Assembleia dos Estados Gerais

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A Assembleia dos Estados Gerais (em frances , Etats Generaux ) foi uma assembleia representativa e consultiva do Antigo Regime frances . Era composta por representantes de cada um dos Tres Estados e configurava-se como o unico orgao frances que representava o corpo da nacao. [ nota 1 ] A Assembleia dos Estados Gerais acontecia ocasionalmente, apenas quando convocada pelo rei em casos julgados necessarios, como em momentos de crise ou guerra, por exemplo. Ainda que os Estados Gerais nao fossem soberanos, configuravam-se como uma forca representativa das Tres Ordens, tendo como funcao, por exemplo, o aconselhamento do rei.

Os Estados Gerais se reuniram intermitentemente ate 1614 e apenas mais uma vez em 1789, sendo dissolvida posteriormente pela Revolucao Francesa . [ nota 2 ] Ate a convocacao de 1614, a votacao ocorria da seguinte maneira: os representantes de cada um dos Tres Estados ( Estados do reino ) deliberavam sobre as pautas da Assembleia de forma separada, dando somente um voto em unissono. O Primeiro Estado correspondia ao clero , o Segundo , a nobreza e o Terceiro , em linhas gerais, ao povo ou plebeus (incluindo os burgueses ). Sendo assim, o voto de cada Estado correspondia a um terco do total.

Antecedentes [ editar | editar codigo-fonte ]

A Franca antes da convocacao dos Estados Gerais [ editar | editar codigo-fonte ]

Representacao dos Tres Estados: um nobre vestido de cavaleiro e um bispo em pe de cada lado de um globo que e sustentado sobre os ombros de um membro do Terceiro Estado. As tres flores-de-lis e a grande coroa sao simbolos que remetem a monarquia francesa, assim pode-se afirmar que a gravura indica o fardo colocado sob as costas do povo.

Ate o fim do seculo XVIII, a Franca era regida por uma Monarquia absolutista e estava organizada politicamente em tres grupos sociais ou ordens, denominadas de Os Tres Estados. O Primeiro Estado correspondia ao alto clero, ou seja, os bispos , abades , conegos e prelados eclesiasticos. O Segundo Estado era composto pela nobreza e detinha diversos privilegios juntamente com os membros do Primeiro Estado. Os membros dessas duas ordens, por exemplo, estavam isentos do pagamento de impostos, alem de terem direitos as terras e a ocupacao de cargos politicos. O Terceiro Estado, por sua vez, era composto por trabalhadores, camponeses , proprietarios de terra ou nao, e a burguesia . As pessoas dessa ordem pagavam os tributos cobrados pela coroa francesa, sendo a Talha um dos mais conhecidos. [ nota 3 ] O rei, portanto, estava no topo dessa hierarquia.

Nesse momento, a Franca ainda era um pais agrario, com cerca de 25 milhoes de habitantes. O alto clero compunha 0,5% da populacao, enquanto a nobreza era 1,5%. Sendo assim, a maior parte da populacao era composta pelo Terceiro Estado, representando 98%. [ nota 4 ] Apesar de a terceira ordem constituir a maior parcela da sociedade francesa nesse periodo, seus membros se encontravam em uma evidente situacao de desigualdade, em comparacao as demais ordens. Os representantes do Terceiro Estado nao possuiam direitos politicos, muitos deles nao tinham posse de terras e grande parte da sua renda era dedicada ao pagamento de impostos. Somado a isso, alem dos impostos direcionados a Coroa, haviam impostos feudais cobrados pelos nobres as populacoes rurais que habitavam suas terras.

