Murilo Monteiro Mendes
(
Juiz de Fora
,
13 de maio
de
1901
?
Lisboa
,
13 de agosto
de
1975
) foi um poeta, prosador e critico de artes plasticas brasileiro,
catolico
expoente do
surrealismo
na
literatura brasileira
.
Nascido na cidade de
Juiz de Fora
, no estado de
Minas Gerais
, em 13 de maio de 1901, aniversario da abolicao da escravidao no Brasil pela
Lei Aurea
, em 1888 (assim ele gostava de assinalar), Murilo Mendes e filho de Onofre Mendes, funcionario publico, e Elisa Valentina Monteiro de Barros. No dia 20 de outubro de 1902, sua mae, "afeicoada ao canto e ao piano, morre de parto com vinte e oito anos". Casou-se entao o seu pai com Maria Jose Monteiro ("Minha segunda mae, Maria Jose, grande dama de cozinha e salao, resume a ternura brasileira. Risquei do vocabulario a palavra madrasta.").
[
1
]
Em Juiz de Fora, fez seu curso primario e parte do curso ginasial no Colegio Moraes e Castro, no Colegio Malta e na Academia de Comercio.
[
2
]
Presenciou, em 1910, a passagem do
cometa Halley
, que o despertou para a poesia.
[
nota 1
]
Em 1916, ingressou na Escola de Farmacia de Juiz de Fora, a qual abandonou decorrido um ano apenas.
Como aluno interno, estudou no Colegio Santa Rosa, em
Niteroi
. Irregular e indisciplinado, fugiu para, no
Theatro Municipal do Rio de Janeiro
, assistir a dois espetaculos de
Diaguilev
e ver
Nijinski
dancar.
[
4
]
[
5
]
[
nota 2
]
Por toda a sua vida, teve predilecao por
Wolfgang Amadeus Mozart
.
Entre 1917 e 1921, devido a varias tentativas da familia de conseguir-lhe um trabalho, foi empregado como telegrafista, pratico de farmacia, guarda-livros, funcionario do cartorio do pai, professor de frances em um colegio de Palmira (atual
Santos Dumont
) e, mudando-se para o
Rio de Janeiro
com o irmao mais velho, trabalhou como arquivista na Diretoria do Patrimonio Nacional, subordinado ao Ministerio da Fazenda.
Nesse orgao publico, Murilo Mendes conheceu, em 1921,
Ismael Nery
, desenhista da Secao de Arquitetura e Topografia, tornando-se grandes amigos.
[
9
]
Contudo, o poeta continuou a buscar, sem vocacao, ocupacoes varias, desde funcionario do Banco Mercantil, escrevente no cartorio de seu primo
Anibal Monteiro Machado
, inspetor federal de ensino secundario ate escrivao da 4
a
Vara da Familia do Distrito Federal.
A morte prematura de Ismael Nery, em 1934, provocou em Murilo Mendes uma crise religiosa, a qual o converteu ao
catolicismo
.
Na edicao
Tempo e Eternidade
(1935) escreveu um poema em homenagem ao amigo.
A influencia de Ismael fez Murilo ainda publicar, entre junho a dezembro de 1948, no suplemento
Letras e Artes
do jornal
A Manha
, artigos com o titulo
Recordacao de Ismael Nery
.
Em 1938, quando
Salzburgo
foi tomada na Segunda Guerra Mundial pelos alemaes,
Luciana Stegagno Picchio
, amiga e organizadora da extensa obra de Murilo Mendes, indica um episodio paradigmatico de seu carater singular: Murilo "telegrafa a Hitler o seu protesto em nome de Wolfgang Amadeus Mozart".
Devido a tuberculose, passou um periodo de convalescenca na pensao em que morou, transferindo-se, em 1943, ao Sanatorio Boa Vista, em Correas, no Municipio de
Petropolis
.
[
15
]
[
16
]
Em 1947, casou-se com a poeta e tradutora portuguesa Maria da Saudade Cortesao, filha de
Jaime Cortesao
, escritor e historiador portugues exilado no Brasil. Fixou o casal, inicialmente, o domicilio no Rio de Janeiro.
