A
Revolta de Kronstadt
foi uma
insurreicao
dos marinheiros da
Frota Naval Militar da Uniao Sovietica
da cidade portuaria de
Kronstadt
contra o
governo
da
Republica Socialista Federativa Sovietica da Russia
. Foi a ultima grande revolta contra o regime bolchevique no territorio russo durante a
guerra civil
que assolou o pais. A revolta iniciou-se em 1º de marco de 1921 na fortaleza naval da cidade, localizada na
ilha de Kotlin
, no
golfo da Finlandia
. Tradicionalmente, Kronstadt servia como base da frota russa do
Baltico
e da defesa de
Sao Petersburgo
(entao Petrogrado), localizada a 30 km da ilha. Durante dezesseis dias, os rebeldes insurgiram-se em oposicao ao governo sovietico que eles mesmos haviam ajudado a consolidar.
[
8
]
Os rebeldes, entre os quais muitos comunistas decepcionados com os rumos do governo
bolchevique
, exigiam uma serie de reformas, tais como a eleicao de novos sovietes, inclusao de partidos socialistas e grupos anarquistas nos novos sovietes e o fim do monopolio bolchevique no poder,
liberdade economica
para camponeses e operarios, dissolucao dos orgaos burocraticos do governo criados durante a guerra civil e a restauracao de
direitos civis
para a classe trabalhadora. Apesar da influencia de alguns partidos da oposicao, os marinheiros nao apoiaram nenhum em particular.
Convencidos da popularidade das reformas pelas quais lutavam e que tentaram aplicar parcialmente durante a revolta, os marinheiros de Kronstadt esperaram em vao o apoio da populacao no resto do pais e rejeitaram ajuda de emigrados. Apesar de os conselhos de oficiais defenderem uma estrategia mais ofensiva, os rebeldes mantiveram uma atitude passiva ao esperar do governo o primeiro passo nas negociacoes, o que acabou por isolar as forcas continentais. As autoridades, pelo contrario, adotaram uma postura intransigente, apresentando um ultimato exigindo a rendicao incondicional no dia 5 de marco. Uma vez expirado o prazo da rendicao, os bolcheviques enviaram uma serie de incursoes militares contra a ilha, conseguindo reprimir a revolta em 17 de marco apos uma serie de fracassos e muitas baixas. Houve alguns focos de resistencia na ilha, eliminados em 18 de marco.
Os rebeldes foram considerados martires revolucionarios por seus partidarios e classificados como "agentes da
Entente
e da contrarrevolucao" pelas autoridades. A resposta bolchevique a revolta causou grande controversia e foi responsavel pela desilusao de varios simpatizantes do regime estabelecido pelos bolcheviques,
[
8
]
como
Emma Goldman
, por exemplo. Porem, ainda que a revolta tenha sido reprimida e as exigencias politicas dos rebeldes nao tenham sido atendidas, ela serviu para acelerar a implantacao da
Nova Politica Economica
(NEP), que substituiu o "
comunismo de guerra
".
[
9
]
No outono de 1920, a
Guerra Civil Russa
estava chegando ao fim.
[
10
]
Em 12 de outubro o governo sovietico firmava um armisticio com a
Polonia
e tres semanas mais tarde o ultimo grande general
branco
,
Pyotr Nikolayevich Wrangel
, abandonava a
Crimeia
,
[
11
]
e em novembro o governo conseguira dispersar as forcas de
Nestor Makhno
na
Ucrania
.
[
11
]
Moscou
havia recuperado o controle do
Turquistao
, da
Siberia
e da Ucrania, alem das regioes carboniferas e petroliferas de
Donetsk
e
Baku
, respectivamente; em fevereiro de 1921, as forcas do governo reconquistaram a regiao do
Caucaso
com a tomada da
Georgia
.
[
11
]
Apesar de alguns combates prosseguirem em algumas regioes (contra Makhno na Ucrania, em um combate que durou ate o final de outono; contra
Antonov
em
Tambov
; no
Daguestao
e na
Siberia
contra revoltas camponesas), estes nao representavam uma seria ameaca militar para o poderio comunista.
[
12
]
O governo de
Lenin
, apos ter abandonado as esperancas de uma revolucao comunista mundial, tratou de consolidar o poder localmente e normalizar suas relacoes com as potencias ocidentais, que interromperam sua
intervencao na guerra civil
[
12
]
e iniciaram um bloqueio economico
[
12
]
ao pais.
[
12
]
[
11
]
Ao longo de 1920, firmaram-se diversos tratados com a
Finlandia
e outras republicas balticas; em 1921 houve acordos com a
Persia
e o
Afeganistao
.
[
13
]
Apesar da vitoria militar e da melhora nas relacoes exteriores, a Russia enfrentava uma grave crise social e economica,
[
13
]
que ameacava Lenin e seus partidarios.
[
12
]
A revolta na base naval de Kronstadt comecou como um protesto pela situacao do pais.
[
14
]
Ao fim da guerra civil, a Russia estava arruinada.
[
15
]
[
13
]
[
10
]
O conflito havia deixado um grande numero de vitimas e o pais estava assolado pela fome e doencas.
[
10
]
[
13
]
A producao agricola e industrial reduzira-se drasticamente e o sistema de transporte encontrava-se desorganizado.
[
13
]
As secas de 1920 e 1921 ajudaram a completar um cenario catastrofico para o pais.
[
10
]
A chegada do inverno e a manutencao
[
10
]
do "
comunismo de guerra
" e de diversas privacoes pelas autoridades sovieticas levaram ao aumento das tensoes no campo
[
16
]
(como na
Revolta de Tambov
) e nas cidades, especialmente em
Moscou
e
Petrogrado
? onde ocorreram greves e manifestacoes
[
14
]
? no comeco de 1921.
[
17
]
Por conta da manutencao e reforco dos metodos do "comunismo de guerra", as condicoes de vida haviam piorado ainda mais apos o fim dos combates.
[
18
]
O estopim dos protestos
[
19
]
foi um anuncio governamental, dado em 22 de janeiro de 1921, determinando a reducao das racoes de pao em um terco para os habitantes de todas as cidades.
[
17
]
[
18
]
As grandes nevascas e a falta de combustivel, fatores que impediam o transporte dos alimentos estocados na Siberia e no Caucaso para abastecer as cidades, obrigaram as autoridades a tomarem tal medida,
[
18
]
porem mesmo essa justificativa nao foi capaz de evitar o descontentamento popular.
[
17
]
Em meados de fevereiro, os trabalhadores comecaram a se manifestar em Moscou; tais manifestacoes eram precedidas por reunioes operarias nas fabricas e oficinas. Os operarios exigiam o fim do "comunismo de guerra" e liberdade de trabalho. Os enviados do governo nao conseguiram apaziguar a situacao.
[
17
]
Logo surgiram revoltas que so puderam ser reprimidas mediante o uso de cadetes e tropas armadas.
[
20
]
Quando a situacao parecia se acalmar em Moscou, os protestos estouraram em Petrogrado,
[
21
]
onde cerca de 60% das grandes fabricas tiveram que fechar em fevereiro por conta da falta de combustivel
[
21
]
[
18
]
e o abastecimento de alimentos havia praticamente cessado.
[
22
]
Assim como em Moscou, as manifestacoes e exigencias eram precedidas por reunioes nas fabricas e oficinas.
[
22
]
Diante da escassez das racoes alimentares dadas pelo governo e apesar da proibicao do comercio, os trabalhadores organizavam expedicoes para buscar suprimentos nas zonas rurais perto das cidades; as autoridades trataram de eliminar tais atividades, o que aumentou o descontentamento popular.
[
23
]
Em 23 de fevereiro, uma reuniao na pequena fabrica Trubochny aprovou uma medida favoravel ao aumento das racoes e da distribuicao imediata de roupas de inverno e calcados que, segundo rumores, estavam sendo entregues praticamente apenas para os bolcheviques.
[
22
]
No dia seguinte, os trabalhadores convocaram um protesto e, apesar de nao terem conseguido convencer os soldados do regimento finlandes a se unirem a manifestacao, contaram com o apoio de outros operarios e de alguns estudantes, que marcharam pela ilha de Vasilievsky.
[
22
]
O soviete local enviou cadetes que dispersaram os manifestantes sem que houvesse mortes.