O quadro de desigualdade da sociedade francesa foi agravado por uma crise fiscal vivida ao longo da segunda metade do seculo. Dois acontecimentos que a Franca se envolveu que foram importantes estimuladores da crise: A Revolucao Americana e a Guerra dos Sete Anos . A coroa Francesa arcou com custos elevados ao participar desses dois conflitos ? fazendo altos investimentos para auxiliar as Treze Colonias em sua guerra de independencia e para guerrear contra seus inimigos na Guerra dos Sete Anos -, o que acabou criando um grande deficit fiscal. [ nota 5 ]

Nesse sentido, a estrutura de ordens e o sistema feudal dessa sociedade foram postos em xeque no final do seculo XVIII na Franca. [ nota 6 ] Somado a isto, o absolutismo foi o terceiro elemento constituinte do Antigo Regime a ser contestado, uma vez que, neste regime, a figura do monarca representava a personificacao da divindade ? considerada imbuida, inclusive, do poder de cura ? com uma dinamica politica na qual o rei atuava como uma autoridade sem contrapeso. [ nota 7 ] Esses tres elementos reiteraram uma sociedade hierarquizada por grupos que contavam com uma serie de privilegios, ao passo em que outros, como os que compunham o Terceiro Estado, viviam em uma condicao oposta. Vale ressaltar que as demandas do Primeiro e Segundo Estados em 1789, implicavam a permanencia desses elementos estruturadores da sociedade do Antigo Regime, em descompasso aos interesses dos grupos do Terceiro Estado que, por sua vez, buscavam destrui-los.

Uma grande parcela dos camponeses seguia submetida aos direitos senhoriais, com o pagamento de impostos diversos para a aristocracia. Em contrapartida ao cenario rural predominante na Franca do seculo XVIII, emergia certo crescimento industrial, tendo o comercio com o exterior quadruplicado desde o periodo da morte do rei Luis XIV . [ nota 8 ] Nessa conjuntura ocorreu a ascensao da burguesia, que cada vez mais se fortalecia interna e externamente, inclusive recebendo auxilios e protecao oferecidos pela monarquia dos Bourbons . O poder economico, comercial, industrial e financeiro da burguesia cresceu expressivamente durante o seculo XVIII, mas ainda permanecia como grupo social desprovido de poder politico. [ nota 9 ] Tal realidade despertou o descontentamento desse segmento social em relacao a forma de organizacao e funcionamento da sociedade do Antigo Regime.

Camponeses franceses no curral de uma aldeia no seculo XVIII.

O alastramento da crise e a Assembleia dos Notaveis [ editar | editar codigo-fonte ]

Devido a grave crise fiscal em que a Franca se situava ao longo da segunda metade do seculo XVIII, uma reforma economica passou a ser vista cada vez mais como uma necessidade para a solucao dos problemas do pais. Ao longo desse periodo, diversos ministros tentaram ampliar a cobranca de impostos, buscando reverter a situacao de crise. Anne Robert Jacques Turgot , por exemplo, assumiu o cargo de ministro da fazenda apos a coroacao de Luis XVI em 1774 e decretou a abolicao das corporacoes de oficio e a liberacao do comercio de cereais. Contudo, suas medidas contrariavam os interesses dos grupos privilegiados (a nobreza) que faziam parte do parlamento de Paris. Os juizes consideravam que qualquer aumento nos impostos surtiria efeitos negativos sobre suas proprias rendas. Turgot acabou renunciando ao cargo em 1776 e, consequentemente, suas medidas foram anuladas. [ nota 10 ]

A estagnacao na producao agricola entre 1778-1787 dificultou o pagamento de impostos por parte do campesinato e o rendimento da aristocracia sofreu uma consideravel queda. [ 1 ] Luis XVI foi aconselhado por seu ministro Charles Alexandre de Calonne , sucessor de Turgot, a convocar a Assembleia dos Notaveis para discutir com os representantes da nobreza e do alto clero a respeito da situacao e da necessidade de realizar uma reforma tributaria. Calonne esperava que, se recebesse apoio da Assembleia dos Notaveis, o parlamento de Paris se encontraria pressionado a aprovar a reforma tributaria. [ nota 11 ]

A Assembleia aconteceu em 22 de fevereiro de 1787 e Calonne apresentou aos Notaveis uma analise da situacao fiscal, afirmando que a unica solucao restante era a destruicao dos privilegios fiscais a partir da reforma tributaria, objetivando “o bem-estar da nacao”. Sua reforma implicava quatro mudancas principais: a aplicacao de um unico imposto sobre o valor da terra ; a conversao da corveia em um imposto sobre dinheiro; a abolicao das tarifas internas; a criacao de assembleias provinciais eleitas. Os Notaveis se opuseram a solucao de Calonne, e ha quem afirme que a recusa nao se deu pelo desinteresse dos Notaveis de abrir mao de seus privilegios, mas porque os metodos propostos nao foram de seu agrado. [ nota 12 ]

Reune-se a Assembleia dos Notaveis, em 22 de fevereiro de 1787.