Viajou a turismo para a Espanha em 1952.
No ano seguinte, esteve novamente na Espanha, como professor visitante na Universidade de Madri. Em 1953, proferiu, na
Sorbonne
, palestra sobre
Jorge de Lima
, amigo cuja morte ocorrera ha pouco.
Entre 1953 e 1955, ministrou conferencias nas Universidades de Bruxelas, Louvain, Amsterdam e Paris sobre temas de cultura brasileira. Mudou-se para a Italia em 1957, contratado pelo Departamento Cultural do
Itamaraty
, a fim de exercer a funcao de professor de
literatura brasileira
na
Universidade de Roma
, desenvolvendo ainda curso identico na
Universidade de Pisa
.
Instalaram-se o poeta e sua esposa no domicilio definitivo, situado em
Roma
, na Via del Consulato 6.
[
20
]
[
21
]
Murilo Mendes faleceu por problemas cardiacos no dia 13 de agosto de 1975, na casa onde habitara seu sogro, Jaime Cortesao, em
Lisboa
.
[
22
]
Foi sepultado no
Cemiterio dos Prazeres
.
[
23
]
Apos a morte de Murilo Mendes, surgiram diversas manifestacoes. Entre elas, dois meses apos o falecimento, o pintor Pasquale Santoro fomentou, na Italia, evento em sua homenagem. No
Museu de Arte de Sao Paulo
(MASP),
Pietro Maria Bardi
organizou, em 1980, a Exposicao Brasil-Italia, tendo salas especiais denominadas "Um Poeta Brasileiro na Italia - Murilo Mendes" e "Um Poeta Italiano no Brasil -
Giuseppe Ungaretti
". Em Lisboa, com a contribuicao de Maria da Saudade Cortesao e Joao Nuno Alcada, a
Fundacao Calouste Gulbenkian
realizou, em 1987, a exposicao "Murilo Mendes - O Olhar do Poeta".
A Murilo Mendes o reconhecimento tambem alcancou em poesia. Na bela
Carta de Natal a Murilo Mendes
, sua amiga e poeta
Sophia de Mello Breyner Andresen
enviou: "Querido Murilo: sera mesmo possivel / Que voce este ano nao chegue no verao / Que seu telefonema nao soe na manha de Julho / Que nao venha partilhar o vinho e o pao".
[
25
]
A cordialidade e o carisma de Murilo deixaram, junto a sua obra artistica, inumeros amigos.
Em sua
Apresentacao da Poesia Brasileira
,
Manuel Bandeira
assinala que Murilo Mendes "e talvez o mais complexo, o mais estranho e seguramente o mais fecundo poeta desta geracao".
[
26
]
Considerando primeiro o seu estilo, de uma espiritualidade particular e, a frente, de uma liberdade da sintaxe,
Afranio Coutinho
posiciona entao Murilo Mendes na segunda fase, ou geracao, do
Modernismo
na poesia, que se estende de 1930 ate 1945.
[
27
]
Ao incorporar o
surrealismo
e o
catolicismo
, a sua obra destaca-se na literatura brasileira.
Murilo Mendes publicou o seu primeiro livro,
Poemas
, em 1930, o qual seu pai custeara em Juiz de Fora.
Por ele recebeu, no mesmo ano, o Premio de Poesia da Fundacao
Graca Aranha
.
Ja no ano seguinte, 1931,
Mario de Andrade
percebe o aparecimento de
Poemas
, atribuindo a Murilo Mendes com outros tres autores marcantes a designacao de "poetas feitos".
[
30
]
[
nota 3
]
No mesmo ano, 1931, publicou o auto
Bumba-meu-poeta
. Em 1932, foi publicado o livro de poemas-piadas
Historia do Brasil
, os quais, por considerar o poeta que "destoam do conjunto da minha obra", excluiu da obra completa
Poesias
, editada em 1959.