[
24
]
Grigori Zinoviev
constituiu um "Comite de Defesa" com poderes especiais para acabar com os protestos; estruturas semelhantes foram criadas nos diversos distritos da cidade na forma de
troikas
.
[
24
]
Os bolcheviques da provincia mobilizaram-se para enfrentar a crise.
[
23
]
Em 25 de fevereiro, houve novas manifestacoes, mais uma vez iniciadas pelos operarios da Trubochny, e que dessa vez se espalharam por toda a cidade, em parte por conta de rumores sobre a ocorrencia de vitimas da repressao na manifestacao anterior.
[
24
]
Diante do crescimento dos protestos, no dia 26 de fevereiro, o soviete local aprova uma medida que estabelecia o fechamento das fabricas com maior concentracao de revoltosos, porem tal medida nao apaziguou a situacao e o movimento estendeu-se nos dias seguintes.
[
25
]
Logo as reivindicacoes, de cunho economico, passaram a ter tambem cunho politico, o que era mais preocupante para os bolcheviques.
[
25
]
Para acabar definitivamente com os protestos, as autoridades concentraram um grande numero de tropas na cidade, trataram de fechar mais fabricas com grande concentracao de rebeldes, proclamaram
lei marcial
[
19
]
e iniciaram uma campanha de detencoes, executada pela
Cheka
e que resultou em milhares de pessoas presas.
[
26
]
Cerca de quinhentos operarios e dirigentes sindicais foram presos, assim como milhares de estudantes e intelectuais, alem dos principais lideres
mencheviques
[
26
]
que ainda se encontravam livres ? cinco mil mencheviques foram presos nos primeiros meses do ano. Os poucos
anarquistas
e
socialistas revolucionarios
livres tambem foram presos.
[
26
]
As autoridades solicitaram aos trabalhadores que voltassem ao trabalho para evitar o derramamento de sangue e outorgaram certas concessoes
[
27
]
? permissao para ir ao campo para trazer comida as cidades, relaxamento dos controles contra a especulacao, permissao da compra de carvao para aliviar a escassez de combustivel, anuncio do fim dos confiscos de graos ?, alem de terem aumentado as racoes dos operarios e soldados, mesmo a custa do esgotamento das escassas reservas de alimentos.
[
28
]
Tais medidas fizeram com que os operarios de Petrogrado voltassem ao trabalho entre os dias 2 e 3 de marco.
[
29
]
O autoritarismo bolchevique e a ausencia de liberdades e de algumas reformas reforcavam a oposicao e aumentavam o descontentamento por parte de seus proprios seguidores: na sua ansia e em seu esforco de garantir o poder sovietico, os bolcheviques na verdade favoreciam o crescimento da oposicao.
[
30
]
O centralismo e a burocracia do "comunismo de guerra" aumentavam as dificuldades que deveriam ser enfrentadas.
[
30
]
Com o fim da guerra civil, surgiram grupos de oposicao dentro do proprio partido bolchevique.
[
30
]
Um dos grupos oposicionistas, de uma ala mais esquerdista e com um projeto muito proximo do
sindicalismo
, almejava a direcao do partido.
[
30
]
Outra ala dentro do partido defendia a descentralizacao do poder, que deveria ser imediatamente entregue aos sovietes.
[
16
]
A situacao da base naval de Kronstadt e da frota do Baltico
[
editar
|
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]
Desde 1917, as ideias anarquistas exerciam forte influencia em Kronstadt.
[
31
]
[
32
]
[
19
]
Os habitantes da ilha eram favoraveis a autonomia dos sovietes locais e consideravam a interferencia do governo central indesejavel e desnecessaria.
[
33
]
Nucleo de apoio radical aos sovietes, Kronstadt havia tomado parte em importantes acontecimentos do periodo revolucionario ? como as
Jornadas de Julho
,
[
27
]
a
Revolucao de Outubro
, o assassinato dos ministros do
Governo Provisorio
[
27
]
e a dissolucao da
Assembleia Constituinte
? e da guerra civil; mais de quarenta mil marinheiros da frota do Baltico participaram dos combates contra o
Exercito Branco
entre 1918 e 1920.
[
34
]
Apesar da participacao em importantes conflitos ao lado dos bolcheviques e figurarem entre as mais ativas tropas a servico do governo, os marinheiros desde o comeco mostraram-se receosos diante da possibilidade de centralizacao do poder e da formacao de uma ditadura.
[
34
]
A composicao da base naval, entretanto, havia mudado durante a guerra civil.
[
31
]
[
21
]
Muitos dos antigos marinheiros que a compunham haviam sido enviados para diversos outros pontos do pais durante o conflito, sendo substituidos por camponeses ucranianos menos favoraveis ao governo bolchevique,
[
31
]
porem a maioria
[
35
]
dos marinheiros presentes em Kronstadt durante a revolta ? cerca de tres quartos ? eram veteranos de 1917.
[
36
]
[
37
]
No comeco de 1921, a ilha contava com uma populacao de cerca de cinquenta mil habitantes entre civis e militares ? vinte e seis mil marinheiros e soldados ? e, desde 1918, era a principal base da frota do
Baltico
, apos a evacuacao de
Reval
(atual
Tallinn
) e
Helsingfors
(atual
Helsinque
) apos a assinatura do
Tratado de Brest-Litovsk
.
[
38
]
Ate a revolta, a base naval ainda considerava-se favoravel aos bolcheviques, contando com diversos afiliados ao partido.
[
38
]
A frota do Baltico estava sendo reduzida desde o verao de 1917, quando contava com oito navios de guerra, nove cruzadores, mais de cinquenta contratorpedeiros, cerca de quarenta submarinos e centenas de embarcacoes auxiliares; em 1920, restara da frota de 1917 apenas dois navios de guerra, dezesseis contratorpedeiros, seis submarinos e uma flotilha de caca-minas.
[
15
]
A escassez de combustivel
[
39
]
agravava-se
[
15
]
e havia temores de que se perdessem ainda mais navios por conta de certas falhas que eram suscetiveis no inverno.
[
40
]
A falta de combustivel impedia tambem a calefacao dos navios.
[
39
]
O abastecimento na ilha tambem era deficiente,
[
39
]
em parte pelo sistema de controle altamente centralizado; muitas unidades ainda nao haviam recebido seus novos uniformes em 1919.
[
40
]
As racoes diminuiram em quantidade e qualidade, e no final de 1920, ocorreu um surto epidemico de
escorbuto
na frota; os protestos exigindo melhorias nas racoes alimenticias dos soldados foram ignorados e os agitadores foram presos.
[
41
]
Tentativas de reformas e problemas na administracao
[
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|
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]
A organizacao da frota havia mudado drasticamente desde 1917: o comite central, o
Tsentrobalt
, que havia tomado o controle apos a Revolucao de Outubro, progressivamente ia dando passos em direcao a uma organizacao centralizada, processo que se acelerou em janeiro de 1919, com a visita de
Trotski
a Kronstadt apos um desastroso ataque naval a Reval.
[
42
]
A frota agora era controlada por um Comite Militar Revolucionario escolhido pelo governo e os comites navais foram abolidos.
[
42
]
Fracassaram as tentativas de formar um novo corpo de oficiais navais bolcheviques para substituir os poucos czaristas que ainda dirigiam a frota.
[
42
]
A nomeacao do
Fyodor Raskolnikov
como comandante em chefe em junho de 1920, feita com o objetivo de aumentar a capacidade de acao da frota e acabar com as tensoes, resultou em um fracasso e os marinheiros receberam-no com hostilidade.
[
43
]
[
44
]
As tentativas de reforma e de aumentar a disciplina, que implicaram na mudanca do pessoal da frota, produziram grande insatisfacao entre os membros locais do partido.
[
45
]
As tentativas de centralizar o controle desagradaram a maioria dos comunistas locais.
[
46
]
Raskolnikov tambem entrou em confronto com Zinoviev, ja que ambos desejavam controlar a atividade politica na frota.
[
45
]
Zinoviev tentou apresentar-se como um defensor da velha democracia sovietica e acusava Trotski e seus comissarios de serem os responsaveis pela introducao do autoritarismo na organizacao da frota.
[
32
]
Raskolnikov tentou se livrar da forte oposicao existente mediante a expulsao
[
38
]
[
47
]
de um quarto dos membros da frota no fim de outubro de 1920, porem fracassou.
