outro, ha de explicar-me sabia Dama,
Quando a sua presenca houver subido.

“E como a consciencia me nao clama,
Sabei que, quando a sorte avessa esteja,
A todo o mal sou prestes, que ela trama.

“O que ouvi nao cuideis novo me seja:
Volva-se a roda como a sorte a lanca,
Lavre a terra o vilao como deseja”. —

Entao meu douto Mestre, que se avanca,
Girando a destra e me encarando, disse:
“Bem compreende quem tem boa lembranca!” —

Nao me vedou, porem, que eu prosseguisse
Na pratica; e a Brunetto os mais famosos
Pedi que dos seus socios referisse.

— “Alguns convem saber, mais numerosos
Em silencio deixar louvavel sendo:
Mingua o tempo aos discursos copiosos.

“Sabe, em suma, que clerigos havendo
Todos sido e letrados mui famosos.
Se mancharam num so pecado horrendo.

“Vao na turba daqueles desditosos
Acurio e Prisciano [3] ; alguns protervos
Se ver quiseres, por tal lepra ascosos.

“Olha o que [4] , como quis servo dos servos,
Pra Bacchiglione foi do Arno mudado
E ali deixou seus deformados nervos.

“Nao mais dizer, nem ir posso ao teu lado,
Pois do areal ja vejo de repente
Vapor novo surgir afogueado.

“Nao devo andar com bando diferente.
O meu Tesouro eu muito te encomendo:
Nele inda vivo, e rogo isto somente”. —

Voltou-se; e foi tao rapido correndo,
Como os que correm pelo palio verde
No campo de Verona, parecendo

Mais ser quem vence do que ser quem perde.

Notas [ editar ]

  1. Latino, autor do “Tesouro”, e mestre de Dante. [N. T.]
  2. Pequena cidade perto de Florenca. [N. T.]
  3. Francesco d’Accursio, jurisconsulto bolonhes. Prisciano, gramatico de Cesareia. [N. T.]
  4. Andrea de Mozzi, bispo de Florenca e, depois, de Vicencia. [N. T.]