Ida B. Wells

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Ida B. Wells
Ida B. Wells
Ida B. Wells em c. 1893
Nascimento Ida Bell Wells
16 de julho de 1862
Holly Springs , Mississippi , ECA
Morte 25 de marco de 1931  (68 anos)
Chicago , Illinois , EUA
Nacionalidade norte-americana
Progenitores Mae: Elizabeth "Izzy Bell" Warrenton
Pai: James Wells
Conjuge Ferdinand Lee Barnett ( c.  1895)
Filho(a)(s) 6
Alma mater
Ocupacao Ativista dos direitos civis e dos direitos das mulheres , professora, jornalista e editora de jornal

Ida Bell Wells-Barnett ( Holly Springs , 16 de julho de 1862 ? Chicago , 25 de marco de 1931 ), mais conhecida como Ida B. Wells , foi uma jornalista , [ 1 ] editora de jornal, sufragista, feminista e sociologa norte-americana . [ 2 ] Ida tornou-se, sem sombra de duvida, a mulher negra mais famosa dos Estados Unidos, em uma epoca de profundo preconceito e violencia generalizada contra negros. [ 3 ] [ 4 ]

Uma das precursoras do movimento dos direitos civis , Ida foi uma das fundadoras da National Association for the Advancement of Colored People (NAACP) em 1909 com a ajuda do Partido Republicano o qual a pertenceu. [ 5 ]

Ida nasceu na escravidao em Holly Springs . Ganhou a liberdade com a Proclamacao de Emancipacao durante a Guerra de Secessao , mas perdeu os pais para a epidemia de febre amarela aos 16 anos, em 1878 . Assim, Ida precisou trabalhar para manter a familia, com a ajuda da avo. Mudou-se com os irmaos para Memphis , onde poderia encontrar um emprego como professora que pagasse melhor. Logo ela se tornaria uma das donas de um jornal, o Memphis Free Speech and Headlight. [ 3 ]

Em 1880, Ida documentou uma serie de linchamentos pelo pais. Mostrou como o linchamento era usado com frequencia no sul dos Estados Unidos para manter negros em constante estado de controle e punicao generalizada pelos brancos. Por seus textos sobre a cobertura dos linchamentos, que foram lidos por todo o pais, as prensas de seu jornal foram destruidas por uma turba de homens brancos. [ 6 ]

Sob constantes ameacas, Ida precisou sair de Memphis , mudando-se para Chicago . La ela se casou e constituiu familia, enquanto continuava escrevendo, palestrando e organizando passeatas pelos direitos civis pelo resto da vida. Ida foi franca sobre suas crencas como ativista negra e enfrentou a desaprovacao publica regularmente, que incluia lideres com pontos de vista divergentes tanto do movimento dos direitos civis quanto do movimento de sufragio feminino. Foi muito ativa no movimento feminista e do sufragio, estabelecendo varias organizacoes de mulheres. Era excelente na oratoria e na retorica, tendo viajado para o exterior para dar palestras. [ 7 ]

Infancia e adolescencia [ editar | editar codigo-fonte ]

A Casa Bolling-Gatewood, onde a familia Wells viveu, enquanto na escravidao e onde Ida nasceu

Ida Bell Wells nasceu em Holly Springs , Mississippi , em 16 de julho de 1862, [ 8 ] meses antes do presidente norte-americano Abraham Lincoln emitir a Proclamacao de Emancipacao , que libertou os escravos nos territorios confederados. Seus pais, James Wells e Elizabeth (Lizzie) Wells, nasceram escravos e ambos pertenciam ao arquiteto Spires Bolling . [ 9 ] [ 10 ] Ida tinha sete irmaos e morava com sua familia na casa do arquiteto, que hoje abriga o museu Ida B. Wells-Barnett. [ 11 ]

Sua mae era cozinheira e seu pai um carpinteiro que, depois da Guerra de Secessao ficou conhecido como um "homem de raca" que trabalhou para o avanco dos negros na conquista de direitos. [ 7 ] Bastante interessado em politica, James frequentou a Universidade Shaw, em Holly Springs (agora chamada Rust College), mas logo largou os estudos para cuidar da familia. Ele tambem participou de discursos e manifestacoes politicas a favor de candidatos negros, embora ele mesmo nunca tendo concorrido. Lizzy era muito religiosa e rigorosa com os filhos e junto do marido era bastante ativa no Partido Republicano. [ 11 ]

Ida tambem frequentou a Universidade Shaw, mas ela foi expulsa por comportamento subversivo depois de confrontar o presidente da faculdade. [ 12 ] Aos 16 anos, Ida soube que Holly Springs estava sofrendo uma epidemia de febre amarela enquanto ela visitava sua avo no Mississippi . Tanto sua mae, como seu pai e seu irmao mais novo (Stanley) morreram durante a epidemia, deixando ela e cinco irmaos orfaos. [ 12 ]

Comeco da carreira [ editar | editar codigo-fonte ]

Apos os funerais dos pais e do irmao, amigos e parentes decidiram que os seis filhos remanescentes deveriam ser separados e mandados para varias casas. Ida foi contra. Para manter a si mesma e os irmaos, ela conseguiu trabalho como professora em uma escola infantil para criancas negras. Sua avo paterna, Peggy Wells, junto de outros parentes e alguns amigos, se revezavam cuidando das criancas enquanto ela trabalhava. Sem essa ajuda, Ida nao teria conseguido manter a familia unida. [ 12 ] Ida se revoltava com o fato de professores brancos recebiam 80 dolares por mes, enquanto ela e os colegas negros recebiam apenas 30 dolares. Essa discriminacao a fez se interessar ainda mais por politica de raca e a fez lutar por melhorias no sistema educacional, especialmente para os jovens negros. [ 12 ] [ 7 ]

Em 1883, Ida levou tres de seus irmaos para morar com ela em Memphis , [ 13 ] para morar uma tia e estar mais proxima de outros parentes. Logo ela percebeu que podia ganhar mais ali como professora do que no Mississippi . Pouco depois de se mudar, ela foi contratada em Woodstock, no condado de Shelby [ 13 ] . Nas ferias de verao, ela fazia cursos de extensao na Universidade Fisk, apenas para negros, em Nashville . Estudou tambem em outras instituicoes, onde desenvolveu ainda mais sua visao politica provocou muita gente devido as suas opinioes a respeito dos direitos das mulheres. [ 14 ]