Poesias
reuniu a producao literaria de Murilo Mendes entre 1925 a 1955, excluindo tambem
O Sinal de Deus
(1936), edicao de poemas em prosa que havia sido retirada do mercado.
[
31
]
Luciana Stegagno Picchio
, em sua
Historia da Literatura Brasileira
, observa que, meticuloso, constituiu Murilo "em torno do nucleo primitivo (
Poemas
e
Bumba-meu-poeta
, 1930)" [...] uma "obra coerente como poucas".
[
32
]
A mais proxima biografa de Murilo Mendes, Lais Correa de Araujo, nota que o primeiro livro,
Poemas
(1930), foi publicado posteriormente a
Semana de Arte Moderna
, acontecimento do Modernismo brasileiro ocorrido em 1922. E questionavel o intervalo, por volta de oito anos, da Semana de 22 ate a edicao de
Poemas
. Entretanto, verifica a sua biografa que "nao seria o mero fato de um distanciamento geografico do escritor do eixo das operacoes renovadoras (
Sao Paulo
- Rio de Janeiro) - pois ja residia no Rio em 1920" e que "em 1922 tinha Murilo vinte e um anos, uma idade portanto psicologicamente propicia as contestacoes, a rebeldia".
Colocando a parte o desvio do livro
Historia do Brasil
, Lais Correa de Araujo apresenta a justificacao de que, ainda que adotando o verso livre, as "ideias filosoficas", as "preocupacoes esteticas" de Murilo Mendes ja nao repercutiam os movimentos de 1920 a 1930.
No poema emblematico
Mapa
, que pertence ao livro
Poemas
, le-se Murilo afirmando que "tudo e ritmo do cerebro do poeta. Nao me inscrevo em nenhuma teoria".
Alceu Amoroso Lima
, em carta a biografa, escreveu, com agudo senso critico, que Murilo Mendes nunca foi um "homem de rebanhos".
Porem, em 1934, um importante evento marcou Murilo Mendes. A morte do amigo Ismael Nery conduziu Murilo Mendes na sua conversao ao catolicismo. Com a colaboracao de Jorge de Lima, publicou o livro
Tempo e Eternidade
(1935). E, a contar deste ponto, surgiu um poeta "inserido na situacao angustiosa do homem dividido entre a constatacao de uma potencialidade redentora (Deus) e a sua impotencia e desamparo do degredado (homem-pecador)".
No poema
A Ceia do Poeta
, pertencente a
Tempo e Eternidade
, le-se Murilo a considerar Deus na terra: "Diante do prato em que apenas toquei / Medito no dia em que multiplicaste paes e peixes, / Tu que sacias a fome e a sede do universo". Por outro lado, na obra
A Poesia em Panico
(1937), o poeta confessa em
A Danacao
sua dificuldade: "Ha fortes iluminacoes sem permanencia. / A parte da Graca e tao pequena / Que me vejo esmagado pelo monumento do mundo". No livro
Mundo Enigma
(1945), o poema
Emaus
expoe tambem Murilo sem conseguir desvendar Deus: "Sempre es o hospede - nunca es o rei. / Muito mais derrotado que vitorioso. / Quando chegas e bates ao meu coracao / Eu nao te reconheco - ha luz demais -". Murilo Mendes mostra-se uma pessoa nao conformada com este mundo.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Murilo Mendes publicou, atraves da Editora Agir, a obra
Poesia Liberdade
(1947). Veem-se entao "o espectro da guerra" (do poema
As Lavadeiras
), "homens e bichos combatendo" (
Poema de
Alem-Tumulo
), e o pao e o vinho amaldicoados (
O Tunel do Seculo
). No poema
Elegia Nova
, Murilo observa, triste: "Esta cidade irregular desfeita, / Roseiras de peles de homens, / Torres de suplicios, / Campos semeados de metralhadoras, / O rendimento dos abismos". Surgem, nos seus versos, tracos que lembram poesias de
Carlos Drummond de Andrade
. Em
O Rato e a Comunidade
, Murilo, secamente, escreve: "Procuras consolo, mas nao podes parar. / Es o servo da maquina e do tempo. / Mal sabes teu nome, nem o que desejas neste mundo." Entretanto, Murilo Mendes mantem sua fe na comunhao dos homens com Cristo. O poeta confirma em
Oficio Humano
: "Esperemos na angustia e no tremor o fim dos tempos, / Quando ao homem se fundirem numa unica familia, / Quando ao se separar de novo a luz das trevas / O Cristo Jesus vier sobre a nuvem, / Arrastando por um cordel a antiga Serpente vencida."