[
48
]
Crescimento do descontentamento e da oposicao
[
editar
|
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]
Em 15 de fevereiro de 1921, um grupo de oposicao
[
41
]
dentro do proprio partido bolchevique que discordava das medidas aplicadas na frota conseguiu aprovar uma resolucao critica em uma conferencia do partido que reuniu delegados bolcheviques da frota do Baltico.
[
31
]
[
49
]
Tal resolucao criticava duramente a politica administrativa da frota, acusando-a de ter afastado esta das massas e dos funcionarios mais ativos, e de ter-se tornado um orgao meramente burocratico;
[
31
]
[
50
]
[
49
]
alem disso, exigia a democratizacao das estruturas do partido e advertiu que, se nao houvesse mudancas, poderia haver uma rebeliao.
[
31
]
Alem disso, a organizacao da frota passava por uma situacao problematica:
[
51
]
em janeiro, Raskolnikov havia perdido o controle real
[
51
]
da administracao da frota por conta de suas disputas com Zinoviev e mantinha seu cargo apenas formalmente,
[
50
]
enquanto a frota encontrava-se desorganizada.
[
50
]
No mesmo dia em que os marinheiros revoltaram-se em Kronstadt, Raskolnikov foi oficialmente deposto de seu cargo.
[
52
]
Por outro lado, o moral das tropas era baixo: a inatividade, a escassez de abastecimentos e municao, a impossibilidade de abandonar o servico e a crise administrativa contribuiram para desanimar os marinheiros.
[
53
]
O aumento temporario nas licencas dos marinheiros apos o fim dos combates com as forcas antissovieticas tambem contribuiu para minar o animo da frota: os protestos nas cidades e a crise no campo por conta das apreensoes do governo e a proibicao do comercio privado afetaram diretamente os marinheiros que regressaram temporariamente para suas casas; os marinheiros haviam descoberto a grave situacao do pais apos meses ou anos de luta em favor do governo, o que lhes desencadeou um forte sentimento de desilusao.
[
39
]
O numero de desercoes cresceu abruptamente durante o inverno de 1920-1921.
[
39
]
As noticias dos protestos em Petrogrado, juntamente de rumores
[
19
]
inquietantes de uma dura repressao dessas manifestacoes por parte das autoridades, fez aumentar a tensao entre os membros da frota.
[
49
]
[
54
]
Em 26 de fevereiro, em resposta aos acontecimentos de Petrogrado,
[
19
]
as tripulacoes dos navios
Petropavlovsk
e
Sebastopol
realizaram um encontro de emergencia e enviaram uma delegacao a cidade para investigar e informar Kronstadt a respeito dos protestos.
[
55
]
[
51
]
Ao regressar dois dias depois,
[
56
]
a delegacao informou as demais tripulacoes sobre as greves e protestos em Petrogrado e a repressao governamental. Os marinheiros decidiram apoiar os manifestantes da capital,
[
55
]
aprovando uma resolucao com quinze exigencias que seria enviada ao governo.
[
55
]
As exigencias aprovadas na reuniao dos marinheiros de Kronstadt no dia 28 de fevereiro, semelhantes em alguns pontos as exigencias feitas pelos mencheviques em Petrogrado,
[
56
]
foram as seguintes:
[
57
]
[
58
]
[
59
]
- Novas eleicoes imediatas para os sovietes. Os presentes sovietes nao mais expressam os desejos dos trabalhadores e camponeses. As novas eleicoes devem ocorrer sob voto secreto, e devem ser precedidas de livre propaganda eleitoral;
- Liberdade de expressao e de imprensa para trabalhadores e camponeses, para os anarquistas, e para partidos socialistas de esquerda;
- Direito a reuniao, e liberdade para sindicatos e organizacoes camponesas;
- A organizacao, no mais tardar ate o dia 10 de marco de 1921, de uma conferencia de trabalhadores, soldados e marinheiros de Petrogrado, Kronstadt e do distrito de Petrogrado nao militantes do Partido;
- A libertacao de todos os presos politicos anarquistas e dos partidos socialistas, e de todos os trabalhadores, camponeses, soldados e marinheiros militantes de organizacoes operarias e camponesas entao presos;
- A eleicao de uma comissao para estudar os dossies de todos os detidos em prisoes e campos de concentracao;
- A abolicao de todas as secoes politicas dentro das forcas armadas. Nenhum partido politico deve ter privilegios para a propagacao de suas ideias, ou receber subsidios do Estado para este fim. No lugar de secoes politicas varios grupos culturais devem ser criados, tomando recursos do Estado;
- A abolicao imediata das barreiras militares criadas entre as cidades e o campo;
- A isonomia de racoes para todos os trabalhadores, exceto para os que executam funcoes perigosas ou insalubres;
- A abolicao dos destacamentos de combate do Partido em todos os grupos militares. A abolicao dos guardas do Partido nas fabricas e empresas. Se guardas fazem-se necessarios, eles devem ser nomeados, levando-se em consideracao as opinioes dos trabalhadores;
- A concessao aos camponeses de liberdade de acao sobre seu proprio solo, e do direito de possuir gado, contanto que sejam diretamente responsaveis por aqueles e que nao utilizem mao de obra assalariada;
- Nos pedimos que todas as unidades militares e grupos de cadetes aspirantes se juntem a esta resolucao;
- Nos exigimos que a imprensa de publicidade adequada a esta resolucao;
- Nos exigimos a instituicao de grupos de controle operario moveis;
- Nos exigimos que a producao artesanal seja autorizada desde que nao utilize mao de obra assalariada.
Entre as principais reivindicacoes exigidas pelos rebeldes estavam a realizacao de novas eleicoes livres ? como estipulava a constituicao ? para os sovietes,
[
31
]
o direito a liberdade de expressao e a total liberdade de acao e comercio.
[
60
]
[
54
]
Segundo os proponentes da resolucao, as eleicoes resultariam na derrota dos comunistas e no "triunfo das conquistas da Revolucao de Outubro".
[
31
]
Os comunistas, que planejavam um programa economico muito mais ambicioso e que ia alem das reivindicacoes exigidas pelos marinheiros,
[
61
]
nao podiam tolerar, porem, a afronta que as reivindicacoes politicas representavam ao seu poder, pois questionavam a legitimidade dos bolcheviques como representantes das classes trabalhadoras.
[
60
]
As antigas demandas que Lenin havia defendido em 1917 foram consideradas contrarrevolucionarias e perigosas ao governo sovietico pelos bolcheviques.
[
62
]
No dia seguinte, 1º de marco, cerca de quinze mil pessoas
[
19
]
[
63
]
compareceram a uma grande assembleia convocada pelo proprio soviete local e presidida pelo dirigente executivo
[
64
]
deste na praca de Ancla.
[
65
]
[
62
]
[
66
]
As autoridades tentaram apaziguar os animos da multidao enviando
Mikhail Kalinin
, presidente do
Comite Executivo Central de Todas as Russias
(VTsIK) como orador,
[
65
]
[
62
]
[
66
]
[
64
]
enquanto Zinoviev nao se atreveu a ir para a ilha.
[
62
]
Porem, logo ficou clara a atitude da multidao presente, que exigia eleicoes livres para os sovietes, liberdade de expressao e imprensa para os anarquistas e socialistas de esquerda e para todos os operarios e camponeses, liberdade de reuniao, supressao das secoes politicas no exercito, racoes iguais salvo para aqueles que realizavam trabalhos mais pesados ? os comunistas desfrutavam das melhores racoes ?, liberdade economica e liberdade de organizacao para os operarios e camponeses, alem de uma anistia politica.
[
65
]
[
67
]
Os presentes assim aprovaram por esmagadora maioria a resolucao adotada anteriormente pelos marinheiros de Kronstadt.
[
68
]
[
69
]
[
64
]
Grande parte dos comunistas presentes na multidao tambem apoiaram a resolucao.
[
63
]
Os protestos dos dirigentes comunistas foram rechacados, porem Kalinin pode regressar sem problemas a Petrogrado.
[
65
]
[
68
]
Embora os rebeldes nao esperassem um confronto militar com o governo, a tensao em Kronstadt cresceu apos a prisao e o desaparecimento de uma delegacao da base naval, enviada para Petrogrado para investigar a situacao das greves e protestos que ocorriam na cidade.
[
65
]
[
68
]
Enquanto isso, alguns comunistas da base comecavam a se armar, enquanto outros a abandonavam.