Em 4 de maio de 1884, um condutor de trem mandou que Ida cedesse seu lugar na primeira classe do vagao feminino e fosse para o vagao de fumantes, que ja estava lotado de passageiros. [ 14 ] Apenas um ano antes, a Suprema Corte dos Estados Unidos votou contra a Ata pelos Direitos Civis de 1875, que baniu a segregacao racial em transportes publicos. O veredito dava permissao para que ferrovias e seus funcionarios pudesse segregar racialmente seus passageiros. Quando Ida se recusou a dar seu lugar, o condutor e outros dois homens a arrastaram dali. Ida tornou-se figura publica em Memphis depois disso, ao escrever um artigo para o The Living Way , um semanario da igreja, sobre o tratamento que recebeu no trem. [ 13 ] [ 14 ]

Em Memphis, ela contratou um advogado negro para processar a empresa dona da ferrovia. Quando o advogado foi comprado pela empresa, ela contratou um advogado branco e ganhou a causa em dezembro de 1884, quando a corte local lhe garantiu uma indenizacao de 500 dolares. A companhia apelou a corte do estado, que reverteu a decisao da corte local e ainda a obrigou a pagar os custos do caso ao tribunal. [ 15 ]

Enquanto professora da escola infantil, Ida recebeu uma oferta de emprego no jornal Washington Evening Star , em Washington, D.C. . Ela tambem escrevia artigos para o jornal semanal The Living Way sob o pseudonimo de "Iola", que lhe rendeu grande reputacao por escrever sobre questoes raciais. Em 1889, tornou-se socia e editora do jornal anti-segregacao Free Speech and Headlight que foi criado pelo Reverendo Taylor Nightingale, [ 16 ] onde publicava artigos sobre a segregacao racial. [ 12 ] [ 7 ]

Em 1891 ela foi despedida da escola pelo Conselho de Educacao de Memphis, depois de escrever varios artigos criticando as condicoes das escolas segregadas da regiao. Ida ficou profundamente triste com isso, mas concentrou todas as suas energias em escrever seus artigos. [ 15 ] Em 1889, Thomas Moss, amigo da familia de Ida, abriu uma doceria em um bairro apenas para negros na periferia de Memphis. Ida era madrinha de um dos filhos de Thomas e muito amiga da familia. Como a doceria de Thomas faturava muito mais que a doceria dos brancos do outro lado da rua, uma turba furiosa de brancos destruiu o lugar enquanto Ida estava no Mississippi , em 1892. Na confusao, tres homens brancos foram baleados e Thomas e mais dois amigos foram presos sob fianca. Uma imensa turba de brancos acabou invadindo a cadeia publica e matou os tres homens la detidos. [ 17 ] Sobre isso, Ida escreveu:

Ida enfatizou em seus varios textos o espetaculo publico proporcionado pelos linchamentos. Mais de 6 mil negros atenderam a seu apelo e deixaram Memphis. Outros organizaram boicotes aos estabelecimentos dos brancos. Apos ser ameacada, Ida acabou comprando uma arma de fogo.

Obras [ editar | editar codigo-fonte ]

A Red Record [ editar | editar codigo-fonte ]

A obra A Red Record (1895) de Ida B. Wells retrata a recorrente pratica de linchamentos de pessoas negras nas principais cidades sulistas dos Estados Unidos no sec. XIX . Trata-se de um trabalho jornalistico que utiliza de estatisticas publicadas em diversos jornais da epoca com o objetivo de descrever e denunciar o que Wells chama de “Lei do Linchamento” (Lynch Law).

Prefacio [ editar | editar codigo-fonte ]

Carta de Frederick Douglass a Ida B. Wells:

Prezada Senhorita Wells,

Deixe-me agradece-la por seu fiel artigo sobre os abominaveis linchamentos agora praticados em geral contra pessoas de cor no Sul. Nao houve palavra igual a sua em poder de convencimento. Eu tenho falado, mas minha palavra e debil em comparacao. Voce nos da o que sabe e testemunha com base no conhecimento real. Voce lidou com os fatos com uma fria e diligente fidelidade, e deixou esses fatos nus e incontestes falarem por si mesmos. Brava mulher! Voce prestou ao seu povo e ao meu um servico que nao pode ser nem pesado nem medido. Se a consciencia americana estivesse ao menos meio viva, se a Igreja e o clero americanos fossem ao menos meio cristianizados, se a sensibilidade moral americana nao fosse endurecida pela aflicao persistente do ultraje e do crime contra pessoas de cor, um grito de horror, vergonha e indignacao subiria ate o Ceu onde quer que seu panfleto seja lido. Mas infelizmente! ate mesmo o crime tem o poder de se reproduzir e criar condicoes favoraveis a sua propria existencia. As vezes parece que estamos abandonados pela terra e pelo Ceu - ainda assim, nos devemos pensar, falar e trabalhar, e confiar que o poder de um Deus misericordioso trara a libertacao final.

Com muita sinceridade e gratidao,
— Frederick Douglass

  [ 19 ]

Capitulo I - O caso declarado [ editar | editar codigo-fonte ]

Na epoca da escravidao , o objetivo do homem branco era dominar a alma do homem negro e preservar seu corpo para o trabalho, mantendo-o subserviente. Entretanto, com a Emancipacao , e, com isso, a quebra do sistema de dominacao por meio da escravidao , o povo branco sulista passou a adotar diferentes estrategias de dominacao sobre o povo negro. Com isso, um novo sistema de intimidacao passou a valer: o negro deixou de ser acoitado e passou a ser assassinado. Ida B. Wells inicia o capitulo I de A Red Record mencionando que, nas ultimas tres decadas, apenas uma pequena parte dos assassinatos cometidos por homens brancos contra pessoas negras vieram a tona. Contudo, as proprias noticias publicadas nos jornais, cujos donos eram tambem homens brancos, poderiam ser sistematizadas para provar que, nesse periodo de tempo, mais de dez mil pessoas negras foram assassinadas a sangue frio sem um julgamento legal. Segundo a autora, na medida em que ha uma ideologia racista que sustenta a pratica de linchamento , que sistematica e intencionalmente esconde ou justifica tal pratica atraves de mentiras e distorcoes, e necessario oferecer o outro lado da historia.