Pessoalmente, antes de sua mudanca para Roma, Murilo Mendes fez amizades com escritores e artistas brasileiros no Rio de Janeiro. Frequentando o
Mosteiro de Sao Bento
, relata, em
Retratos-relampago
(1973), curioso dialogo com
Graciliano Ramos
, quando esse foi designado inspetor federal do
Colegio de Sao Bento
.
Data desta epoca os retratos de Murilo pintados por
Alberto da Veiga Guignard
, um em 1930 e outro em 1931,
[
38
]
e
Candido Portinari
.
[
39
]
[
40
]
Um homem jovem que logo se aproximou de Murilo Mendes foi
Joao Cabral de Melo Neto
. O primeiro encontro deu-se em 1940, na pensao onde morava Murilo, localizada na Rua Marques de Abrantes, no bairro do Flamengo.
[
41
]
Mais tarde, como diplomata, Joao Cabral estabeleceu lacos estreitos com Murilo ao longo do exercicio de seu servico publico na
Catalunha
e em
Sevilha
.
[
42
]
Conheceu, no Brasil, certos pintores e escritores estrangeiros:
Arpad Szenes
e
Maria Helena Vieira da Silva
, casal que deixou a Europa de 1939 ate 1947,
George Bernanos
, que se exilou logo apos o
Acordo de Munique
, retornando em 1945,
[
43
]
e
Albert Camus
, que esteve no Brasil para uma turne de conferencias em 1949.
[
44
]
[
45
]
Na Europa, Murilo Mendes entrou em contato com varios artistas novos e renomados. Podem ser citados exemplos como
Giuseppe Ungaretti
,
[
46
]
Alberto Magnelli
,
Ruggero Jacobbi
,
[
nota 4
]
Sophia de Mello Breyner Andresen
,
Jorge Guillen
,
Rafael Alberti
e
Ezra Pound
.
Em especial, Murilo Mendes aproximou-se dos surrealistas
Mario Cesariny
,
Joan Miro
,
,
Rene Char
e, finalmente,
Andre Breton
.
[
nota 5
]
A proposito, muito do surrealismo originario de Breton e atribuido a Murilo Mendes "passa por estas amizades, embora existisse na base uma predisposicao ao 'surreal', antes ou alem das modas e dos credos de escola".
Em carta enderecada, em 1949, a
Francis Picabia
, ilustrador de sua obra
Janela do Caos
, Murilo expressou a sua visao do surrealismo:
"[...] Nao sou um surrealista ortodoxo, mas devo confessar que o surrealismo sempre exerceu sobre mim um grande fascinio. Acho que ha muita surrealidade mesmo em certos classicos; que ha um estado surrealista na vida, um estado que com frequencia se esconde, mas que todavia se revela em toda sua estranheza e angustia. Esse estado transparece inevitavelmente em meus poemas. [...]."
[
53
]
Em carta para Lais Correa de Araujo, Murilo Mendes declarou essa posicao insolita sua:
"Eu tenho sido toda a vida um franco-atirador. Procuro obedecer a uma especie de logica interna, de unidade apesar dos contrastes, dilaceracoes e mudancas; e sempre evitei os programas e manifestos."
E relevante tambem mencionar que o surrealismo de Murilo Mendes uniu, fortemente, a sua poesia com o elemento plastico. Joao Cabral de Melo Neto afirmou que "sua poesia me foi sempre mestre, pela plasticidade e novidade de imagem. Sobretudo foi ela quem me ensinou a dar precedencia a imagem sobre a mensagem, ao plastico sobre o discursivo".