Calonne passou a apelar para a opiniao publica, como forma de pressionar a Assembleia a acatar suas propostas. A relacao entre o ministro e os Notaveis foi se deteriorando e, em 8 de abril de 1787, Luis XVI destituiu Calonne do cargo. Embora tendo o dispensado, Luis XVI ainda desejava implementar o programa de Calonne, mas tentou estabelecer um dialogo com os Notaveis, concordando com certas exigencias, como a de nomear Lomenie de Brienne ? lider dos Notaveis e arcebispo de Toulouse ? novo ministro da fazenda. Apos semanas de discussao, Brienne propos um imposto sobre a terra, que seria um valor fixo e pago em dinheiro ? o que foi recomendado pelos Notaveis ? e outros dois impostos indiretos. No entanto, em 19 de maio, os Notaveis indicaram que nao poderiam aprovar o imposto sobre a terra, apresentando diversas razoes. Enquanto alguns justificaram nao ser possivel determinar o tamanho do deficit que havia na economia ? o que significava que nao se podia estimar o montante da receita que o imposto deveria produzir, quanto tempo ele deveria durar ou ate se este seria mesmo necessario ?, outros declararam essa ser uma decisao do parlamento. A rejeicao foi unanime, fazendo com que a Assembleia fosse destituida em 25 de maio.

Pressao para a convocacao da Assembleia dos Estados Gerais [ editar | editar codigo-fonte ]

A Assembleia dos Notaveis se desfez depois de mais de tres meses sem apresentar nenhuma solucao para a crise financeira francesa. A acao de Calonne em apelar para o publico ? distribuindo panfletos informando a populacao sobre como as coisas estavam se desenrolando na Assembleia ? fez com que os franceses que tinham interesse nos assuntos publicos se chocassem. Havia uma sensacao generalizada de que uma hostilidade pairava sobre a Franca e a exposicao das decisoes da Assembleia ao publico, ajudou a desenvolver a percepcao de que os privilegios da nobreza haviam triunfado sobre o “bem-estar geral” da nacao, levando muitos a questionar e reconsiderar a natureza do Estado frances. Embora sua acao nao tenha produzido um efeito imediato, contribuiu para dar legitimidade ao questionamento desses privilegios.

O periodo entre a dissolucao da Assembleia dos Notaveis e a abertura da Assembleia dos Estados Gerais correspondeu a um alastramento na opiniao publica das criticas ao Estado tradicional frances, assim como o papel dos privilegios. Ao longo desse processo a posicao da Coroa foi interpretada como ambigua, pois a iniciativa de Luis XVI em implementar uma reforma tributaria, resultou na impressao de que o rei estaria se posicionando contra os privilegios. Contudo, ao passo em que a reforma nao se efetivava e a coroa se mantinha fiadora das ordens privilegiadas, uma nova interpretacao ganhava espaco, a qual entendia que o rei estava defendendo, na verdade, as estruturas vigentes da sociedade.

Assim havia o entendimento em parte da opiniao publica de que a Franca estaria sendo prejudicada pelos privilegios da nobreza e a posicao ambigua da Coroa estava sendo vista como impedimento para a solucao dos problemas franceses. Crescia na Franca, portanto, a nocao de que o pais precisava ser regenerado e, com isso, a palavra “ nacao ” ganhou uso sobre a palavra “ reino ”, sendo essa ultima diretamente associada aos privilegios. [ nota 13 ] No aspecto economico havia tambem o objetivo de eliminar a inadimplencia do governo e suavizar os impostos, buscando melhorar o acesso aos mercados de capitais. [ nota 14 ] Lomenie de Brienne renunciou do cargo em 25 de agosto de 1788 e foi sucedido por Jacques Necker .