Torna-se um doloroso dever do negro reproduzir um registro que mostra que uma grande parte do povo americano confessa a anarquia, tolera o assassinato e desafia o desdem da civilizacao. Estas paginas nao foram escritas com espirito vingativo, pois todos que consideram o assunto devem admitir que e muito grave a condicao daquele governo civilizado em que o espirito de desenfreado desacato a lei aumenta constantemente em violencia e lanca sua praga sobre uma area crescente do territorio. Nos imploramos nao apenas pelas pessoas de cor , mas por todas as vitimas da terrivel injustica que leva homens e mulheres a morte sem a formalidade da lei. Durante o ano de 1894, houve 132 pessoas executadas nos Estados Unidos pela devida formalidade da lei, enquanto no mesmo ano, 197 pessoas foram mortas por turbas que nao deram as vitimas a oportunidade de fazer uma defesa legal. Nenhum comentario precisa ser feito sobre a condicao do sentimento publico responsavel por resultados tao alarmantes. O proposito das paginas que se seguem sera dar o registro que foi feito, nao por homens de cor, mas daquilo que e resultado de compilacoes feitas por homens brancos, de relatorios enviados ao mundo civilizado por homens brancos do Sul . De suas proprias bocas os assassinos serao condenados. Por varios anos, o Chicago Tribune , reconhecidamente um dos principais jornais da America, tornou a compilacao de estatisticas sobre linchamento uma especialidade. Os dados compilados por aquela revista e publicados ao mundo em 1º de janeiro de 1894, ate o presente, nao foram contestados. A fim de evitar a acusacao de exagero, os incidentes a seguir relatados foram confinados aos atestados pelo Tribune (p. 77-78, WELLS). [ 19 ]

O linchamento por parte do homem branco foi sempre acompanhado de uma justificativa especifica que tinha como objetivo legitimar a pratica na esfera publica. Wells fez uso da estatistica para mostrar, pelo poder da agregacao de dados, que tais justificativas eram infundadas e incoerentes (Murakwa, 218) [ 20 ] . Pelo menos tres justificativas foram dadas ao longo das tres decadas para sustentar tamanha violencia. A primeira justificativa dada para o assassinato de pessoas negras foram os supostos “motins raciais”. De 1865 a 1872, centenas de pessoas negras foram impiedosamente mortas, sendo que a caracteristica notavel de tais eventos e a de que apenas pessoas negras foram mortas, enquanto todos os homens brancos escaparam ilesos. A verdade, ressalta Wells, e que nenhuma insurreicao jamais aconteceu, nenhuma pessoa negra sequer foi presa ou provada culpada de participar de motins.

Membros da Ku Klux Klan , 17 de marco de 1922.

Quando o homem branco do Sul nao mais conseguiu sustentar tal mentira, surge a segunda justificativa. Gracas a 15° Emenda da Constituicao , o povo negro recebeu o direito ao voto e, em teoria, sua cedula se tornou um emblema de cidadania. Mesmo com direitos politicos formalizados na Constituicao, as pessoas negras enfrentaram severas dificuldades para exercer seu direito de voto ou a expressao publica de suas opinioes politicas. Wells aponta que, segundo o sulista, o homem branco deveria governar, o que resultou no imperativo “Nenhuma dominacao negra?” atraves de grupos reacionarios extremistas como a Ku Klux Klan , os Reguladores e as multidoes raivosas. Os massacres em Yazoo , Hamburgo , Edgefield , Copiah ficaram famosos pela brutalidade de tais grupos. O povo negro lutou sem exito pelo direito a cidadania, o Estado americano que fez do negro um cidadao se viu incapaz de protege-lo, e a vitoria do homem branco veio, mas repleta de fraude, violencia e assassinato. Wells ainda ressalta que o direito ao voto concedido ao povo negro nasceu e cresceu para ser uma “idealidade esteril”, [ 19 ] ja que este nao tinha voz no ambito politico e social.

Ora, com os governos do Sul subvertidos, o povo negro excluido de toda participacao nas eleicoes estaduais e nacionais, a tese de “dominacao negra” perdeu forca e a segunda desculpa dada pelo homem branco perdeu valor. Entretanto, a brutalidade sanguinaria continuou, os negros seguiram sendo violentados a luz do dia, mas o mundo civilizado, como diz a autora, passou a responsabilizar com certa persistencia os brancos do Sul por seus crimes. E neste contexto que surge a terceira desculpa: os negros deveriam ser mortos para vingar as agressoes as mulheres. Esta justificativa, por sua vez, nao poderia ser mais prejudicial ao negro e benefica ao homem branco, ja que a sociedade, pelo menos e tese, jamais aceitaria que as mulheres fossem violentadas.

Assim, a sociedade acreditou na desculpa dada pelo homem branco. Para um homem branco do Sul, qualquer relacao existente entre uma mulher branca e um homem negro e fundamento suficiente para a acusacao de estupro, ja que para o sulista e impossivel existir uma alianca voluntaria entre ambos. Logo, qualquer relacao interracial existe sob coercao. Sao numerosos os casos, salienta a autora, em que homens negros foram linchados ate a morte mesmo sendo indiscutivelmente provado que a relacao se dava de forma consensual.

Wells reitera que durante todos os anos de escravidao jamais foram feitas acusacoes de estupro contra o homem negro, nem mesmo no decorrer dos conturbados dias da rebeliao durante a Guerra da Secessao . Ou seja, nem quando o homem branco foi a guerra lutar pela manutencao do sistema de escravidao ocorreram tais acusacoes de abuso sexuais praticado por homens negros. Do mesmo modo, durante o periodo de supostos motins raciais, nunca ocorreu ao homem branco que as mulheres de suas familias estivessem em perigo de agressao; bem como na era da Reconstrucao, quando o clamor foi contra a suposta tentativa de dominacao negra. Assim, para justificar a propria barbarie, o homem branco se utilizou da ameaca de estupro de mulheres brancas por homens negros para estabelecer a logica de criminalizacao da populacao negra. [ 19 ]

Capitulo II - Estatisticas da lei do linchamento [ editar | editar codigo-fonte ]

No capitulo II, Wells traz as estatisticas do que ela chama de “Lei do Linchamento” (Lynch Law), com base nos dados compilados no jornal Chicago Tribune , publicados no final de cada ano. A autora sistematiza e organiza os casos de linchamento da seguinte forma: crime imputado, data, nome da vitima e local do linchamento. Alguns dos crimes imputados as pessoas negras sao: incendio, envenenamento de gado, envenenamento de poco, agressao, insulto a brancos, preconceito racial, assassinato e estupro ? tendo este ultimo o maior numero de vitimas. Wells acrescenta que no ano anterior, 1892, nem um terco das vitimas linchadas foram acusadas de estupro. Segue um trecho do Cap. II e a forma de sistematizacao de Wells:

ESTUPRO: Jan. 19, James Williams, Pickens Co., Ala.; Fev. 11, negro degsconhecido, Forest Hill , Tenn.; Fev. 26, Joseph Hayne, ou Paine, Jellico , Tenn.; Nov. 1, Abner Anthony, Hot Springs , Va.; Nov. 1, Thomas Hill, Spring Place, Ga.; 24 de abril, John Peterson, Denmark , S.C.; 6 de Maio, Samuel Gaillard, ??, S.C.; 10 de maio, Haywood Banks, ou Marksdale, Columbia , S.C.; 12 de Maio, Israel Halliway, Napoleonville , La.; 12 de maio, negro desconhecido, Wytheville , Va.; 31 de Maio, John Wallace, Jefferson Springs, Ark.; 3 de Junho, Samuel Bush, Decatur, Ill.; 8 de Junho, L. C. Dumas, Gleason , Tenn.; 13 de Junho, William Shorter, Winchester , Va.; 14 de Junho, George Williams, perto de Waco , Tex.; 24 de Junho, Daniel Edwards, Selina or Selma , Ala.; 27 de Junho, Ernest Murphy, Daleville , Ala.; 6 de Julho, negro desconhecido, Poplar Head, La.; 6 de Julho, negro desconhecido, Poplar Head, La.; 12 de Julho, Robert Larkin, Oscola, Tex.; 17 de Julho, Warren Dean, Stone Creek, Ga.; 21 de Julho, negro desconhecido, Brantford , Fla.; 17 de Julho, John Cotton, Connersville, Ark.; 22 de Julho, Lee Walker, New Albany , Miss.; 26 de Julho, ?? Handy, Suansea, S.C.; 30 de julho, William Thompson, Columbia , S.C.; 28 de Julho, Isaac Harper, Calera , Ala.; 30 de Julho, Thomas Preston, Columbia, S.C.; 30 de Julho, Handy Kaigler, Columbia , S.C.; Ago. 13, Monroe Smith, Springfield, Ala.; Ago. 19, negro desconhecido, perto de Paducah , Ky.; Ago. 21, John Nilson, perto de Leavenworth , Kan.; Ago. 23, Jacob Davis, Green Wood , S.C.; Set. 2, William Arkinson, McKenney, Ky.; Set. 16, negro desconhecido, Centerville, Ala.; Set. 16, Jessie Mitchell, Amelia C. H., Va.; Set. 25, Perry Bratcher, New Boston , Tex.; Out. 9, William Lacey, Jasper , Ala.; Out. 22, John Gamble, Pikesville , Tenn (p. 81-82, WELLS). [ 19 ]

A estrategia de Wells pretendia nao apenas denunciar a incoerencia das alegacoes a favor dos linchamentos, mas ainda mostrar o modo como a ideologia racista invertia suas acoes, ao marcar as vitimas como criminosos e os criminosos como vitimas (Murakawa, 2018) [ 20 ] . Isso fica claro nos capitulos posteriores, quando a autora denomina os titulos dos capitulos com os crimes atuais dos linchadores brancos. Ou seja, o restante do livro e uma organizacao dos crimes e assassinatos praticados por brancos. De acordo com Murakawa, Wells realiza uma modificacao no modo como os linchamentos sao anunciados, a fim de mostrar como a ideologia da supremacia branca justificava seus crimes atraves da “construcao social da ameaca criminal negra”, ou seja, atraves da identificacao de pessoas negras como criminosos. Para isso, Wells expoe apenas vitimas negras de linchamento e organiza os dados de acordo com o suposto crime realizado pelas vitimas. [ 20 ]

Capitulo III - Linchamento de "imbecis" [ editar | editar codigo-fonte ]

No capitulo III, Wells pretende jogar luz sobre a incoerencia do homem branco sulista que, embora seguro de sua benevolencia, acoitou e linchou pessoas negras incapazes de serem responsabilizadas por seus atos. Isto e, existe o principio legal e social de salvaguardar a vida humana, de modo a impedir a execucao de um criminoso caso este seja considerado “imbecil” (i mbeciles ) ? termo pejorativo usado pela autora que abrange a deficiencia intelectual, os disturbios psiquicos e vicios, como o alcoolismo . Este fato, entretanto, jamais impediu o homem branco de violentar e linchar pessoas negras em tais condicoes. O primeiro caso conta que Hamp Biscoe, sua esposa e seus dois filhos foram brutalmente assassinados, ainda que a condicao psiquica de Biscoe, que sofria de Transtorno de Personalidade Paranoide (TPP), fosse amplamente conhecida pela comunidade. Ja o segundo caso narra que Henry Smith foi cruelmente torturado e queimado vivo sob grande comocao da comunidade, que comemorou o linchamento, embora fosse de conhecimento geral que Smith sofresse com o alcoolismo . Trecho do relato do reverendo King que teria tentado impedir o linchamento de Smith:

Eu o odiei por seu crime, mas dois crimes nao fazem uma virtude; e na breve conversa que tive com Smith eu fiquei mais firmemente convencido do que nunca de que ele era irresponsavel. Eu conhecia Smith ha anos, e houve momentos em que Smith esteve fora de si por semanas. Ha dois anos me esforcei para coloca-lo em um asilo, mas os brancos estavam tentando imputar a ele o assassinato de uma jovem de cor e nao quiseram ouvir. Por dias antes do assassinato da garotinha Vance, Smith estava fora de si e era perigoso. Ele acabara de sofrer um ataque de delirium tremens e nao estava em condicoes de ser liberado. Ele percebeu sua condicao, pois falei com ele ha menos de tres semanas e, em resposta as minhas exortacoes, ele prometeu se reformar. A proxima vez que o vi foi no dia de sua execucao (p. 91-92, WELLS). [ 19 ]

Capitulo IV - Linchamento de homens inocentes [ editar | editar codigo-fonte ]

O capitulo IV aborda o linchamento em ocorrido em Louisiana , em julho de 1893, de um homem negro chamado Roselius Julian, apos atirar e matar um homem branco, o juiz Victor Estopial. Alegou-se que Julian havia disparado por ressentimento em funcao de um insulto feito a sua esposa, porem o que motivou o crime de Julian foi a defesa de sua casa. Julian fugiu, nunca sendo encontrado. Devido a isso, seus irmaos foram linchados em seu lugar. [ 19 ]

Capitulo V - Linchamento por qualquer coisa ou nada [ editar | editar codigo-fonte ]

No capitulo V foram apresentados casos de linchamentos dos anos 1891, 1892 e 1893. Os casos de linchamentos do ano de 1893 nao tiveram grande relevancia para a comunidade, mesmo havendo a necessidade de se relatar e tratar das causas que levaram a tais crimes. De certa maneira, isso demonstra que a Lei de Linchamento se normalizou nos Estados Unidos, pois as autoridades que tinham o poder de fazer justica simplesmente ignoraram ou se mostraram indiferentes.