A obra poetica de Murilo Mendes e vasta e nao exprime, exatamente, a evolucao do Modernismo brasileiro. Todavia, nao deixou o poeta de olhar, peculiarmente, para o Brasil, a exemplo do livro
Contemplacao de
Ouro Preto
, publicado em 1954. Nesta "viagem as raizes
barrocas
", com profunda reflexao em relacao ao catolicismo, Murilo passou a "assumir abertamente a sua mineiridade".
No poema
Romance das Igrejas de Minas
, redige Murilo: "Por isso escrevi um canto / Com palavras essenciais, / Baseado na beleza / Da antiga Minas Gerais, / Inspirado na grandeza / Da rude religiao, / Principio e fim da existencia,". Neste livro, Murilo Mendes cita, em certos pontos, figuras emblematicas de Ouro Preto: o extraordinario
Aleijadinho
("O escopro genial do Aleijadinho",
Motivos de Ouro Preto
); os primeiros revolucionarios da
Inconfidencia Mineira
contra a
Monarquia de Portugal
sobre a sua colonia ("Paredes em faiscado, / Consistorios, corredores / Onde vagueiam fantasmas / De poetas inconfidentes, / De frades conspiradores;", de
Romance das Igrejas de Minas
); em
Acalanto de Ouro Preto
, a dedicatoria a Alberto da Veiga Guignard; tambem de
Romance das Igrejas de Minas
, outra dedicatoria, desta vez a
Rodrigo M. F. de Andrade
, primeiro diretor do Servico de Patrimonio Historico e Artistico Nacional (SPHAN, atual
IPHAN
) e responsavel por proteger na sua gestao, dentre o patrimonio historico e cultural brasileiro, o
Museu da Inconfidencia
, em Ouro Preto.
Na Italia Murilo Mendes nao sofreu o sentimento de exilio, mas acompanhou os principais representantes da vanguarda europeia. Nesta fase, consolidou-se como critico especializado das artes plasticas muito respeitado em Roma. Acrescentando seu conhecimento musical, apresentou "com a literatura o substrato dessa personalidade intelectual aberta a todas as manifestacoes das artes".
Por carta a Lais Correa de Araujo, Murilo acentuou que as fronteiras das diferentes formas artisticas foram "hoje tornadas muito fluidas".
Em dezembro de 1970, surgiu a obra
Convergencia
, a qual, em outra carta a Lais, considerou Murilo "um dos meus livros maiores, resumindo a experiencia de 3 geracoes, inclusive concretos e praxis".
A obra
Convergencia
vai alem da poesia concreta. Lais Correa de Araujo explica que a reconsideracao concretista da informacao estetica sobre a informacao semantica ja teve inicio no livro
Siciliana
(1959), ou antes.
Convergencia
e, pois, a realizacao de uma "liberdade da sintaxe poematica",
difundindo:
"Primeiro na area dos elementos fonico-temporais - musicalidade, ritmo - e, por fim, na dos elementos morfologicos - visuais. Rebelde, rebelado, Murilo Mendes nunca se deixou, por temperamento, interditar pelos habitos mentais alienadores que acomodam e/ou constrangem o homem as imposicoes da conjuntura e aos padroes tanto de um sistema de vida, quanto de um estilo de criacao."
Convergencia
inicia-se com "Grafitos", palavra do italiano "graffitto",
[
61
]
a qual significa "inscricao ou desenho de epocas antigas, toscamente riscado a ponta ou a carvao, em rochas, paredes, vasos, etc.".
[
62
]
E a partir deles que Murilo Mendes cria, com enorme cultura, novos poemas. Interessante e o
Grafito para
Mario Pedrosa
, onde se le, musicalmente: "Sigo cego maquinal / Signos magicos disparados / Cego sigo maquinal / Siga | avanti | alt | stop / Cego sigo maquinando". No
Grafito para
Paolo Uccello
, possivelmente ao olhar, na
Galleria degli Uffizi
, a pintura
Battaglia di San Romano
, comunica, visualmente: "Na tua batalha entro / Da tua batalha saio"; e questiona: "Esgota-se (?) a pintura / Nao a palavra pintura". Em principio enigmatico, Murilo enfatiza, na vanguarda literaria, o relativismo da linguagem. No poema
Texto de Consulta
indaga: "A palavra cria o real? / O real cria a palavra?". Trata-se de uma concepcao que e objeto de estudos aprofundados de linguistas e semiologistas.