O impasse da Assembleia dos Notaveis fez com que fosse imprescindivel convocar os Estados Gerais. A necessidade da convocacao sempre foi posta em discussao, contudo, a Coroa manteve-se contra. Desde a morte do rei Luis XIV em 1715, as demandas pela convocacao dos Estados Gerais cresceram expressivamente. Seu sucessor, Luis XV , sofreu forte pressao por parte do Parlamento de Paris para convocar a Assembleia; esse ultimo, bloqueava constantemente as tentativas da Coroa em alterar a ordem tributaria. Luis XVI e seus antecessores compreendiam que a convocacao dos Estados Gerais nao era necessaria e tambem poderia implicar um sinal de enfraquecimento de seus poderes. Apos a dissolucao da Assembleia dos Notaveis, os parlamentares passaram a pressionar ainda mais o rei a convocar a Assembleia dos Estados Gerais, o que contribuiu com o entendimento  de que o parlamento estaria ao lado do povo. Outros grupos que pressionaram a convocacao dos Estados Gerais foram parte da aristocracia e os reformistas ligados ao iluminismo . [ nota 15 ]

Luis XVI acabou por reunir os Estados Gerais em agosto de 1788 para discutir a organizacao da Assembleia. Ate entao, cada Estado deliberava sobre a questao separadamente, dando apenas um voto, ou seja, cada Estado tinha direito a um terco dos votos. Dessa maneira, o Terceiro Estado poderia ser vencido pelo Primeiro e Segundo em questoes relacionadas aos privilegios fiscais. Em uma reuniao com os parlamentares, foi decidido que os Estados Gerais adotariam a mesma forma e procedimentos de quando convocados pela ultima vez em 1614.

Evidentemente, a sociedade francesa desse periodo nao era mais a mesma de 1614. O Terceiro Estado, por exemplo, nao era mais composto apenas por camponeses. A burguesia francesa havia surgido e ascendido economicamente, mas por nao fazer parte da nobreza, nao possuia poder politico, bem como influencia direta no Estado. [ nota 16 ] Tal decisao provocou indignacao principalmente entre a burguesia francesa, devido a impressao inicial de que o parlamento estava contra o rei e os privilegiados. Nesse sentido, as demandas populares passaram a se centrar no desejo por uma nova formula quanto ao peso do voto do Terceiro Estado, pois a forma tradicional de votacao representaria a iminente vitoria do clero e dos nobres que, embora constituissem a menor parcela da populacao francesa da epoca, defendiam os seus privilegios. A coroa francesa recebeu mais de oitocentas peticoes exigindo a duplicacao do numero do Terceiro Estado e a votacao por cabeca, advindas sobretudo de burgueses. As pessoas que compunham o Terceiro Estado passaram a denunciar tambem a maneira pela qual o Estado estava estruturado, sobretudo no ambito da limitada representacao politica que elas tinham. Sendo assim, em dezembro de 1788, o rei firmou com o parlamento que o numero de cadeiras para deputados representantes da terceira ordem seria duplicado, mas nao alterou o poder de voto, correspondendo ainda a um terco.

A convocacao da Assembleia dos Estados Gerais [ editar | editar codigo-fonte ]

Temos necessidade do concurso de nossos fieis suditos para nos ajudarem a superar todas as dificuldades em que nos achamos, com relacao ao estado de nossas financas e para estabelecer, segundo os nossos desejos, uma ordem constante e invariavel em todas as partes do governo que interessam a felicidade dos nossos suditos e a prosperidade de nosso reino. Esses grandes motivos Nos determinaram a convocar a assembleia dos Estados de todas as provincias sob nossa obediencia, tanto para Nos aconselharem e Nos assistirem em todas as coisas que serao colocadas sob as suas vistas, quanto para fazer-Nos conhecer os desejos e queixas de nossos povos, de maneira que, por mutua confianca e amor reciproco entre o Soberano e seus suditos, seja achado, o mais rapidamente possivel, um remedio eficaz para os males do Estado. [ nota 17 ]

Sessao da Assembleia dos Estados Gerais.