Houve tambem o linchamento como resultado de uma suposta agressao em Memphis , Tennessee , uma das cidades mais ricas dos Estados Unidos a epoca. Duas mulheres estavam em uma carroca em direcao a cidade, quando foram surpreendidas por Lee Walker. Ele dizia estar com fome, mas elas afirmaram que ele tentou agredi-las. Como era de costume, o alarde foi feito e logo a noticia se espalhou pela cidade. Walker foi encontrado, preso e entao linchado ate a morte. Indiferente, a populacao assistiu a todo o cenario terrivel. Esse linchamento foi noticiado nos jornais Chicago Inter Ocean e Public Ledger, nao sendo possivel alegar que as autoridades nao tinham conhecimento do ocorrido. Nada foi feito: nenhuma investigacao ou julgamento foi realizado. [ 19 ]

Capitulo VI - Historico de alguns casos de estupro [ editar | editar codigo-fonte ]

No capitulo VI, Wells relata casos em que homens negros sao acusados de agredir mulheres brancas, e de homens brancos que abusaram de pessoas negras do sexo feminino, incluindo meninas. Conforme Wells, era imprescindivel assegurar o direito a defesa para as pessoas negras acusadas de cometer estupros . O povo negro teve a necessidade e foi forcado a defender seu nome, a mostrar que o crime de estupro era infundado, nao passando de suposicoes carregadas de preconceito. A autora Linda O. McMurry, em To Keep the Waters Troubled: The Life of Ida B. Wells , a respeito das falsas acusacoes de estupro

[...] despojando os homens negros nao apenas de seu poder, mas tambem seu orgulho. Os homens brancos do sul definiram a masculinidade em parte como a capacidade de proteger suas mulheres "indefesas". Para negar a masculinidade negra, eles proibiram qualquer contato sexual entre homens negros e mulheres brancas, ao mesmo tempo em que reivindicam elas mesmas o direito de acesso sexual as mulheres negras. O linchamento foi uma grande ferramenta para a emasculacao dos homens negros. Para apoiar os seus homens e para contrariar os desafios a masculinidade negra, as mulheres negras geralmente assumiam alguns dos papeis desempenhados pelas mulheres brancas nesta sociedade patriarcal. Eles tambem deveriam ser submissos e dar apoio em vez de para fornecer lideranca. (p. 14, 1998). [ 21 ]

Em Arkansas , Edward Coy foi amarrado em uma arvore e linchado aos olhos de quinze mil pessoas que assistiram do inicio ao fim o seu martirio. Coy foi perseguido apos ser delatado pela mulher com quem teve um relacionamento, devido a ameacas que esta sofreu. Mesmo havendo o consentimento de ambas as partes no relacionamento em meio privado, quando o romance veio a tona, Coy se tornou um suposto agressor. [ 19 ]

Capitulo VII - A cruzada se justifica [ editar | editar codigo-fonte ]

No capitulo VII, na secao " Um apelo da America para o mundo" , Wells se dirige a outras nacoes para mostrar em que circunstancias ocorreram os casos de linchamento pelos Estados Unidos , e argumenta que a sua cruzada se justifica como movimento politico para o fim desses casos hediondo de "abate de seres humanos" e por uma melhora nas condicoes de vida das pessoas negras. Ela acrescenta que esses recorrentes atos de violencia sao realizados com a cumplicidade da policia, dos governantes e do Estado que, ao inves de garantir o direito de defesa dessas pessoas que foram massacradas pela Lei dos Linchamentos, que habilitou os perpetuadores brancos a permanecerem impunes nos estados do Sul do pais.

Na secao " Horrorosa Barbarie Ignorada" , Wells narra como e vingativa e moralmente reprovavel a acao dos agressores, e detalha o envolvimento da policia em pelo menos um desses ataques. Segundo conta, em setembro e outubro de 1894, seis homens pretos foram vitimados em um massacre horrendo. A propria Policia de Memphis teria dirigido os acusados ate uma emboscada, onde foram fuzilados. Eles estavam sob custodia policial e teriam declarado que poderiam facilmente provar em julgamento, que eram inocentes das acusacoes prestadas contra eles. Wells aponta que segundo os valores propagados pelos fundadores dos EUA , qualquer cidadao deveria ficar escandalizado com tamanha demonstracao de barbarie e de injustica. Ao contrario, descreve com grande indiferenca o comportamento da midia e de grande parte dos cidadaos do Sul ao crime.

Na secao intitulada "O acordar da America" , Wells mostra que o terrivel massacre citado anteriormente rendeu um posicionamento do Gov. Jones, de Alabama , no qual lamenta que as pessoas tenham sido raptadas enquanto estavam sob custodia policial, e que tenham sido assassinadas. Ele clama que situacoes como essas nao se resolvem sem que seus culpados sejam indiciados, que a solucao (remedio) para crimes como esses nao ocorrem no silencio, que promove esse sentimento coletivo de aprovacao sobre esses atos hediondos. Pois o silencio indica que ou a policia aprova esses crimes ou e muito fraca para puni-los. Em ambos os casos, devemos clamar por melhorias na conduta policial para prevencao de futuros crimes deste tipo.