[
65
]
Em 2 de marco, os delegados dos navios de guerra, das unidades militares e dos sindicatos reuniram-se para preparar a reeleicao do soviete local.
[
65
]
[
70
]
[
69
]
Cerca de trezentos delegados juntaram-se para renovar o soviete como decidido na assembleia do dia anterior.
[
70
]
Os principais representantes comunistas tentaram dissuadir os delegados atraves de ameacas, porem nao obtiveram exito.
[
65
]
[
71
]
Tres deles, o presidente do soviete local e os comissarios da frota Kuzmin e do pelotao de Kronstadt, foram presos pelos rebeldes.
[
71
]
[
72
]
A ruptura com o governo ocorreu por conta de um rumor que se espalhou pela assembleia: o governo estaria planejando reprimir a assembleia e as tropas governamentais estariam se aproximando da base naval.
[
73
]
[
74
]
Imediatamente foi eleito um Comite Revolucionario Provisorio (CRP),
[
63
]
[
75
]
formado pelos cinco membros da
presidencia colegiada
da assembleia, para administrar a ilha ate a eleicao de um novo soviete local. Dois dias mais tarde, foi aprovada a ampliacao do Comite para quinze membros.
[
76
]
[
73
]
[
74
]
[
72
]
A assembleia dos delegados tornou-se o parlamento da ilha, e reuniu-se em duas ocasioes, nos dias 4 e 11 de marco.
[
72
]
[
76
]
Parte dos comunistas de Kronstadt abandonaram a ilha precipitadamente; um grupo deles, liderados pelo comissario da fortaleza, tentou esmagar a revolta, porem, carentes de apoio, acabaram fugindo.
[
77
]
Durante a madrugada do dia 2 de marco, a cidade, os barcos da frota e as fortificacoes da ilha ja estavam nas maos do CRP, que nao encontrou resistencia.
[
78
]
Os rebeldes prenderam trezentos e vinte e seis comunistas,
[
79
]
cerca de um quinto dos comunistas locais. Os demais foram deixados em liberdade, embora as autoridades bolcheviques tenham executado quarenta e cinco marinheiros em
Oranienbaum
e tomado parentes dos rebeldes como refens.
[
80
]
Nenhum dos comunistas detidos pelos rebeldes sofreu maus tratos ou torturas e nem houve execucoes.
[
81
]
[
75
]
Os presos receberam as mesmas racoes que o resto dos habitantes da ilha e perderam apenas suas botas e abrigos, que foram entregues aos soldados que realizavam plantao nas fortificacoes.
[
82
]
O governo acusou os opositores de serem contrarrevolucionarios liderados pela
Franca
e afirmou que os rebeldes de Kronstadt eram comandados pelo general Kozlovski, antigo oficial czarista entao responsavel pela artilharia da base
[
73
]
[
83
]
[
63
]
? embora estivesse nas maos do Comite Revolucionario.
[
73
]
Ainda no dia 2 de marco, toda a provincia de Petrogrado foi submetida a lei marcial e o Comite de Defesa presidido por Zinoviev obteve poderes especiais para reprimir os protestos.
[
84
]
Trotski apresentou supostos artigos da imprensa francesa que anunciavam a revolta duas semanas antes de sua eclosao, como prova de que a rebeliao seria um plano tramado pelos emigrados e pelas forcas da Entente. Lenin adotou a mesma estrategia para acusar os rebeldes poucos dias mais tarde no X Congresso do Partido.
[
84
]
Apesar da intransigencia do governo e da disposicao das autoridades em esmagar a revolta atraves da forca, muitos comunistas defendiam a aplicacao das reformas exigidas pelos marinheiros e preferiam uma resolucao negociada para por fim ao conflito.
[
73
]
Na realidade, a atitude inicial do governo de Petrogrado nao foi tao intransigente quanto parecia; o proprio Kalinin assumiu que as reivindicacoes eram aceitaveis, devendo sofrer apenas algumas alteracoes,
[
85
]
enquanto o
soviete local
tentou apelar para os marinheiros ao dizer que eles haviam sido enganados por certos agentes contrarrevolucionarios.
[
85
]
A atitude de Moscou, porem, desde o inicio foi bem mais dura do que a dos dirigentes de Petrogrado.
[
85
]
Os criticos do governo, inclusive alguns comunistas, acusavam este de ter traido os ideais da revolucao de 1917 e implantado um regime violento, corrupto e burocratico.
[
86
]
Em parte, os diversos grupos de oposicao dentro do proprio partido ? os
comunistas de esquerda
,
centralistas democraticos
e a
oposicao operaria
? concordavam com tais criticas, ainda que seus dirigentes nao tenham apoiado a revolta;
[
87
]
no entanto, os membros da oposicao operaria e os centralistas democraticos ajudaram a reprimir a revolta.
[
88
]
[
89
]
As acusacoes das autoridades de que a revolta seria um plano contrarrevolucionario eram falsas.
[
21
]
Os rebeldes nao esperavam ataques por parte das autoridades e nem iniciaram ataques contra o continente ? rechacando os conselhos de Kozlovski
[
90
]
?, nem os comunistas da ilha denunciaram qualquer tipo conluio por parte dos rebeldes nos primeiros momentos da revolta, e inclusive participaram da assembleia de delegados ocorrida em 2 de marco.
[
91
]
[
92
]
Inicialmente, os rebeldes procuraram mostrar uma postura conciliadora com o governo, acreditando que este pudesse acatar as reivindicacoes de Kronstadt. Kalinin, que poderia ter sido um valioso refem para os rebeldes, pode voltar sem complicacoes para Petrogrado apos a assembleia ocorrida em 1º de marco.
[
92
]
Nem os rebeldes e nem o governo esperavam que os protestos de Kronstadt desencadeassem uma rebeliao.
[
92
]
Os comunistas locais inclusive publicaram um manifesto no novo periodico da ilha.
[
92
]
Muitos dos membros locais do partido bolchevique nao viam nos rebeldes e em suas reivindicacoes o carater supostamente contrarrevolucionario denunciado pelos dirigentes de Moscou.
[
93
]
Parte das tropas enviadas pelo governo para reprimir a revolta passou para o lado dos rebeldes, ao saber que estes haviam eliminado a "comissariocracia" na ilha.
[
93
]
O governo teve serios problemas com as tropas regulares enviadas para reprimir a insurreicao, tendo que utilizar unidades de cadetes e agentes da
Cheka
.
[
93
]
[
94
]
A direcao dos planos militares ficou nas maos dos mais altos dirigentes bolcheviques, que tiveram que regressar do X Congresso do Partido que estava sendo realizado em Moscou para encabecar as operacoes.
[
93
]
A pretensao dos rebeldes de iniciar uma "terceira revolucao" que retomasse os ideais de 1917 e acabasse de vez com os desmandos do governo bolchevique representava uma grande ameaca para este, podendo minar o apoio popular ao partido e dividi-lo, criando um grande grupo de oposicao.
[
95
]
Para evitar tal possibilidade, o governo precisava fazer com que qualquer revolta parecesse contrarrevolucionaria, o que explica sua postura intransigente com Kronstadt e a campanha contra os rebeldes.
[
95
]
Os comunistas tentavam apresentar-se como os unicos defensores legitimos dos interesses das classes trabalhadoras.
[
96
]
Os diversos grupos de emigrados e opositores do governo estavam muito divididos para realizarem um esforco em conjunto para apoiar os rebeldes.
[
97
]
Kadetes
, mencheviques e socialistas revolucionarios mantiveram suas diferencas e nao colaboraram entre si para apoiar a rebeliao.
[
98
]
Victor Chernov
e os socialistas revolucionarios tentaram lancar uma campanha de arrecadacao de fundos para ajudar os marinheiros,
[
98
]
porem o CRP recusou o auxilio,
[
99
]
[
100
]
convencido de que a revolta iria espalhar-se pelo pais, nao havendo necessidade de ajuda externa.
[
101
]
Os mencheviques, por sua vez, mostraram-se simpaticos com as reivindicacoes dos rebeldes, mas nao com a revolta em si.
[
102
]
[
32
]
A Uniao Russa de Industria e Comercio, sediada em
Paris
, conseguiu o apoio do Ministerio de Relacoes Exteriores frances para abastecer a ilha e comecou a arrecadar dinheiro para os rebeldes.