Luis XVI convocou a Assembleia dos Estados Gerais, atraves de um edito real, em 24 de janeiro de 1789. Cartas de convocacao foram enviadas a todas as provincias prescrevendo os metodos de eleicao de deputados para composicao da assembleia, representando cada Estado. A respeito da eleicao de deputados, as Primeira e Segunda ordens formavam uma especie de assembleia interna para eleger os seus. Todos os membros pertencentes ao clero e a nobreza podiam se candidatar. No Terceiro Estado, por sua vez, as eleicoes internas eram mais complexas e passavam por algumas fases. Somente homens com mais de 25 anos poderiam se candidatar e eram selecionados pelas assembleias de bailliage , as cortes reais. Com efeito, e possivel notar como a propria conformacao da Assembleia contava com determinadas limitacoes, ainda que se pretendesse ? e fosse, de fato, naquele contexto ? uma forca representativa dos diferentes segmentos da sociedade francesa. Como exemplo, tem-se o fato de que os deputados do Terceiro Estado que fossem participar da Assembleia teriam que dispor de uma quantia de dinheiro, uma vez que deveriam arcar com as despesas de sua passagem e hospedagem pelas varias semanas em que ficariam no lugar de reuniao, mas muitos nao possuiam tais condicoes. [ nota 18 ] Nesse sentido, faz-se importante ressaltar que nao havia completa unidade entre os membros do Terceiro Estado, tendo em vista a sua diversidade (sendo composto por camponeses, artesaos e burgueses) e as formas distintas pelas quais esses diferentes grupos eram afetados pelo regime senhorial no campo e pelas instituicoes de Antigo Regime. Sendo assim, havia uma tendencia de oposicao hierarquica interna: pobres e ricos, consumidores e produtores. Entretanto, a oposicao contra o privilegio aristocratico era um forte fator unificador. [ nota 19 ]

A respeito dos resultados das eleicoes dos deputados, ao todo foram 1145, sendo 270 deputados da nobreza, 291 do clero e 584 do Terceiro Estado. Dentre os representantes do Primeiro Estado, mais de tres quartos eram parocos, e o Segundo Estado foi representado por nobres divididos, dos quais 40% queriam o voto por ordem e, alguns, por cabeca. O Terceiro Estado, por sua vez, foi representado por advogados burgueses que compunham dois tercos dos deputados eleitos [ nota 20 ] . Quando a Assembleia foi convocada, cada ordem da sociedade detinha reivindicacoes e solucoes proprias. A Coroa esperava uma solucao tecnica para o problema fiscal, enquanto a nobreza desejava o respaldo no seu embate contra o poder monarquico. O Terceiro Estado por sua vez, buscava a diminuicao dos pagamentos de tributos feudais, pois a aristocracia rural havia aumentado suas demandas sobre o campesinato, exigindo porcentagens maiores dos produtos agricolas, acarretando uma forte miseria no campo. [ nota 21 ]

Os deputados escolhidos eram responsaveis pelo recebimento e organizacao dos cadernos de reclamacoes ( cahiers de doleance ), para levar a Assembleia. Dentre as queixas recolhidas, havia reclamacoes sobre o funcionamento da administracao publica e de varias instituicoes sociais, bem como reivindicacoes especificas que necessitavam ser discutidas na Assembleia. Muitas delas se referiam a questao agraria e solicitavam o abrandamento dos tributos senhoriais ou ate sua total suspensao. Algumas das argumentacoes presentes nas queixas tinham embasamento ou reproducoes das doutrinas do iluminismo , o que demonstrava o quanto essa corrente havia penetrado na sociedade e na opiniao publica. [ nota 22 ]