Por fim, em "Um amigavel aviso" , a autora relata como o estabelecimento do comite anti-linchamentos deu resultados apos a adesao de pessoas influentes, mesmo a campanha midiatica contra Wells nao foi capaz de controlar a adesao de um boicote, pois industrias britanicas, mesmo que nao politizadas, decidiram nao investir em estados cujos massacres da populacao negra estivessem acontecendo. As razoes pelas quais nao haveria investimentos de capital ingles nesses estados do Sul diz respeito a mao-de-obra . Segundo consta no London Times , forte opositor do comite anti-linchamentos, as empresas britanicas nao investiriam em industrias em solo sulista, onde esses ataques estivessem acontecendo, porque grande parte da sua mao de obra seria composta de trabalhadores negros mal remunerados. Isso fez com que os lideres de Estados sulistas questionassem se permitir esse comportamento vingativo e sangrento de seus cidadaos valeria a perda do capital ingles. [ 19 ]

Capitulo VIII - A posicao da senhorita Willard [ editar | editar codigo-fonte ]

Frances Willard

O capitulo explora o posicionamento da Srta. Frances Willard como modelo de opiniao publica da epoca sobre os recorrentes casos de linchamento . Neste capitulo, podemos observar as justificativas dadas para o uso do linchamento da populacao negra, que tambem ficaram conhecidas como "as tres desculpas " que foram mais usadas para justificar o exterminio da populacao negra: 1) da necessidade de conter revoltas de cunho racial; 2) da necessidade da manutencao do poder atraves da vantagem numerica do voto; 3) da construcao social da criminalizacao da populacao negra.

Willard liderou a Woman's Christian Temperance Union (WCTU), que, segundo Wells, seria na epoca a mais poderosa ONG de mulheres dos EUA. A autora questiona por que a WCTU, que oferece ajuda humanitaria aos mais necessitados, nao se posiciona contra os linchamentos recorrentes nos estados do Sul, visto que a populacao negra seria aquela que se encontra em maior vulnerabilidade social devido ao periodo da escravidao. Wells se questiona se evitar linchamentos nao seria uma pauta legitima para a associacao crista, alem de pontuar a omissao da WCTU, assim como dos demais cristaos, que demonstrava indiferenca a barbarie recorrente nos estados do Sul.

A autora tambem acrescenta que Willard, em seu discurso anual realizado em 5 de Novembro de 1894, como lider da organizacao WCTU, ataca o movimento anti-linchamento. Wells conta que a Srta Willard lamenta brevemente os numerosos linchamentos de 84, mas que no seguinte paragrafo dispara contra a jornalista.

Frances Willard argumenta que exigir um posicionamento da WCTU. contra os linchamentos e a atuacao das milicias , conhecida como " Lynch Law ", seria colocar este fardo injustamente sobre a metade da populacao branca, composta por mulheres. Mas Wells argumenta que para uma ativista dos direitos das mulheres e defensora de reformas morais, nao parece inadequado questiona-la sobre sua agenda, em especifico sobre o que se tem feito para evitar futuros casos de linchamentos. Para Wells, fica clara a conivencia da WCTU com os linchamentos como o metodo vigente de coercao popular contra negros nos estados do Sul .

Eu disse na epoca e repito agora, que em todos os dez terriveis anos de tiroteio, enforcamento e queima de homens, mulheres e criancas nos Estados Unidos, a Uniao Crista de Mulheres de Temperanca nunca sugeriu um plano ou fez um movimento para evitar esses crimes terriveis (p.138, WELLS). [ 19 ]

Essa declaracao resultou em um processo da Srta. Willard contra Ida Wells, no qual a autora perdeu. Como a Srta. Willard nao conseguiu negar a verdade destas afirmacoes, foi feita a acusacao de que Ida Wells teria atacado a Srta. Willard e deturpado a imagem da WCTU. A seguir, podemos identificar como no discurso da ativista crista se articulam "as tres desculpas" nas seguintes declaracoes. Embora a Srta. Willard vivesse nos Estados do Norte ela se mostra favoravel ao modo de vida sulista:

Srta. Willard: Eles tem as tradicoes, a bondade, a probidade, a coragem de nossos antepassados. O problema em suas maos e imensuravel. Pois a 'raca negra' se multiplica como os gafanhotos do Egito . [ 19 ]

Observa-se que, segundo a Ativista Crista, o aumento da populacao negra e considerado um enorme problema social, alem do obvio paralelo racista tracado entre a populacao negra e as sete pragas do Egito . Como podemos ver nos trechos destacados, a populacao branca temia perder o poder sobre a populacao negra, poder considerado legitimo no periodo da escravidao . Com o final da Guerra da Secessao , a escravidao foi abolida nacionalmente, entretanto, os metodos de coercao da populacao negra empregados nesse sistema permaneceram vigentes, pois havia o medo de que os recem libertos se rebelassem. A desculpa numero dois aparece novamente quando a Srta. Willard se posiciona em defesa do modo de vida sulista e seus valores:

Agora, quanto ao 'problema racial' em seu significado minucioso e atual, sou uma verdadeira amante do povo do sul - falei e trabalhei em, talvez, 200 de suas cidades e vilas; fui levada ao seu amor e confianca em dezenas de fogueiras hospitaleiras;(...). Acho que nos [cidadaos do Norte] prejudicamos o Sul, embora nao tivessemos a intencao de faze-lo. A razao foi, em parte, o fato de termos nos enganado irremediavelmente ao nao colocarmos nenhuma protecao nas urnas do Norte que separaria os analfabetos. Eles governam nossas cidades hoje; o salao e o palacio dele. Nao e justo que eles votem, nem e justo que um negro de plantacao, que nao sabe ler nem escrever, cujas ideias sao limitadas pela cerca de seu proprio campo e pelo preco de sua propria mula, seja encarregado da cedula. Deveriamos ter colocado um teste educacional na cedula desde o primeiro momento (p.135, WELLS). [ 19 ]

A desculpa numero dois aparece mais uma vez quando a Srta. Willard dispara:

"O fato e que os negros analfabetos nao votarao no Sul ate que a populacao branca opte para que o facam; e em condicoes semelhantes eles nao o fariam no Norte " (p.136, WELLS). [ 19 ]

Deste modo, a autora relata que durante o periodo da Reconstrucao dos Estados Unidos , era comum que homens brancos meio bebados assassinassem pessoas negras proximas das urnas, ou as intimidassem para que nao votassem. A desculpa numero tres aparece no argumento da Srta. Willard, que afirma que os linchamentos seriam usados como medida preventiva:

A seguranca da mulher, da infancia, do lar, esta ameacada em mil localidades neste momento, para que os homens negros nao ousem ir alem da visao de sua propria arvore de cobertura (p.135, WELLS). [ 19 ]

