Linguas celtas
ou
celticas
descendem do
proto-celta
, ou "celta comum", um ramo da superfamilia das
linguas indo-europeias
. O termo "celta" foi usado para descrever esse grupo de linguas por
Edward Lhuyd
em 1707, tendo sido usado muito antes por escritores gregos e romanos para descrever algumas aldeias da
Galia
central e da
Peninsula Iberica
. Durante o primeiro milenio a.C., essas linguas eram faladas na Europa, do
golfo da Biscaia
e do
mar do Norte
, na regiao do
Reno
e do
Danubio
ate o
mar Negro
e a
peninsula Balcanica Superior
, chegando ate a
Asia Menor
(
Galacia
). Atualmente, as linguas celtas estao limitadas a algumas areas na
Gra-Bretanha
,
Ilha de Man
,
Irlanda
,
Ilha Cape Breton
, na peninsula da
Bretanha
,
Franca
e
na Patagonia
, Argentina. A difusao para a ilha Cape Breton e para a Patagonia ocorreu nos tempos modernos. Em todas essas areas, as linguas celtas sao atualmente faladas apenas por minorias.
De acordo com o
Glottolog
, as linguas celticas dividem-se em tres ramos principais:
[
1
]
- Ramo celta nuclear
, que se subdivide em pelo menos tres ramos, dos quais dois contem apenas linguas extintas:
- Sub-ramo cisalpino: inclui o
gaules
propriamente dito e linguas de parentesco proximo como o
lepontico
e o
norico
. Essas linguas eram faladas em um vasto territorio na Europa, desde a
Belgica
moderna ao norte da
peninsula italica
. Todas as linguas do sub-ramo gaules estao extintas.
- Sub-ramo galata: inclui o
galata
propriamente dito, antigamente falado na regiao da atual
Turquia
, extinto ha seculos.
- Sub-ramo celta insular: inclui as linguas celtas vivas nos dias atuais, as quais se subdividem em duas linhagens:
- Ramo
celtiberico
:
inclui linguas extintas faladas na
Peninsula Iberica
pre-romana,
[
2
]
especificamente nas areas de
Portugal
, na
Cantabria
, em
Aragao
,
Castela e Leao
, na
Comunidade de Madrid
e
Castela-La Mancha
, na
Galiza
,
Asturias
e provincias de
Leao
,
Zamora
e
Salamanca
, tais como:
- Ramo venetico
: inclui o
venetico
propriamente dito, falado outrora no norte da Italia. O venetico e atestado em inscricoes breves datando de varios seculos antes da conquista da Peninsula Italica pelos romanos. Extinto ha seculos.
O tratamento academico das linguas celtas e por vezes bastante argumentativo devido a falta de dados de fontes primarias. Alguns estudiosos distinguem o
celta continental
e o
celta insular
, argumentando que as diferencas entre as linguas goidelicas e britonicas surgiram depois que essas se separaram das linguas celtas continentais. Outros estudiosos distinguem o celta-P do celta-Q, colocando a maioria das linguas celtas continentais no primeiro grupo (exceto pela celtiberica, que e celta-Q).
A lingua breta e britonica, nao gaulesa, embora possa haver influencia dessa. Quando os
anglo-saxoes
chegaram a
Gra-Bretanha
, varias ondas de
bretoes
ou
galeses
cruzaram o
canal da Mancha
e desembarcaram na regiao da atual Franca conhecida como
Bretanha
. Os imigrantes britonicos levaram consigo sua lingua, que evoluiu para o bretao ? que ainda e parcialmente inteligivel com o gales moderno e o cornico.
No sistema de classificacao P/Q, a primeira lingua a se separar do proto-celta foi a gaelica. Ela possui caracteristicas que alguns estudiosos veem como arcaicas, mas outros tambem a veem como pertencente as linguas britonicas (ver Schmidt). Com o sistema de classificacao insulares/continentais, a divisao da primeira em gaelicas e britonicas e vista como sendo posterior.
A distincao do celta nessas quatro subfamilias ocorreu muito provavelmente por volta de 900 a.C., de acordo com Gray e Atkinson, mas, por causa de incertezas de estimativas, poderia ser qualquer epoca entre 1200 e 800 a.C.. Contudo, eles levaram em consideracao apenas a gaelica e a britonica. O artigo controverso de Forster e Toth incluiu a gaulesa e estabeleceu a ruptura muito antes, em 3200 a.C.. Eles apoiam a hipotese celta insular. Os primeiros celtas geralmente eram associados arqueologicamente com a
cultura dos Campos de Urnas
, a
cultura de Hallstatt
e a
cultura de La Tene
, embora a antiga suposicao de associacao entre lingua e cultura seja agora considerada menos forte.