A Assembleia dos Estados Gerais teve seu inicio em 5 de maio de 1789, no Hotel des Menus Plaisirs, em Versalhes. Havia um incomodo entre os membros do Terceiro Estado, que exigiam reunioes conjuntas em uma plenaria, e as outras duas ordens, que preferiam manter os moldes antigos da Assembleia, reunindo-se separadamente. Essa atitude foi interpretada pelos representantes do Terceiro Estado como se a nobreza e o clero nao estivessem dispostos a abrir mao de seus privilegios, no entanto, haviam membros das outras ordens que concordavam com a necessidade das reunioes serem conjuntas, em prol do estabelecimento de uma concordia entre as ordens ? o que nao ocorreu de inicio. Alem disso, os representantes do Terceiro Estado tambem exigiam o voto por cabeca, visto que os votos unissonos poderiam acarretar sua derrota. [ nota 23 ]

E importante ressaltar que o fato de o Terceiro Estado se reunir, de inicio, separadamente das demais ordens, conferiu as suas reunioes uma importancia simbolica no que diz respeito ao compartilhamento de informacoes e a integracao do povo nos debates da Assembleia. As sessoes dos Primeiro e Segundo Estados eram fechadas e ocorriam em suas respectivas camaras. Por sua vez, o Terceiro Estado se reunia na sala comum e suas sessoes eram abertas ao publico, criando um maior alcance dos seus ideais, atingindo um maior numero de pessoas. No entanto, inicialmente, havia uma dificuldade para o procedimento das sessoes do Terceiro Estado, onde nao havia um metodo estabelecido de deliberacao. [ nota 24 ]

Em 28 de maio de 1789, Emmanuel Joseph Sieyes ? ou Abade Sieyes ?, membro da Assembleia, propos que o Terceiro Estado procedesse com a verificacao de seus proprios poderes e convidasse as outras duas ordens a participar. Abade Sieyes ganhou notoriedade com o seu texto politico “ O que e o Terceiro Estado? ” ( Qu’est-ce que le tiers etat? ), no qual o autor escreve reivindicacoes de direitos para o Terceiro Estado, ao defender que este conformava a nacao francesa e que, portanto, deveria constituir uma Assembleia Nacional sem beneficio de privilegios. [ nota 25 ] No dia 13 de junho, ocorreu a primeira ruptura dos Estados, na qual alguns sacerdotes paroquiais se uniram ao Terceiro Estado. Em 17 de junho, o Terceiro Estado aprovou que se constituiria em Assembleia Nacional, declarando-se uma representacao nao mais dos Estados e sim do “povo”. A partir disso, o Terceiro Estado deixa de ser um orgao consultivo, tornando-se deliberativo para a formacao de politicas. Alguns autores consideram essa declaracao um dos pontos iniciais da Revolucao Francesa . Entretanto, a declaracao nada dizia a respeito da abolicao ou fusao das ordens, apenas convidava os representantes das demais ordens a se unirem a Assembleia Nacional. [ nota 26 ]

Os deputados do Terceiro Estado se reunem na quadra de Chateau, em Versalhes, jurando nao se separarem ate que uma nova Constituicao fosse afirmada.

Em 19 de junho, alguns membros do clero decidiram se juntar a Assembleia Nacional, um momento considerado significativo. Luis XVI tentou intervir na reorganizacao dos Estados Gerais, tentando anular os decretos e ordenar a separacao da Assembleia Nacional, restituindo os Estados Gerais. Em meio a esse processo, o rei tambem buscou negociar com os representantes das outras ordens que eram contrarios a Assembleia Nacional, mas nao obteve sucesso. Com o passar dos dias, a Assembleia Nacional foi ganhando mais adeptos. [ nota 27 ]

No dia 20 de junho, o rei acabou ordenando o fechamento da Salle des Etats , espaco onde ocorriam as reunioes da Assembleia dos Estados Gerais. Ao se depararem com as portas fechadas, os membros da Assembleia Nacional se reuniram num campo de tenis proximo ao lugar e fizeram ali o Juramento do Jogo da Pela , prometendo que somente haveria uma separacao da Assembleia apos a votacao de uma Constituicao para a Franca. A Assembleia Nacional tinha forte apoio popular e aos poucos foi conseguindo apoio de membros das outras ordens. [ nota 28 ]