[
97
]
Wrangel ? a quem os franceses seguiam abastecendo
[
103
]
? prometeu a Kozlovski o apoio de suas tropas de
Constantinopla
e iniciou uma campanha para obter o apoio das potencias, obtendo pouco exito.
[
104
]
Nenhuma potencia aceitou prestar apoio militar aos rebeldes e somente a Franca tratou de facilitar a chegada de alimentos na ilha.
[
103
]
O abastecimento planejado pelos
kadetes
da
Finlandia
nao estabeleceu-se em tempo habil. Apesar das tentativas dos antibolcheviques de pedir auxilio a secao russa da
Cruz Vermelha
para ajudar Kronstadt, nenhuma ajuda chegou a ilha durante as duas semanas de rebeliao.
[
105
]
Ainda que existisse um plano do Centro Nacional de realizar um levante em Kronstadt, no qual os
kadetes
iriam tomar conta da cidade para converte-la em um novo centro de resistencia contra os bolcheviques com a chegada das tropas de Wrangel na ilha, a revolta que ocorreu nao teve qualquer qualquer relacao com a trama.
[
106
]
Foram poucos os contatos entre os rebeldes de Kronstadt e os emigrados durante a revolta, embora alguns rebeldes tenham se unido as forcas de Wrangel apos o fracasso da insurreicao.
[
106
]
Os rebeldes justificaram o levante afirmando que este era um ataque contra o que eles chamavam de "comissariocracia" comunista. Segundo eles, os bolcheviques haviam traido os principios da Revolucao de Outubro, tornando o governo sovietico uma autocracia
[
75
]
burocratica sustentada pelo terror da Cheka.
[
107
]
[
108
]
Segundo os rebeldes, uma "terceira revolucao" deveria devolver o poder aos sovietes eleitos livremente, eliminar a burocracia dos sindicatos e comecar a implantacao de um novo socialismo que serviria de exemplo para o mundo todo.
[
107
]
Os cidadaos de Kronstadt, entretanto, nao desejavam a realizacao de uma nova assembleia constituinte
[
109
]
[
67
]
e nem o retorno da "democracia burguesa",
[
110
]
e sim a devolucao do poder aos sovietes livres.
[
107
]
Temerosos de justificarem as acusacoes dos bolcheviques, os dirigentes da rebeliao nao atentaram contra os simbolos revolucionarios e tomaram muito cuidado ao aceitar qualquer ajuda que pudesse os relacionar de alguma forma com os emigrados ou com as forcas contrarrevolucionarias.
[
111
]
Os rebeldes tampouco exigiam o fim do partido bolchevique, e sim uma reforma para eliminar sua forte tendencia autoritaria e burocratica que havia crescido durante a guerra civil, opiniao defendida por algumas correntes de oposicao dentro do proprio partido.
[
109
]
Os rebeldes sustentavam que o partido havia se afastado do povo e sacrificado seus ideais democraticos e igualitarios para manter-se no poder.
[
89
]
Os marinheiros de Kronstadt permaneciam fieis aos ideais de 1917, defendendo a ideia de que os sovietes deveriam ser livres do controle de qualquer partido e que todas as tendencias de esquerda poderiam participar destes sem restricoes, garantindo os direitos civis dos trabalhadores e serem eleitos diretamente por estes, e nao serem designados pelo governo ou por algum partido politico.
[
110
]
Diversas tendencias de esquerda participaram da revolta. Os rebeldes de tendencia anarquista
[
112
]
reivindicavam, alem de liberdades individuais, a autodeterminacao dos trabalhadores. Os bolcheviques viam com receio os movimentos espontaneos das massas, acreditando que a populacao pudesse cair nas maos da reacao.
[
113
]
Para Lenin, as reivindicacoes de Kronstadt mostravam um "carater tipicamente anarquista e pequeno-burgues"; porem, como refletiam as inquietacoes das massas camponesas e operarias, representavam uma ameaca muito maior para o seu governo do que os exercitos czaristas.
[
113
]
Os ideais dos rebeldes, segundo os dirigentes bolcheviques, lembravam o
populismo russo
. Os bolcheviques muito haviam criticado os populistas, que em sua opiniao eram reacionarios e irrealistas por rejeitarem a ideia de um Estado centralizado e industrializado.
[
114
]
Tal ideia, por mais popular que fosse,
[
67
]
segundo Lenin deveria conduzir a desintegracao do pais em milhares de comunas separadas, pondo um fim no poder centralizado dos bolcheviques mas que, com o tempo, poderia resultar na implantacao de um novo regime centralista e de direita, razao pela qual tal ideia deveria ser suprimida.
[
114
]
Influenciados por diversos grupos socialistas e anarquistas, porem livres do controle ou das iniciativas desses grupos, os rebeldes acataram diversas reivindicacoes de todos esses grupos em um programa vago e pouco definido, que representava muito mais um protesto popular contra a miseria e a opressao do que um programa de governo coerente.
[
115
]
Entretanto, muitos notam a proximidade das ideias rebeldes com o anarquismo, com discursos enfatizando a coletivizacao das terras, a liberdade, a importancia da vontade e da participacao popular e a defesa de um Estado descentralizado.
[
115
]
Naquele contexto, o grupo politico mais proximo destas posicoes, alem dos anarquistas, era a
Uniao dos Socialistas Revolucionarios Maximalistas
, que sustentava um programa muito semelhante aos slogans revolucionarios de 1917 ? "toda a terra para os camponeses", "todas as fabricas para os trabalhadores", "todo o pao e todos os produtos para os trabalhadores", "todo poder aos sovietes livres" ?, ainda muito populares.
[
116
]
Desiludidos com os partidos politicos, os sindicatos tomaram parte na revolta defendendo a ideia de que sindicatos livres deveriam devolver o poder economico aos trabalhadores.
[
117
]
Os marinheiros, assim como os socialistas revolucionarios, defendiam amplamente os interesses do campesinato e nao demonstravam muito interesse em questoes relativas a grande industria, ainda que rejeitassem a ideia de realizar uma nova assembleia constituinte, um dos pilares do programa socialista revolucionario.
[
118
]
Durante a insurreicao, os rebeldes modificaram o sistema de racionamento; entregando quantias de racoes iguais para todos os cidadaos, com excecao das criancas e dos doentes, que recebiam racoes especiais.
[
119
]
Foi imposto um toque de recolher e as escolas foram fechadas.
[
119
]
Foram implantadas algumas reformas administrativas: foram abolidos os departamentos e comissariados, sendo substituidos por juntas de delegados sindicais, e em todas as fabricas, instituicoes e unidades militares foram formadas
troikas
revolucionarias para aplicar as medidas do CRP.
[
119
]
[
79
]
Extensao da revolta e enfrentamentos com o governo
[
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|
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]
Na tarde de 2 de marco, os delegados enviados por Kronstadt cruzaram o mar congelado ate Oranienbaum com a resolucao adotada pelos marinheiros, para divulga-la em Petrogrado e nos arredores da cidade.
[
120
]
Ja em Oranienbaum, receberam o apoio unanime da 1ª Esquadra Aerea e Naval.
[
121
]
Nessa noite, o CRP enviou um destacamento de 250 homens para Oranienbaum, porem as forcas de Kronstadt tiveram de retornar sem alcancar seu destino ao serem rechacadas sob o fogo de metralhadoras; os tres delegados que a esquadra aerea de Oranienbam havia enviado para Kronstadt foram presos pela Cheka enquanto regressavam para a cidade.
[
121
]
O comissario de Oranienbaum, ciente dos fatos e temendo a sublevacao de suas outras unidades, solicitou a ajuda urgente de Zinoviev, armou os membros locais do partido e aumentou suas racoes para tentar assegurar sua lealdade.
[
121
]
Durante a madrugada do dia seguinte, um blindado com cadetes e tres baterias de artilharia leve chegaram em Petrogrado, cercando os quarteis da unidade sublevada e prendendo os insurretos. Apos um extenso interrogatorio, quarenta e cinco deles foram fuzilados.
[
121
]
Apesar deste reves,
[
121
]
os rebeldes seguiram mantendo uma postura passiva e rechacaram os conselhos dos "especialistas militares" ? eufemismo que se utilizava para designar os oficiais czaristas empregados pelos sovieticos sob vigilancia dos comissarios ? de atacarem diversos pontos do continente em vez de se manterem na ilha.