Ha dois sistemas concorrentes principais de categorizacao. O sistema mais antigo, sustentado por Schmidt (1988), entre outros, liga a gaulesa com a britonica em um no
celta-P
, originalmente deixando apenas a goidelica como
celta-Q
. A diferenca entre linguas P e Q e o tratamento do *
k
w
proto-celta
, que se tornou *
p
nas linguas celtas-P mas *
k
nas goidelicas. Um exemplo e a raiz verbal proto-celta *
k
w
rin-
"comprar", que se tornou
pryn-
em gales, mas
cren-
em
irlandes antigo
. Entretanto, uma classificacao baseada em uma unica caracteristica e vista como arriscada por seus criticos, particularmente porque a mudanca sonora ocorre em outros grupos linguisticos (
osco
e
grego
).
O outro sistema, defendido, por exemplo, por McCone (1996), liga a goidelica e a britonica como um ramo
celta insular
, enquanto a gaulesa e a celtiberica sao referidas como
celtas continentais
. De acordo com essa teoria, a mudanca sonora "celta-P" de
[k?]
para
[p]
ocorreu de maneira independente ou
arealmente
. Os defensores da hipotese celta insular apontam para outras inovacoes compartilhadas entre as linguas celtas insulares, incluindo preposicoes nao flexionadas, ordem sintatica VSO e a lenicao de
[m]
intervocalico para
[β?]
, uma
fricativa bilabial sonora
nasalizada
(um som extremamente raro). Porem, nao se supoe que as linguas celtas continentais descendam de uma ancestral "proto-celta continental" comum. O sistema insular/continental, por sua vez, geralmente considera o celtiberico como o primeiro ramo a separar-se do proto-celta, e o grupo restante posteriormente teria se dividido em gales e celta insular.
Ha argumentos academicos legitimos em favor tanto da hipotese celta insular como da hipotese celta-P/celta-Q. Os defensores de cada sistema contestam a precisao e a utilidade das categorias do outro. Porem, desde a decada de 1970 a divisao em celta insular e continental tornou-se a mais amplamente aceita (Cowgill 1975; McCone 1991, 1992; Schrijver 1995).
Ao se fazer mencao apenas as linguas celtas modernas, visto que nenhuma lingua celta continental possui descendentes vivas, "celta-Q" e equivalente a "goidelica" e "celta-P" e equivalente a "britonica".
Dentro da familia
indo-europeia
, as linguas celtas algumas vezes foram colocadas com as
linguas italicas
em uma subfamilia
italo-celta
comum. O ramo italo-celta seria um agrupamento dos ramos italico e celta da familia de linguas indo-europeias com base em caracteristicas compartilhadas por esses dois ramos e nenhum outro. Contudo, ha controversias sobre as causas dessas semelhancas
[
3
]
.
Os pontos semelhantes entre os dois ramos poderiam ter convergido atraves de inovacoes independentes, as quais teriam se desenvolvido apos a dispersao inicial dos falantes da lingua proto-indo-europeia. E possivel, contudo, que algumas das semelhancas nao sejam inovacoes, mas sim tracos retidos da lingua ancestral, ou seja, caracteristicas da lingua proto-indo-europeia originais que desapareceram em todos os outros ramos da familia linguistica. Ha tambem uma hipotese de
contato linguistico
entre as comunidades falantes do proto-celta e do proto-italico. Alguns estudiosos ainda consideram a hipotese do italo-celta valida.
[
4
]
Alem das semelhancas
gramaticais
, ha diversas palavras do vocabulario basico das linguas celtas e italicas que apresentam um maior numero de
cognatos
e, dentre os cognatos, maior semelhanca
fonetica
entre si que comparadas a palavras dos demais ramos, sobretudo no que tange as
consoantes
. A tabela abaixo
compara palavras
do portugues (ramo italico) com o gales moderno (ramo celta) e linguas indo-europeias de outros ramos tais como
islandes moderno
(
ramo germanico
),
polones
/polaco (
ramo eslavo
),
grego moderno
(
ramo helenico)
e
armenio moderno
(ramo armenico):
Lingua italica
(portugues)
|
Lingua celta
(gales)
[
5
]
|
Lingua germanica
(islandes)
[
6
]
|
Lingua eslava
(polones)
[
7
]
|
Lingua helenica
(grego moderno
[
8
]
)
|
Lingua armenica
(armenio)
[
9
]
|
c
a
v
a
l
o
|
c
e
ff
y
l
a
|
hestur
|
k
o?
|
alago
(?λογο)
|
dzi
(??)
|
t
ou
r
o
|
t
a
rw
|
naut
|
byk
|
t
av
ro
s
(τα?ρο?)
|
ts'ul
(????)
|
p
eixe (cf.
p
e
sc
a
d
o)
|
p
y
sg
o
d
|
fi
sk
ur
|
ryba
|
p
sari
(ψ?ρι)
|
dzuk
(????)
|
c
ao
|
c
i
|
hundur
|
pies
|
k
ion
(κ?ων)
|
shun
(????)
|
m
e
s
|
m
i
s
|
m
onadur
|
m
i
es
i?c
|
m
ina
s
(μ?να?)
|
a
m
i
s
(????)
|
l
ua
|
ll
euad
|
tungl
|
ksi??yc
|
fengari
(φεγγ?ρι)
|
lu
sin
(??????)