Liberdade de Imprensa na Convocacao da Assembleia Geral dos Estados [ editar | editar codigo-fonte ]

Dentro da convocacao da Assembleia dos Estados Gerais , e preciso destacar que agora, diferentemente do inicio do processo revolucionario, quando a nobreza estava a frente, entra em cena com destaque a burguesia . Nesse sentido, burgues figurava-se como aquele que vivia na cidade, ao qual a nobreza, de forma depreciativa, colocava como burguesia para referir-se a pessoa de modos grosseiros. Em maio de 1789 foi anunciada a Assembleia dos Estados Gerais, e colocada votacao para escolha de seus membros. Durante esse periodo o rei decreta liberdade de imprensa na Franca, o que gera um burburinho de opinioes tornadas publicas e a criacao de diversos panfletos e jornais. A liberdade de imprensa instaurada servia tambem para levantar demandas e informacoes acerca do pais. E notorio destacar a amplitude que se deram tais panfletos criados, que tambem tinham um carater de vigilancia, trazendo informacoes politicas, como o A sentinela ou O olhar vigilante . [ 2 ] Tambem durante esse periodo, a pedido do rei, membros de todas as tres ordens produziram demandas que ficaram conhecidas como os Cadernos de Queixas, que tinham como principal reivindicacao liberdade de imprensa, autonomia local e Assembleia dos Estados Gerais convocadas periodicamente.  

Desdobramentos [ editar | editar codigo-fonte ]

Apos o Juramento da Pela , o rei discursou que ele “era o rei e unico e verdadeiro representante dos franceses, afirmando que nenhum projeto aprovado pela assembleia rebelde teria forca de lei sem sua aprovacao”. [ nota 29 ] O rei Luis XVI estava preparando um golpe muito arriscado e, ao demitir o ministro Necker no dia 11 de julho de 1789, a revolta popular estourou.

Apos esse ato, as noticias chegaram rapidamente a capital, Paris, para que a populacao se reunisse em locais publicos para discutir e decidir  sobre a chegada do momento de uma rebeliao popular sem precedentes. [ nota 30 ] No dia 14 de julho, a populacao atacou o hospital militar dos invalidos e encontrou canhoes, utilizados em seguida no assalto a Bastilha ? a grande fortaleza, simbolo dominante do Antigo Regime ? que, apesar de nao possuir mais funcao militar, ainda detinha um grande valor simbolico. O impacto causado pela tomada influenciou outros movimentos similares nas provincias, onde as camaras municipais foram alvos de ataques nas semanas seguintes. “O poder real estava no fim e a soberania havia passado para a Assembleia Nacional. Crucialmente para o futuro da Revolucao, o povo de Paris agora se via como o salvador e defensor da Assembleia Nacional. Eles eram os guardioes da Revolucao”. [ nota 31 ] Isso significou simbolicamente a queda do Antigo Regime e do absolutismo, uma vez que a Bastilha representava o auge do poder absolutista por tratar-se de uma prisao politica.

A tomada da Bastilha em 1789.

A noticia do movimento revolucionario de Paris chegou ate o meio rural da Franca, onde camponeses ainda viviam sob o regime senhorial. Esse periodo ficou conhecido como “Grande Medo”, no qual os camponeses, com ausencia de autoridade civil e revoltados com os tributos a serem pagos aos senhores, invadiram e incendiaram castelos da nobreza rural, geralmente massacrando seus ocupantes. [ nota 32 ] E e importante atentar-se para o modo com o qual esse Grande Medo alastrou-se: a oralidade. Por meio de boatos e burburinhos que diziam respeito sobretudo a historias fantasiosas de invasoes as aldeias e queimas de colheitas, a atmosfera de panico no interior da Franca se propagou, de forma lenta mas consistente, alimentada pela ideia de complos. [ nota 33 ] Dentre os boatos, historias sobre “complo da fome” ? no qual ricos teriam se unido para promover fome entre os camponeses pobres ? e “complo aristocratico” ? no qual nobres teriam se unido e atuado contra a revolucao em curso. [ nota 34 ] O medo, a violencia e a esperanca andaram em conjunto na Franca do final do seculo XVIII, fermentando a decada revolucionaria. [ nota 35 ]