[
122
]
[
63
]
[
75
]
[
123
]
O gelo ao redor da base nao foi rompido, os navios de guerra nao foram liberados e as defesas das entradas de Petrogrado nao foram reforcadas.
[
122
]
Kozlovski queixava-se da hostilidade dos marinheiros em relacao aos oficiais, julgando o momento da insurreicao inoportuno.
[
122
]
Os rebeldes estavam convencidos de que as autoridades comunistas cederiam e negociaram as reivindicacoes exigidas.
[
123
]
Nos poucos lugares do continente onde os rebeldes conseguiram certo apoio, os comunistas agiram com prontidao para sufocar as revoltas.
[
124
]
Na capital, foi detida uma delegacao da base naval que tentava convencer a tripulacao de um
quebra-gelo
de se unir a rebeliao.
[
124
]
A maioria delegados da ilha enviados para o continente foram detidos.
[
124
]
Incapazes de fazerem com que a revolta se propagasse pelo pais e rechacando as exigencias das autoridades sovieticas de acabar com a rebeliao, os rebeldes adotaram uma estrategia defensiva com o objetivo de comecar as reformas administrativas na ilha e evitar que fossem detidos ate o degelo da primavera, que aumentaria suas defesas naturais.
[
124
]
Em 4 de marco, na assembleia que aprovou a ampliacao do CRP e a entrega de armas aos cidadaos a fim de manter a seguranca na cidade, para que os soldados e marinheiros pudessem se dedicar a defesa da ilha, ja que os informes dos delegados que haviam conseguido regressar do continente indicavam que as autoridades haviam silenciado o carater real da revolta e comecado a difundir noticias de um suposto levante branco na base naval.
[
76
]
Ultimato do governo e preparacao das forcas militares
[
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]
Em uma tumultuada reuniao do Soviete de Petrogrado na qual foram convidadas outras organizacoes, foi aprovada uma resolucao exigindo o fim da rebeliao e a devolucao do poder ao soviete local de Kronstadt, apesar da resistencia por parte dos representantes dos rebeldes.
[
125
]
Trotski, que era bastante habilidoso com negociacoes, nao pode chegar a tempo para participar da reuniao: soube da rebeliao quando estava na Siberia ocidental, partiu imediatamente para Moscou para falar com Lenin e chegou em Petrogrado no dia 5 de marco.
[
125
]
Imediatamente, foi apresentado um ultimato aos rebeldes que exigia a rendicao incondicional e imediata.
[
125
]
[
94
]
As autoridades de Petrogrado ordenaram a prisao dos familiares dos rebeldes, estrategia antes usada por Trotski durante a guerra civil para tentar assegurar a lealdade dos oficiais czaristas empregados pelo
Exercito Vermelho
e que dessa vez foi aplicada nao por Trotski, mas sim pelo Comite de Defesa de Zinoviev.
[
126
]
Petrogrado exigiu a libertacao dos oficiais comunistas detidos em Kronstadt e ameacou atentar contra seus refens, mas os rebeldes responderam afirmando que os presos nao estavam sofrendo maus tratos e nao os libertaram.
[
126
]
A pedido de alguns anarquistas que desejavam a mediacao entre as partes e evitar um conflito armado, o Soviete de Petrogrado propos o envio de uma comissao formada por comunistas a Kronstadt para estudar a situacao.
[
127
]
Revoltados com a tomada dos refens pelas autoridades, os rebeldes rejeitaram a proposta, a unica no sentido de tentar mediar o impasse diante negociacoes de alguma forma.
[
127
]
Eles exigiram o envio de delegados que nao fossem do partido comunista, eleitos por operarios, soldados e marinheiros sob a supervisao dos rebeldes, alem de alguns comunistas eleitos pelo Soviete de Petrogrado; a contraproposta foi rejeitada e pos fim a um possivel dialogo.
[
127
]
Em 7 de marco, expirou o prazo de aceitacao do ultimato de 24 horas de Trotski, que ja havia sido ampliado um dia.
[
127
]
Entre os dias 5 e 7 de marco, o governo havia preparado forcas ? cadetes, unidades da Cheka e outras consideradas as mais leais do Exercito Vermelho ? para atacar a ilha.
[
127
]
Foram chamados alguns dos mais importantes "especialistas militares" e comandantes comunistas para preparar um plano de ataque.
[
127
]
Em 5 de marco,
Mikhail Tukhachevski
, entao um jovem oficial de grande destaque, tomou o comando
[
52
]
do 7º Exercito e do resto das tropas do distrito militar de Petrogrado. O 7º Exercito, que havia defendido a antiga capital durante toda a guerra civil e era formado principalmente por camponeses, encontrava-se desmotivado e desmoralizado, tanto pelo desejo de acabar logo com a guerra por parte de seus soldados quanto pela simpatia destes com os protestos operarios e sua relutancia em combater aqueles que consideraram camaradas em combates anteriores.
[
128
]
Tukhachevski teve que contar com as unidades de cadetes, da Cheka e dos comunistas para encabecar o ataque a ilha rebelde.
[
128
]
Em Kronstadt, a guarnicao de treze mil homens havia sido reforcada com o recrutamento de dois mil civis e a defesa comecou a ser reforcada.
[
128
]
A ilha contava com uma serie de fortes ? nove ao norte e seis ao sul ? bem blindado e equipados com canhoes pesados de grande alcance.
[
129
]
No total, 135 canhoes e sessenta e oito metralhadoras defendiam a ilha.
[
129
]
Os principais navios de guerra da base,
Petropavlovsk
e
Sebastopol
, eram fortemente armados, porem ainda nao haviam sido liberados por conta do gelo e nao podiam manobrar livremente.
[
129
]
Apesar disso, sua artilharia era superior a de qualquer outro navio disposto pelas autoridades sovieticas.
[
129
]
A base tambem contava com mais oito encouracados, quinze canhoneiras e vinte rebocadores
[
129
]
que poderiam ser usados nas operacoes.
[
130
]
O ataque a ilha nao era facil de ser realizado: o ponto mais proximo do continente, Oranienbaum, encontrava-se a oito quilometros ao sul.
[
130
]
Um ataque de infantaria supunha que os atacantes cruzassem grandes distancias sobre o mar congelado sem qualquer protecao e sob fogo da artilharia e das metralhadoras que defendiam as fortificacoes de Kronstadt.
[
130
]
Os rebeldes de Kronstadt tambem tinham suas dificuldades: nao contavam com municao suficiente para se defenderem de um cerco prolongado, nem com roupas e calcados adequados para o inverno e combustivel suficiente.
[
130
]
A reserva de alimentos da ilha tambem era escassa.
[
130
]
As operacoes militares contra a ilha comecaram na manha de 7 de marco
[
99
]
[
94
]
com um ataque de artilharia
[
94
]
de
Sestroretsk
e
Lisy Nos
, na costa norte da ilha; os bombardeios tinham como objetivo debilitar as defesas da ilha para facilitar um posterior ataque da infantaria.
[
130
]
Apos o ataque da artilharia, em 8 de marco comecou o ataque da infantaria em meio a uma tempestade de neve; as unidades de Tukhachevski atacaram a ilha ao norte e ao sul.
[
131
]
Os cadetes iam na vanguarda, seguidos das unidades seletas do Exercito Vermelho e das unidades de metralhadoras da Cheka, que deveriam impedir possiveis desercoes.
[
132
]
Os rebeldes, preparados, investiram violentamente contra as forcas do governo; alguns soldados do Exercito Vermelho se afogaram nos buracos abertos no gelo pelas explosoes, outros mudaram de lado e uniram-se aos rebeldes ou negaram-se a continuar na batalha.
[
132
]
Poucos soldados do governo alcancaram a ilha, sendo logo rechacados pelos rebeldes.
[
132
]
Quando a tempestade acalmou, foram retomados os ataques de artilharia e pela tarde os avioes sovieticos comecaram a bombardear a ilha, porem nao causaram danos consideraveis.
[
132
]
O primeiro ataque fracassou.
[
133
]
[
94
]
Apesar das declaracoes triunfalistas das autoridades, os rebeldes continuavam resistindo.
[
133
]
As forcas enviadas para combater os rebeldes ? cerca de vinte mil soldados ? haviam sofrido centenas de baixas e desercoes, que se deram tanto pela desistencia dos soldados em enfrentar os marinheiros quanto pela inseguranca em realizar um ataque sem nenhuma protecao.