A segunda parte de
Convergencia
e formada pelos "Murilogramas", com dedicatoria a sua estimada amiga Luciana Stegagno Picchio. Os murilogramas sao enderecados a Deus e pessoas. Neles, Murilo Mendes tambem explora a linguagem. Lais Correa de Araujo anota:
"Nos grafitos e especialmente nos murilogramas, as texturas sonoras ainda tem valor preponderante, perceptivel a partir da apresentacao da linha melodica, que se sustenta muitas vezes invariavel na sua forma de antifona e salmatica, as vezes enriquecida pelo contraponto solo/parte coral, como no '
Murilograma a
Joao Sebastiao Bach
'.
"
A plasticidade de Murilo em
Convergencia
pode, por sua vez, ser vista no
Murilograma a
Guido Cavalcanti
: "Radiograficamente entrego-te o texto tactil / Interrogo o que | sem transistor | ves apalpas ouves / Nesses teus proximos bulevares entre Jupiter e Saturno".
[
nota 6
]
Na ultima parte de
Convergencia
, "Sintaxe", Murilo Mendes, livremente, prossegue seus experimentos. No poema
Texto de Informacao
contradiz a funcao gramatical, as expressoes da retorica: "Tiro do bolso examino / Certas figuras de gramatica [de retorica [de poetica / Considero-as na sua forma visual / Fora de funcao / no seu peso especifico [& som proprio [de palavras isoladas:"
[
nota 7
]
E, ao modo dos surrealistas em seus quadros, Murilo implementa versos que se aproximam a imagens em colagens, como na
Colagem para
Drummond
: "As pedras de Itabira. A pedra de Drummond. / O ferro de Itabira. As farpas de Drummond. / As tropas de Itabira. Os tropos de Drummond. / Os tetos de Itabira. O tato de Drummond. / As madres de Itabira. Os mortos de Drummond [...]." Os jogos com as palavras continuam em "Sintaxe". Murilo Mendes procura desconcerta-las, formando novas conexoes.
A excecao de
O Discipulo de Emaus
(1945), obra formada de maximas incisivas, Murilo Mendes tornou-se, na Italia, igualmente prosador. Mas, nas palavras de Luciana Stegagno Picchio, ajustado "daquela especial prosa poetica, epigramatica, definitoria e surrealista a sua maneira".
No seu primeiro livro em prosa publicado da Italia em 1968,
A Idade do Serrote
, Murilo remonta a sua juventude em Juiz de Fora. Na obra
Poliedro
, editada em 1972, fixa a licao surrealista sua, salientando "faces" e significados, ou signos, novos a diversos objetos. Outra prosa poetica notavel e
Retratos-relampago
, de 1973, na qual, dividida em setores, reproduz variadas pessoas. Deste modo, Murilo Mendes reuniu, em equivalencia, a obra poetica a prosa, retirando delimitacoes.
Jose Guilherme Merquior
afirma que "Murilo Mendes e um poeta deslocado na tradicao dominante da lirica de lingua portuguesa" o qual "nao obteve compreensao substancial por parte da generalidade da critica". Diante do seu surgimento, poucos foram os criticos que conseguiram alcanca-lo a exemplo de Alceu Amoroso Lima, ao ver na sua obra a marca de um "
estado de espirito
". Um estado de espirito que, segundo Jose Guilherme Merquior, Mario de Andrade, ja em 1931, definiu como sendo o "aproveitamento mais sedutor e convincente da licao surrealista".