Foi entao que a Assembleia Nacional Constituinte , instalada em Paris no dia 14 de julho de 1789, resolveu no dia 4 de agosto decretar o fim do feudalismo, com o fim dos direitos feudais e dos privilegios, instaurando a igualdade entre todos. Ato seguinte, a Assembleia decide aprovar a Declaracao dos Direitos do Homem e do Cidadao , para deixar claro que os Direitos Naturais do Homem deveriam ser estipulados antes mesmo de terminar sua funcao de dotar a nacao francesa de uma constituicao.

A Declaracao dos Direitos do Homem e do Cidadao foi aprovada em agosto de 1789, sendo composta por 17 artigos. Nela estao estipulados os direitos do homem e do cidadao burgues revolucionario de 1789, estabelecendo os direitos naturais e inviolaveis de liberdade, igualdade, fraternidade e propriedade privada. [ nota 36 ] Com a declaracao se estabelecem todos os principios do liberalismo politico e economico que vao, de forma mais clara, consolidar os valores do iluminismo dentro de um documento politico.

O documento tem influencia norte-americana na nocao de “direitos naturais”, utilizada na Declaracao de Independencia dos Estados Unidos para legitimar a aspiracao nacional. No caso frances essa nocao e utilizada como guia, considerando os direitos que a natureza conferiu aos homens. Nessa logica, a Assembleia Constituinte se converteu no espaco juridico que buscava a garantia dos “direitos naturais”, buscando a formulacao de uma Constituicao que limitasse o poder arbitrario do rei e a conversao das demandas em reformas. [ nota 37 ]

Referencias

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  2. CARVALHO, Daniel Gomes de. (2022). Revolucao Francesa . Sao Paulo: Editora Contexto. p. 61-68  

Notas [ editar | editar codigo-fonte ]

  1. LLEWELLYN & THOMPSON, 2019, p. 1.
  2. KISER & LINTON, 2002, pp. 889?910.
  3. FALCETTI, 2017, p. 117.
  4. COGGIOLA, 2013.
  5. Idem.
  6. VOVELLE, 2012, p. 5.
  7. Ibidem, p. 9.
  8. COGGIOLA, 2013, p. 285.
  9. Ibidem pp. 285-286.
  10. GRESPAN, 2003.
  11. FITZSIMMONS, 1994, p. 6.
  12. SCHAMA, 1989, pp. 287-292.
  13. FITZSIMMONS, 1994, p. 15.
  14. SARGENT & VELDE, 1995.
  15. LLEWELLYN & THOMPSON, 2019, p. 2.
  16. COGGIOLA, 2013, p. 285.
  17. MATTOSO, 1976.
  18. LLEWELLYN & THOMPSON, 2019, p. 5.
  19. SOBOUL, 2007.
  20. WILDE, 2019, s.p.
  21. GRESPAN, 2003.
  22. GRESPAN, 2003, p. 80.
  23. FITZSIMMONS, 1994, p. 33.
  24. Idem.
  25. GARCIA & SEVEGNANI, 2011, pp. 183-198.
  26. Ibidem, p. 42.
  27. FITZSIMMONS, 1994.
  28. Idem.
  29. Ibidem, p.195.
  30. Idem.
  31. WILDE, 2019.
  32. GRESPAN, 2003.
  33. VOVELLE, 2012, p. 208.
  34. Ibidem, p. 209
  35. Ibidem, p. 207.
  36. GARCIA & SEVEGNANI, 2011, p. 196.
  37. GRESPAN, 2003.

Bibliografia [ editar | editar codigo-fonte ]

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