[
133
]
Enquanto os bolcheviques preparavam forcas maiores e mais eficientes ? que incluiam regimentos de cadetes, membros das juventudes comunistas, forcas da Cheka e unidades especialmente leais de diversas frentes ?, realizou-se uma serie de ataques menores contra Kronstadt nos dias seguintes ao primeiro ataque fracassado.
[
134
]
Zinoviev realizou novas concessoes para a populacao de Petrogrado para manter a calma na antiga capital;
[
135
]
um relatorio de Trotski ao X Congresso do Partido fez com que cerca de trezentos delegados do congresso se apresentassem como voluntarios
[
94
]
para combater em Kronstadt em 10 de marco.
[
99
]
[
135
]
Como um sinal de lealdade ao partido, os grupos de oposicao intrapartidarios tambem apresentaram voluntarios. A principal tarefa destes voluntarios era elevar o moral das tropas apos o fracasso de 8 de marco.
[
136
]
Em 9 de marco, os rebeldes rechacaram outro ataque menor das tropas governamentais; em 10 de marco, alguns avioes bombardearam a fortaleza de Kronstadt e pela noite, baterias localizadas na regiao costeira comecaram a disparar contra a ilha.
[
136
]
Na manha de 11 de marco, as autoridades tentaram realizar um ataque ao sudeste da ilha, que fracassou e resultou em um grande numero de baixas entre as forcas do governo.
[
136
]
A nevoa impediu as operacoes durante o resto do dia.
[
136
]
Estes reveses nao desanimaram os oficiais comunistas, que continuaram ordenando ataques a fortaleza enquanto organizavam forcas para uma investida maior.
[
137
]
Em 12 de marco, houve novos bombardeios, que causaram poucos danos; em 13 de marco se realizou uma nova investida contra a ilha,
[
138
]
tambem fracassada.
[
137
]
Na manha de 14 de marco, outro ataque foi realizado, fracassando novamente. Esta foi a ultima tentativa de tomar a ilha de assalto utilizando pequenas forcas militares, entretanto, os ataques aereos e de artilharia nas regioes costeiras foram mantidos.
[
137
]
Durante as ultimas operacoes militares, os bolcheviques tiveram de reprimir diversas revoltas em
Peterhof
e Oranienbaum, mas isso nao os impediu de concentrarem suas forcas para um ataque final; as tropas, muitas delas de origem camponesa, tambem mostravam mais empolgacao do que nos primeiros dias do ataque, por conta da noticia ? propagada pelos delegados do X Congresso do partido ? do fim dos confiscos de graos do campesinato e a sua substituicao por um imposto em especie.
[
9
]
[
139
]
A melhora no moral das tropas governamentais coincidiu com o crescente desalento dos rebeldes.
[
139
]
Estes nao haviam conseguido estender a revolta ate Petrogrado e os marinheiros sentiam-se traidos pelos operarios da cidade.
[
140
]
A falta de apoio somou-se a uma serie de privacoes para os rebeldes, ja que as reservas de petroleo, municao, roupa e alimento esgotavam-se.
[
140
]
O estresse causado pelos combates e bombardeios e a ausencia de qualquer apoio externo foram minando o moral dos rebeldes.
[
141
]
A paulatina reducao das racoes, o fim das reservas de farinha em 15 de marco e a possibilidade de que a fome se agravasse entre a populacao da ilha fizeram com que o CRP aceitasse a oferta de alimentos e medicacoes da Cruz Vermelha.
[
141
]
No mesmo dia da chegada do representante da Cruz Vermelha em Kronstadt, Tukhachevski finalizava seus preparativos para atacar a ilha com um grande contingente militar.
[
142
]
A maior parte das forcas concentrou-se ao sul da ilha, enquanto um contingente menor concentrava-se ao norte.
[
142
]
Dos cinquenta mil soldados que participaram da operacao, trinta e cinco mil atacaram a ilha ao sul; participaram da operacao os mais destacados oficiais do Exercito Vermelho, inclusive alguns antigos oficiais czaristas.
[
142
]
Muito mais preparados do que no assalto de 8 de marco, os soldados mostraram muito mais animo para tomar a ilha sublevada.
[
142
]
O plano de Tukhachevski consistia em um ataque em tres colunas precedido por um intenso bombardeio.
[
143
]
Um grupo deveria atacar ao norte enquanto outros dois deveriam faze-lo ao sul e ao sudeste.
[
143
]
O ataque da artilharia comecou no inicio da tarde de 16 de marco e durou o dia todo; um dos disparos atingiu o navio
Sebastopol
e causou cerca de cinquenta baixas.
[
143
]
No dia seguinte, outro projetil atingiu o
Petropavlovsk
e causou ainda mais baixas. Os danos dos bombardeios aereos foram escassos, porem serviram para desmoralizar as forcas rebeldes.
[
143
]
Pela noite, o bombardeio cessou e os rebeldes prepararam-se para uma nova investida contra as forcas de Tukhachevski, que comecou na madrugada de 17 de marco.
[
143
]
Protegidos pela escuridao e pela neblina, soldados das forcas concentradas ao norte comecaram a avancar contra as fortificacoes numeradas do norte desde Sestroretsk e Lisy Nos.
[
143
]
As 5h da manha, os cinco batalhoes que haviam partido de Lisy Nos alcancaram os fortes 5 e 6; apesar da camuflagem
[
138
]
e do cuidado ao tentarem passar despercebidos, acabaram sendo descobertos pelos rebeldes.
[
144
]
Estes, em vao tentaram convencer os soldados do governo de que nao lutassem e seguiu-se um violento combate
[
138
]
entre os rebeldes e os cadetes.
[
144
]
Apos terem sido inicialmente rechacados e sofrido grandes baixas, o Exercito Vermelho conseguiu tomar os fortes ao retornar.
[
144
]
Com a chegada da manha, a nevoa dissipou-se deixando os soldados sovieticos desprotegidos, forcando-os a acelerar a tomada dos outros fortes.
[
144
]
Os violentos combates causaram um grande numero de baixas, e apesar da persistente resistencia dos rebeldes, as unidades de Tukhachevski haviam tomado a maior parte das fortificacoes durante a tarde.
[
144
]
Embora as forcas de Lisy Nos tenham alcancado Kronstadt, as de Sestroretsk ? formadas por duas companhias ? tiveram dificuldades para tomar o forte de Totleben na costa norte.
[
145
]
O violento combate causou muitas baixas e somente na madrugada de 18 de marco os cadetes conseguiram por fim conquistar o forte.
[
145
]
Enquanto isso, no sul, uma grande forca militar havia partido de Oranienbaum na madrugada de 17 de marco.
[
145
]
Tres colunas avancaram para o porto militar da ilha, enquanto uma quarta coluna se dirigiu para a entrada de Petrogrado.
[
145
]
As primeiras, escondidas pela nevoa, conseguiram tomar diversas posicoes da artilharia rebelde, porem logo foram derrotadas por outras posicoes da artilharia rebelde e pelo fogo das metralhadoras.
[
145
]
A chegada de reforcos rebeldes permitiu o rechaco do Exercito Vermelho. A brigada 79 perdeu a metade de seus homens durante o ataque, fracassado.
[
145
]
A quarta coluna, pelo contrario, obteve mais exitos: ao amanhecer, a coluna conseguiu abrir uma brecha perto da entrada de Petrogrado e adentrou Kronstadt. As grandes perdas sofridas pelas unidades deste setor aumentaram ainda mais nas ruas de Kronstadt, onde a resistencia foi feroz; entretanto, um dos destacamentos conseguiu libertar os comunistas presos pelos rebeldes.
[
145
]
A batalha continuou durante o dia todo e os civis, inclusive as mulheres, contribuiram para a defesa da ilha.
[
145
]
No meio da tarde, um contra-ataque dos rebeldes estava a ponto de rechacar as tropas governamentais, porem a chegada do 27º Regimento de Cavalaria e um grupo de voluntarios comunistas os derrotaram.
[
146
]
Ao anoitecer, a artilharia trazida de Oranienbaum comecou a atacar as posicoes que ainda eram controladas pelos rebeldes, causando grandes danos; pouco depois as forcas vindas de Lisy Nos entraram na cidade, capturaram o quartel general de Kronstadt e tomaram um grande numero de prisioneiros.
[
146
]
Ate a meia-noite, os combates foram perdendo a intensidade e as tropas governamentais foram tomando os ultimos fortes rebeldes.