|
d
e
nt
e
|
d
a
nt
|
t
o
nn
|
z?b
|
d
o
nt
i
(δ?ντι)
|
akkra
(?????)
|
chifre (cf.
corn
o)
|
corn
|
ho
rn
|
rog
|
k
e
r
ato
(κ?ρατο)
|
yeghjiwr
(??????)
|
t
u
|
t
i
|
þ
u
|
t
y
|
essi
(εσ?)
|
du
k'
(????)
|
n
os
|
n
i
|
við
|
my
|
emis
(εμε??)
|
menk'
(????)
|
um
|
un
|
ei
nn
|
jede
n
|
e
n
as
(?να?)
|
m
ek
(???)
|
d
ois/
du
as
|
d
au/
dw
y
|
t
veir/tvær
|
d
waj/
d
wie
|
d
io
(δ?ο)
|
yerku
(?????)
|
de
z
|
de
g
|
t
iu
|
dziesi??
|
de
ka
(δ?κα)
|
tasy
(????)
|
can
tar
|
can
u
|
syngja
|
?piewa?
|
tragudo
(τραγουδ?)
|
yergel
(?????)
|
n
adar
|
n
ofio
|
synda
|
pływa?
|
kolibo
(κολυμπ?)
|
loghaly
(??????)
|
m
o
rr
er
|
m
a
r
w
|
deyja
|
u
m
ie
r
a?
|
petheno
(πεθα?νω)
|
m
ahanal
(???????)
|
a
Note-se que, na ortografia galesa, a letra <c> sempre representa o som [k]; a letra <w> representa o som [u] e o digrafo <ff> representa [f].
Notas
Referencias
- ↑
≪Glottolog≫
. Consultado em 21 de marco de 2019
- ↑
Mapa etnografico da Iberia pre-romana (cerca de 200 a.C.)
- ↑
Watkins, Calvert (1966). ≪Italo-Celtic revisited≫.
Ancient Indo-European dialects
- ↑
1946-, Kortlandt, F. H. H. (Frederik Herman Henri), (2007).
Italo-Celtic origins and prehistoric development of the Irish language
. Amsterdam: Rodopi.
ISBN
9781429481304
.
OCLC
166291751
- ↑
Meurig), Evans, H. Meurig (Harold (1993).
Welsh-English, English-Welsh dictionary
. New York: Hippocrene Books.
ISBN
0781801362
.
OCLC
28174109
- ↑
R., Taylor, Arnold (1990).
Icelandic-English English-Icelandic dictionary
. New York, NY: Hippocrene Books.
ISBN
0870528017
.
OCLC
21130196
- ↑
≪Cambridge English-Polish Dictionary≫
. Cambridge University
. Consultado em 9 de marco de 2019
- ↑
Niki., Watts, (2008).
The Oxford New Greek Dictionary : Greek-English, English-Greek
American edition ed. New York: Berkley Books.
ISBN
9780425222430
.
OCLC
183267454
- ↑
Ourishian.
≪English Armenian Dictionary≫
. Nayiri
. Consultado em 9 de marco de 2019
- Cowgill, Warren (1975). "The origins of the Insular Celtic conjunct and absolute verbal endings", in H. Rix (ed.):
Flexion und Wortbildung: Akten der V. Fachtagung der Indogermanischen Gesellschaft, Regensburg, 9.?14. September 1973
. Wiesbaden: Reichert, 40?70.
ISBN 3-920153-40-5
.
- Forster, Peter and Toth, Alfred.
Towards a phylogenetic chronology of ancient Gaulish, Celtic and Indo-European
. PNAS Vol 100/13, July 22, 2003.
- Gray, Russell and Atkinson, Quintin.
Language-tree divergence times support the Anatolian theory of Indo-European origin
. Nature Vol 426, 27 nov 2003.
- McCone, Kim (1991). "The PIE stops and syllabic nasals in Celtic".
Studia Celtica Japonica
4
: 37?69.
- McCone, Kim (1992). "Relative Chronologie: Keltisch", in R. Beekes, A. Lubotsky, and J. Weitenberg (eds.):
Rekonstruktion und relative Chronologie: Akten Der VIII. Fachtagung Der Indogermanischen Gesellschaft, Leiden, 31. August?4. September 1987
. Institut fur Sprachwissenschaft der Universitat Innsbruck, 12?39.
ISBN 3-85124-613-6
.
- McCone, K. (1996).
Towards a Relative Chronology of Ancient and Medieval Celtic Sound Change
. Maynooth: Department of Old and Middle Irish, St. Patrick's College.
ISBN 0-901519-40-5
.
- Schmidt, K. H. (1988). "On the reconstruction of Proto-Celtic", in G. W. MacLennan:
Proceedings of the First North American Congress of Celtic Studies, Ottawa 1986
. Ottawa: Chair of Celtic Studies, 231?48.
ISBN 0-09-693260-0
.
- Schrijver, Peter (1995).
Studies in British Celtic historical phonology
. Amsterdam: Rodopi.
ISBN 90-5183-820-4
.