Ou seja, a desculpa numero tres posiciona todo homem negro como provavel assassino e predador sexual. Assim, o argumento em defesa das mulheres (brancas) e da familia e fundamentado na prerrogativa de que pessoas negras seriam mais violentas; mais propensas a criminalidade e abusos sexuais: ser negro e igual a ser criminoso. Portanto, para a Srta. Willard, e aqueles que compartilham seu posicionamento, os homens brancos milicianos tem o direito de perseguir e assassinar pessoas negras, pois essa violencia cometida por brancos e avaliada como uma medida preventiva. Pois a sua finalidade e reduzir a criminalidade (negra) e tornar a sociedade um ambiente mais seguro para brancos. [ 19 ]

Capitulo IX - O registro de linchamento para 1894 [ editar | editar codigo-fonte ]

No capitulo IX, foram apresentadas mais estatisticas sobre linchamentos retirados por Wells das colunas do Chicago Tribune em 1 de janeiro de 1895. Elas mostram, entre outras coisas, que em Louisiana , de 23 a 28 de abril, oito negros foram linchados porque um homem branco foi morto pelo negro, este ultimo agindo em legitima defesa. Mas apenas sete deles foram indicados na lista. Ja no condado de Brooks , Ga., 23 de dezembro, enquanto o pais cristao se preparava para a celebracao do Natal , sete negros foram linchados em vinte e quatro horas porque se recusaram, ou nao puderam dizer o paradeiro de um homem negro chamado Pike, que matou um homem branco. As esposas e filhas destes homens linchados ficaram horrivelmente e brutalmente indignadas com os assassinos de seus maridos e pais. Mas a multidao nao foi punida. [ 19 ]

Capitulo X - A solucao [ editar | editar codigo-fonte ]

Wells realizou um trabalho investigativo e sistematico ao recolher as noticias vinculadas no jornal nas datas em que os supostos crimes pelos quais homens negros foram linchados teriam ocorrido. Assim, ela encontrou muitas incongruencias na narrativa criada pela policia aos fatos relacionados ao crime. Podemos perceber que a autora se utiliza dos recursos quantitativos para situar o leitor do contexto social em que esses crimes foram cometidos. O periodo da Reconstrucao dos Estados Unidos foi terrivelmente marcado por inumeros casos de linchamentos de homens negros. Entretanto, a maneira como Wells apresenta os casos ao longo desta obra e ainda mais relevante ja que ela organiza os casos em categorias de acordo com a acusacao que consta na queixa-crime. Se analisarmos estatisticas como a autora as expoe, ao inves de estarmos analisando uma vasta lista de suspeitos de delitos violentos, como estupro e assassinatos, estaremos frente a lista de homens negros que foram linchados por homens brancos, sem o direito de defesa.

Wells argumenta que a finalidade desse panfleto nao e alegar que todos os mil homens, mulheres e criancas negras, ? enforcados, baleados e queimados vivos neste periodo de dez anos ? eram inocentes das acusacoes feitas contra eles. Mas, sim, evidenciar que a punicao nao e a mesma para as classes de criminosos, visto que no linchamento nao e dado ao negro a oportunidade de se defender contra as acusacoes nao infundadas de homens e mulheres brancos. Ja esta estabelecido que a palavra do acusador e a unica considerada verdadeira e a articulacao da milicia exige que o Estado de direito seja revertido. O onus da prova foi invertido, pois em vez de se provar que o acusado e culpado, o inverso acontece: e a vitima desse crime de odio quem deve provar a sua inocencia. Mas nesse contexto, nenhuma prova que ele possa oferecer satisfara a mobilizacao do poder paralelo. Wells descreve que, nesse cenario, "o homem ja esta atado de maos e pes e se atira para a eternidade". E que depois, para justificar tamanha barbaridade, esse mesmo poder paralelo quase sempre relata que a vitima fez uma confissao completa antes de ser enforcada.

Primeiramente, os acusados em sua maioria foram indiciados por crimes diferentes daqueles descritos nas reportagens. Por exemplo, dado individuo teria sido linchado supostamente por tentativa de homicidio, nas reportagens da epoca o jornal nao noticiou nenhuma tentativa de homicidio nas datas correspondentes. Ou entao, caso tenha noticiado algum crime cometido, seria algum delito menos violento. Fato e que muitas das informacoes dadas a policia nao correspondem ao suposto crime cometido. Aparentemente os dados ou eram falsos ou foram alterados para que as acusacoes de crimes como estupro e assassinatos aparecessem como o principal motivo dos linchamentos . O que Wells exige, portanto, e que a justica seja feita baseada em fatos, nao em especulacoes moralmente comprometidas. Que se garanta o julgamento justo por lei para todos os acusados de crime, e que se execute a punicao determinada por lei apos a condenacao honesta. Nao e solicitada simpatia pelos criminosos, apenas que a lei seja aplicada a todos da mesma forma. O que e requisitado no manifesto Red Record e que aqueles que controlam as instituicoes publicas garantam o devido cumprimento da lei.

Assim como aqueles que aderirem ao movimento estimulem a propagacao do conhecimento dos fatos envolvidos nos crimes da milicia, para que os sentimentos morais nao sejam inflamados com afirmacoes falsas e representacoes enganosas sobre o carater da populacao negra. Para que a America seja verdadeiramente a "terra dos livres e o lar dos corajosos" e necessario que investigacao empirica dos supostos crimes prevaleca, mas tambem que a opiniao publica possa ser readequada para o momento historico pos abolicao da escravatura, atraves do abandono do sistema de coercao herdado do sistema escravocrata . [ 19 ]

O legado de Ida B. Wells [ editar | editar codigo-fonte ]

Ida B. Wells foi uma jornalista investigativa que sistematizou estatisticas de um verdadeiro projeto de exterminio da populacao negra nos EUA . Para compreende-lo, em toda sua gravidade moral , e preciso analisar como as ideologias raciais desumanizam os sujeitos racializados . Como podemos perceber, o que a autora tenta explicitar e que ser afro-americano no contexto descrito por Wells implica: nao ter direitos civis; nao ser considerado como testemunho confiavel; nao poder circular livremente; ter de obedecer as Leis de Jim Crow de segregacao racial , estar sujeito a todo tipo de violencia da populacao branca e do Estado. Assim, a pratica de linchamentos era recorrente nos Estados do Sul. Atraves da analise dos dados, fica claro que a Lei dos Linchamentos acontecia com o apoio dos cidadaos locais, governantes, chefes de policia e do Estado que distorciam os fatos para criar uma narrativa capaz de justificar seus preconceitos .