[
146
]
Nessa mesma noite, e como havia previsto o Comite de Defesa de Petrogrado, os membros do CRP que ainda se encontravam em liberdade e os oficiais czaristas abandonaram a ilha e fugiram para a
Finlandia
[
138
]
junto com outros oitocentos rebeldes. Ao longo do dia seguinte, cerca de oito mil pessoas da ilha buscaram refugio na Finlandia.
[
147
]
[
148
]
Os marinheiros sabotaram parte das fortificacoes antes de abandona-las, porem as tripulacoes dos encouracados negaram-se a leva-los para fora da ilha e estavam dispostas a renderem-se aos sovieticos.
[
147
]
Nas primeiras horas de 18 de marco, um grupo de cadetes tomou o controle dos barcos.
[
147
]
Ao meio-dia, havia apenas pequenos focos de resistencia e as autoridades ja tinham o controle dos fortes, dos barcos da frota e de quase toda a cidade.
[
147
]
Os ultimos focos de resistencia cairam ao longo da tarde.
[
147
]
Nao se sabe ao certo o numero exato de vitimas dos combates, ainda que se pense que o Exercito Vermelho tenha sofrido muito mais baixas do que os rebeldes.
[
149
]
Segundo as estimativas do consul estadunidense em
Viborg
, que sao consideradas as mais confiaveis, as forcas governamentais teriam sofrido cerca de dez mil baixas entre mortos, feridos e desaparecidos.
[
149
]
Tambem nao ha cifras exatas das baixas dos rebeldes, mas calcula-se que tenham havido cerca de seiscentos mortos, mil feridos e dois mil e quinhentos prisioneiros.
[
149
]
A fortaleza de Kronstadt caiu em 18 de marco e as vitimas da posterior repressao nao tiveram direito a nenhum julgamento.
[
99
]
[
150
]
Durante os ultimos momentos do combate, muitos rebeldes foram assassinados pelas forcas governamentais em um ato de vinganca pelas grandes perdas ocorridas durante o ataque.
[
149
]
Treze prisioneiros foram acusados de serem os articuladores da rebeliao e acabaram julgados por um tribunal militar em um julgamento secreto, ainda que nenhum deles tenha de fato pertencido ao CRP, foram todos sentenciados a morte em 20 de marco.
[
150
]
Centenas de prisioneiros foram executados ou enviados para as prisoes da Cheka.
[
150
]
Durante os meses seguintes, um grande numero de rebeldes foi fuzilado, enquanto outros foram condenados a trabalhos forcados nos campos de concentracao da
Siberia
, onde muitos vieram a falecer de fome ou doentes. O mesmo destino tiveram os familiares de alguns rebeldes, como a familia do general Kozlovski.
[
150
]
Os oito mil rebeldes ? em sua maioria soldados e marinheiros ? que haviam fugido para a Finlandia foram confinados em campos de refugiados, onde levaram uma vida dura; parte deles mais tarde regressaram a entao
Uniao Sovietica
com a promessa de anistia, porem foram enviados aos campos de concentracao.
[
151
]
Ainda que a insurreicao tenha fracassado, ela havia deixado evidente para os bolcheviques que era impossivel a manutencao do "
comunismo de guerra
", acelerando a implantacao da
Nova Politica Economica
(NEP),
[
152
]
[
19
]
que apesar de recuperar alguns tracos do capitalismo, segundo Lenin, seria um "recuo tatico" para assegurar o poder sovietico.
[
95
]
Ainda que Moscou tenha inicialmente rejeitado as reivindicacoes dos rebeldes, terminou por aplica-las parcialmente.
[
95
]
O anuncio da implantacao da NEP minou a possibilidade de um triunfo da rebeliao, ja que aliviou o descontentamento popular que alimentava os movimentos grevistas nas cidades e as revoltas no campo.
[
152
]
Ainda que as diretrizes comunistas tenham hesitado desde o final de 1920 em abandonar o "comunismo de guerra",
[
152
]
a revolta, nas palavras do proprio Lenin, "havia mostrado a realidade melhor do que qualquer outra coisa".
[
153
]
O X Congresso do partido, ocorrido no mesmo momento em que se deu a revolta em Kronstadt, lancou as bases para o desmantelamento do "comunismo de guerra" e a implantacao de uma economia mista que satisfizesse minimamente os desejos dos operarios e camponeses, o que, segundo Lenin, era essencial para que os comunistas pudessem manter-se no poder.
[
154
]
Embora as exigencias economicas de Kronstadt tenham sido adotadas parcialmente com a implantacao da NEP, o mesmo nao se deu com as reivindicacoes politicas dos rebeldes.
[
155
]
O governo tornou-se ainda mais autoritario, eliminando a oposicao interna e externa ao partido e nao cedeu mais nenhum direito civil a populacao.
[
155
]
O governo reprimiu fortemente os outros partidos de esquerda, mencheviques, socialistas revolucionarios e anarquistas;
[
155
]
Lenin afirmou que o destino dos socialistas que se opusessem ao partido seria o carcere ou o exilio.
[
155
]
Ainda que para alguns opositores fosse permitido o exilio, a maioria deles acabou nas prisoes da Cheka ou condenados a trabalhos forcados nos campos de concentracao da Siberia e da Asia central.
[
155
]
Ao final de 1921, a ditadura bolchevique havia finalmente se consolidado.
[
156
]
De sua parte, o Partido Comunista agiu no X Congresso reforcando a disciplina interna, proibindo a atividade da oposicao intrapartidaria e aumentando o poder das organizacoes encarregadas de manter a disciplina dos filiados,
[
156
]
acoes que mais tarde facilitariam a ascensao de
Stalin
ao poder e a eliminacao de praticamente toda a oposicao politica.
[
96
]
As potencias ocidentais nao se mostraram dispostas a abandonar as negociacoes com o governo bolchevique para apoiar a rebeliao.
[
157
]
Em 16 de marco, firmou-se em
Londres
o primeiro acordo comercial entre o
Reino Unido
e o governo de Lenin; no mesmo dia foi assinado um acordo de amizade com a
Turquia
em Moscou.
[
157
]
A revolta tampouco desbaratou as negociacoes de paz entre os sovieticos e poloneses e o
Tratado de Riga
foi firmado em 18 de marco.
[
157
]
A Finlandia, por sua parte, negou-se a auxiliar os rebeldes, confinados em campos de refugiados, e nao permitiu que se lhes prestasse ajuda em seu territorio.
[
157
]
Na sua analise da rebeliao, o historiador
Paul Avrich
escreveu que os rebeldes tinham poucas hipoteses de exito, mesmo que o gelo tivesse derretido a seu favor e a ajuda tivesse chegado. Kronstadt estava despreparada, intempestiva e em desvantagem em relacao a um governo que acabara de vencer uma guerra civil de maior magnitude. Petrichenko, presidente do Comite Revolucionario de Kronstadt, partilhava esta critica retrospectiva. A ajuda do general
Wrangel
, do
Exercito Branco
, teria levado meses a ser mobilizada. Avrich resumiu todo o contexto na introducao do seu livro Kronstadt, 1921:
Em 1921, a Russia Sovietica nao era o Leviata das ultimas decadas. Era um Estado jovem e inseguro, confrontado com uma populacao rebelde a nivel interno e com inimigos implacaveis no exterior que ansiavam por ver os bolcheviques expulsos do poder. Mais importante ainda, Kronstadt estava em territorio russo; o que confrontava os bolcheviques era um motim na sua propria marinha, no seu posto mais estrategico, que guardava os acessos ocidentais a Petrogrado. Temiam que Kronstadt pudesse incendiar o continente russo ou tornar-se o trampolim para outra invasao antissovietica. Havia cada vez mais provas de que os emigrantes russos estavam a tentar ajudar a insurreicao e a transforma-la em seu proprio beneficio. Nao que as atividades dos brancos possam desculpar as atrocidades cometidas pelos bolcheviques contra os marinheiros. Mas tornam mais compreensivel o sentido de urgencia do governo em esmagar a revolta. Dentro de algumas semanas, o gelo do golfo finlandes derreteria e poderiam ser enviados mantimentos e reforcos do Ocidente, transformando a fortaleza numa base para uma nova intervencao. Para alem da propaganda envolvida, Lenine e Trotsky parecem ter ficado genuinamente ansiosos com esta possibilidade.
[
158
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