[
64
]
[
65
]
Mas, Murilo Mendes adota um surrealismo no qual busca "uma
compreensao critica
de sua epoca". Na indignacao diante do conflito armado, ilustra Merquior que Murilo Mendes "exerceu para nos o lirismo da denuncia humanista da guerra, frequentemente alcancando o cerne social da desgraca. E suficiente reler apenas como
Lamentacao
ou como
Os Pobres
para verificar com que profundidade o poeta foi tocado pela guerra, e com que humanidade lhe reagiu".
Luciana Stegagno Picchio ressalta que Murilo buscou ser contemporaneo: "Se o texto a interpretar e o mundo e o meio cognoscitivo, a linguagem, o oficio do poeta e fazer-se contemporaneo de todo acontecimento".
Tendo por base o surrealismo, Murilo Mendes conciliou, em poesia e prosa, a realidade, mesmo vulgar, a elementos transcendentes. Manuel Bandeira destaca que Murilo realizou uma "constante incorporacao do eterno ao contingente".
[
67
]
Na Introducao Geral a
Poesia Completa e Prosa
publicada, em 1994, pela Editora Nova Aguilar, Jose Guilherme Merquior aponta tambem, com perspicacia, que Murilo Mendes integrou o surrealismo ao catolicismo. Nota o critico que, em verdade, "o projeto surreal nao era, em substancia, estetico, mas sim de cunho, antes de tudo,
existencial
".
Na Italia, publicou, em 1959,
Siciliana
, texto bilingue traduzido e com prefacio de Giuseppe Ungaretti. Por sua vez, organizada por Ruggero Jacobbi, em obra bilingue (portugues-italiano) realizada por Luciana Stegagno Picchio, Chiocchio e Ungaretti, editou-se, em 1961,
Introducao a Poesia de Murilo Mendes
.
[
69
]
Diante de suas diversas publicacoes, o reconhecimento de Murilo Mendes o levou a ganhar, no ano de 1972, o Premio Internacional de Poesia Etna-Taormina. Carlos Drummond de Andrade, na sua cronica no
Jornal do Brasil
, criticou, tendo em vista o Premio atribuido a Murilo e com o qual se tinham distinguido tambem
Salvatore Quasimodo
,
Premio Nobel de Literatura de 1959
, e Giuseppe Ungaretti, a indiferenca dos artistas brasileiros. Do Brasil, Drummond assinalou "uma obra que e fruto saboroso da cultura brasileira confrontada com valores universais".
[
70
]
Recentemente, houve um resgate de uma das caracteristicas de Murilo Mendes. Entre setembro de 2023 e janeiro de 2024, no
Museu de Arte Moderna de Sao Paulo
(MAM) ocorreu a exposicao "Murilo Mendes, o poeta critico: o infinito intimo", organizada pelos curadores Lorenzo Mammi, Maria Betania Amoroso e Taisa Palhares. Atraves de pinturas e obras de artes plasticas originarias, em grande parte, do acervo pertencente ao
Museu de Arte Murilo Mendes
(MAMM), apresentou-se a atividade de Murilo como critico, incentivador de artistas e organizador de eventos publicos. Deste modo, Murilo foi, por exemplo, curador do Pavilhao Brasileiro na
Bienal de Veneza
de 1964
[
nota 8
]
e elaborador de uma galeria na Embaixada Brasileira em Roma, pondo a vista, pela primeira vez na Europa, artistas brasileiros como
Volpi
,
Goeldi
e
Weissmann
.
[
72
]
No
Museu de Arte Murilo Mendes
(MAMM), situado em sua cidade natal, Juiz de Fora, encontram-se reunidos livros, correspondencias, documentos e obras de arte do poeta que foram transmitidos por sua viuva, Maria da Saudade Cortesao.