Dessa forma, Wells inicia sua cruzada anti-linchamentos atraves da demonstracao de que tais manifestacoes populares nao eram moralmente justificadas. Seu trabalho de recuperacao e sistematizacao dos dados de violencia veiculados pela imprensa local possibilitou que ela apontasse as discrepancias presentes na narrativa policial e midiatica dos linchamentos . A intencao de Wells era investigar e trazer a tona a verdade sobre os motivos das barbaras agressoes e execucoes direcionadas a populacao negra, e principalmente desmantelar esse sistema vestigial inerente aos seculos de escravidao , que organiza a sociedade de maneira extremamente desigual baseada na etnia.

Entao, e inegavel o quanto as situacoes de injustica descritas nos relatos dos linchamentos revelam um problema social ainda mais grave que a perseguicao e o assassinato de pessoas que sequer foram julgadas em tribunais. Primeiramente, nota-se a inversao do onus da prova dependendo da cor da pele do acusado: no estado de direito , o Estado deve conseguir provar que o acusado e culpado; ja no caso das milicias, e a vitima quem tenta provar sua inocencia. Ao negro nao e garantido o direito de defesa. Alem disso, a perspectiva de que a execucao sumaria da populacao negra seria de alguma forma relacionada a manutencao da seguranca de familias brancas implica a crenca racista de que pessoas negras seriam mais propensas a cometer crimes violentos, como assassinato , abuso sexual , roubo a mao armada , entre outros.

O posicionamento da Srta. Willard ilustra como ate as organizacoes humanitarias da epoca ? inclusive as do Norte do pais, como a W.C.T.U. ? negaram apoio ao movimento anti-linchamentos. Podemos relacionar isso ao temor da populacao branca de que, com a liberdade, a populacao negra se vingasse dos atos hediondos do periodo da escravidao. Assim, ate mesmo os ideais cristaos de respeito a vida e correcao moral foram suprimidos para justificar as perseguicoes contra a populacao negra, como ilustra o posicionamento da Srta. Willard. Tambem fica claro no livro como as violentas manifestacoes populares tinham o objetivo de coagir e controlar pessoas negras, restringir qualquer tipo de relacao entre negros e brancos para manutencao da segregacao racial ? como garante as Leis de Jim Crow . A segregacao racial opera tambem no ambito dos direitos civis e penais , visto que a punicao dada aos mesmos crimes era muito diferenciada de acordo com a cor daquele que infringiu as normas. Vale ressaltar que os homens brancos milicianos , responsaveis por essas execucoes , raramente eram penalizados.

Sem a atencao das autoridades locais, o apelo de Wells entao se estende internacionalmente. No capitulo sete, em Um amigavel aviso, observa-se que o movimento liderado por ela chega a Inglaterra . Embora seu apelo nao ganhe o apoio da opiniao publica, os relatos dos linchamentos ocorridos nos Estados do Sul foram suficientes para que algumas industrias inglesas boicotassem essas localidades e escolhessem se estabelecer em estados em que tais violencias nao ocorressem. A razao para isso foi economica, mas e mais uma evidencia do brilhante trabalho e mobilizacao feita pela Wells.

Alem disso, as demandas do movimento liderado por Wells tambem dizem respeito ao direito ao voto . Infelizmente, o poder paralelo de milicias locais tambem nao pouparam esforcos para impedir que cidadaos negros conseguissem ter seu direito ao voto garantido. Novamente, a motivacao para isso era garantir que o poder dos governantes estivesse alinhado aos ideais racistas dos milicianos. Assim, podemos ver que a cruzada da Wells se estendeu em diversos ambitos do discurso politico que culminariam no mesmo fim: 1) a desestruturacao da logica supremacista branca que utiliza coercao, tortura e o exterminio de pessoas pretas como medida preventiva de contencao da violencia. 2) exigir a aplicacao equitativa da lei; 3) mostrar que a Lei dos Linchamentos opera com a inversao do onus da prova , pois ja supoe que negros sao criminosos; 4) a importancia do conhecimento dos fatos como ferramenta de transformacao do sentimento moral da sociedade. [ 19 ]

Vida pessoal [ editar | editar codigo-fonte ]

Ida B. Wells com seus quatro filhos em 1909

Ida mantinha diarios a respeito de sua vida, onde escrevia eventos bastante pessoais. Antes de se casar, Ida escreveu que apenas se envolveria com homens que mantivessem pouco interesse romantico, pois um relacionamento baseado apenas no romantismo nao tinha como dar certo. Ela queria algo que focasse na interacao pessoal e intelectual, nao apenas na atracao fisica. [ 22 ]

Em 1895, Ida se casou com advogado Ferdinand Lee Barnett , um viuvo com dois filhos, Ferdinand e Albert. [ 23 ] Ida foi uma das primeiras mulheres nos Estados Unidos a nao querer adotar o sobrenome do marido. O casal teve ainda mais quatro filhos: Charles, Herman, Ida e Alfreda. [ 13 ] [ 12 ]

Em sua autobiografia, Ida comenta sobre a dificuldade de ter que conciliar tempo entre familia e trabalho. Mesmo depois do nascimento do primeiro filho, ela continuou trabalhando, levando o bebe Charles com ela para a redacao do jornal. Mesmo tendo tentado equilibrar a vida de jornalista com mae, ela nao conseguiu ser tao ativa quanto antes. [ 12 ] Susan B. Anthony chegou a dizer que ela parecia distraida. Depois do nascimento do segundo filho, Ida ficou longe da vida publica por um tempo. [ 24 ]

Morte [ editar | editar codigo-fonte ]

Em seus ultimos 30 anos de vida, Ida trabalhou na reforma urbana de Chicago e criou uma familia. Em 1930, Ida estava tao enojada dos candidatos de ambos os partidos que ela concorreu como candidata independente pela camara de Illinois , perdendo. Mas tal ato fez dela uma das primeiras mulheres negras a concorrer pela legislatura estadual. Apos sua aposentadoria, Ida comecou a escrever sua biografia, Crusade for Justice (1928). Ela nunca a finalizou, pois morreu de insuficiencia renal , em Chicago, em 25 de marco de 1931 , aos 68 anos. Ela foi sepultada no Cemiterio de Oak Woods, em Chicago. [ 13 ] [ 12 ]

Ver tambem [ editar | editar codigo-fonte ]

Referencias

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