- Poemas
(1930);
- Bumba-meu-poeta
(1931);
- Historia do Brasil
(1932) - com capa de
Di Cavalcanti
;
- Tempo e Eternidade
(1935) - escrita, em conjunto, com
Jorge de Lima
;
- Os Quatro Elementos (1935);
- O Sinal de Deus
(1936);
- A Poesia em Panico
(1937);
- O Visionario
(1941) - incluindo
Jandira
, poema exemplar da poetica muriliana;
[
73
]
- As Metamorfoses
(1944) - ilustrada por
Portinari
e com capa de
Santa Rosa
;
- Mundo Enigma
(1945);
- O Discipulo de Emaus
(1945);
- Poesia Liberdade
(1947);
- Janela do Caos
(1949) - ilustrada com seis litografias de
Francis Picabia
;
- Contemplacao de Ouro Preto
(1954);
- Poesias
(1959) - obra completa ate a data e incluindo
Sonetos Brancos
, com a exclusao de
O Sinal de Deus
e
Historia do Brasil
;
- Siciliana
(1959) - em texto bilingue traduzido por A. A. Chiocchio e com prefacio de
Giuseppe Ungaretti
;
- Tempo Espanhol
(1959);
- Siete Poemas Ineditos
(1961);
- Introducao a Poesia de Murilo Mendes
(1961) - organizada por
Ruggero Jacobbi
, em texto bilingue de
Luciana Stegagno Picchio
, Chiocchio e Giuseppe Ungaretti;
- Antologia Poetica
(1964);
- Italianissima
(
7 Murilogrammi
) (1965);
- A Idade do Serrote
(1968);
- Convergencia
(1970);
- Poliedro
(1972);
- Retratos-relampago,
1
a
serie (1973);
- Marrakech
(1974) - com litografias de G. I. Giovannola.
- Ipotesi
(1977) - organizada e prefaciada por Luciana Stegagno Picchio;
- Transistor
(1980) - antologia de prosa escrita entre 1931 e 1974;
- Janelas Verdes
, primeira parte (1989) - com ilustracoes em tinta da China e duas serigrafias originais assinadas por
Maria Helena Vieira da Silva
.
Ineditas publicadas na edicao
Poesia Completa e Prosa
da Editora Nova Aguilar (1994)
[
editar
|
editar codigo-fonte
]
- Carta Geografica
(1965-1967);
- Espaco Espanhol
(1966-1969) - notas de viagem;
- Janelas Verdes
, segunda parte (1970);
- Retratos-relampago
2
a
serie (1973-1974);
- Conversa Portatil
(1971-1974) - miscelania em prosa e verso;
- A Invencao do Finito
(1960-1970);
- Papiers
- originais em prosa e verso, em frances;
- Quatro Textos Evangelicos
(1984) - publicados, postumamente, na revista
Letterature d'America
, em Roma;
- O Infinito Intimo
(1948-1953) - inclui textos poeticos menores.
- Premio
Graca Aranha
, pelo livro
Poemas
(1930)
;
- Premio Internacional de Poesia Etna-Taormina (1972).
Notas
- ↑
A passagem do cometa Halley foi um dos momentos marcantes de Murilo Mendes, ressaltado no poema
A Luz e a Vida
, do livro
Os Quatro Elementos
(1935).
- ↑
Murilo Mendes afirmou que no Theatro Municipal do Rio de Janeiro vislumbrou "Nijinski dancando no arco-iris".
- ↑
Os outros tres autores de que Mario de Andrade distingue o surgimento sao: Carlos Drummond de Andrade,
Alguma Poesia
; Manuel Bandeira,
Libertinagem
; e
Augusto Frederico Schmidt
,
Passaro Cego
.
- ↑
Ruggero Jacobbi foi um amigo proximo de Murilo e um dos primeiros tradutores de sua poesia para o italiano.
- ↑
Murilo visitou Andre Breton e Rene Char em Paris, de 1952 a 1953.
- ↑
A reproducao do poema, por limitacoes de edicao, nao e fiel a sua forma estetica.
- ↑
Tenta-se reproduzir o poema, ainda com as limitacoes de edicao
- ↑
Apos o
Golpe de 1964
, no Brasil, Murilo Mendes foi indicado pelos proprios italianos para arrumar o Pavilhao Brasileiro da
Bienal de Veneza
.
Referencias
- ↑
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Poesia Completa e Prosa
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