Da-se o nome de
Cerco do Porto
ao periodo, que durou mais de um ano ? de Julho de
1832
a Agosto de
1833
?, no qual as tropas
liberais
de
D. Pedro
estiveram cercadas pelas forcas absolutistas fieis a
D. Miguel
.
A essa heroica resistencia da cidade do
Porto
e das tropas de D. Pedro se deveu a vitoria da causa liberal em
Portugal
. Entre outros, combateram no Cerco do Porto do lado dos liberais
Almeida Garrett
,
Alexandre Herculano
e
Joaquim Antonio de Aguiar
.
Entrando no Porto no dia imediato ao do
desembarque do Mindelo
, a
9 de Julho
de
1832
, o
exercito libertador
encontrou a cidade abandonada pelas tropas realistas, cujos chefes, ignorantes do numero exacto das forcas liberais, tinham resolvido retirar.
O general
Manuel Gregorio de Sousa Pereira de Sampaio
, 1.º
visconde de Santa Marta
, comandante supremo da divisao realista que operava entre a
Figueira da Foz
e
Vila do Conde
, resolveu estabelecer-se em
Vila Nova de Gaia
, ordenando que, no mesmo dia da entrada dos liberais na cidade, se fizesse fogo contra os ocupantes, pelo que logo no dia 10 o almirante liberal ingles
George Rose Sartorius
mandou os seus barcos entrar a barra do
Rio Douro
e ripostar ao fogo realista, ao mesmo tempo que, protegida pela esquadra, a divisao do tenente-coronel
Joao Schwalbach
atravessou o rio e ocupou a
Serra do Pilar
, em Gaia, obrigando os realistas a retirar em debandada ate
Oliveira de Azemeis
.
Entretanto Joao Schwalbach avancou com as suas forcas ate ao
Alto da Bandeira
e postou guardas avancadas nos
Carvalhos
, ficando os dois exercitos em observacao, sem qualquer deles ousar uma accao de envergadura.
No dia 18 de Julho deu-se o primeiro ataque violento dos realistas, sem exito, e cinco dias depois travou-se o combate de
Penafiel
, ate onde havia seguido uma coluna liberal, que desbaratou os realistas e regressou ao
Porto
, depois de ter praticado numerosas brutalidades, reforcando o mau conceito em que os tinham as populacoes, criado pelo clero das aldeias.
Do lado absolutista, da-se a juncao das forcas do general
Alvaro Xavier Coutinho e Povoas
com as do
visconde de Santa Marta
, dispondo depois os dois generais os seus exercitos de forma a rodear a
cidade
.
D. Pedro
mandou uma coluna atacar
Valongo
, a qual caiu numa emboscada inimiga junto de
Ponte de Ferreira
, o que a fez recuar ate
Rio Tinto
, derrota que alarmou a cidade. Entretanto a
Serra do Pilar
era fortificada pelo major
Sa Nogueira
, e D. Pedro, que via a impossibilidade de ocupar o Norte do Pais, como inicialmente supusera, procedeu a reorganizacao do Exercito, criando o Estado-Maior e despachando
Pedro de Sousa Holstein
, a epoca
marques de Palmela
, para
Londres
, com o encargo de obter apoio financeiro a causa e contratar oficiais e soldados.
No dia 27 travou-se violento combate ao sul de
Grijo
, onde Povoas desbaratou as forcas do
conde de Vila Flor
, que recuaram em debandada ate ao
Alto da Bandeira
. Entretanto, as tropas realistas, devido a rivalidade entre os generais Povoas e Santa Marta, passaram a ser superiormente comandadas pelo general
Gaspar Teixeira
,
visconde de Peso da Regua
, e iniciou-se o cerco a cidade, que ficou envolvida por uma serie de fortes redutos, que comecavam na Quinta da China, junto ao
Rio Douro
, em
Campanha
, terminando nas proximidades da Senhora da Luz, a
Foz do Douro
, junto ao
mar
, toda esta linha situada ao norte do rio. Ao sul comecavam as linhas no
Cabedelo
, em
Canidelo
, frente a Foz do Douro, e iam acabar a Pedra Salgada, fronteira ao monte do Seminario, postando nesse espaco quinze
baterias
.
No dia 8 de Setembro de
1832
os realistas comecaram os seus ataques em forca, assaltando a
Serra do Pilar
, valorosamente defendida pelos voluntarios cognominados
os polacos
, iniciando-se no dia seguinte o bombardeamento do
Porto
, baptismo de fogo da cidade, que muitos outros iria suportar durante o cerco.
No dia 16 os sitiados fizeram a sua primeira surtida, tendo entao ocupado o Morro das Antas, na parte alta da cidade, o que veio dar-lhes animo. No entanto, tentando por finalmente cobro a insolita situacao de um punhado de 7.500 homens persistir em resistir a um exercito organizado de 80 mil, o general realista
Gaspar Teixeira
comecou a preparar um assalto em forca escolhendo o dia 29 de Setembro, em que a
Igreja
celebra o
arcanjo Sao Miguel
, eponimo do
rei
, para o fazer, tendo prometido aos seus soldados o saque da cidade.
Efectivamente, no dia 29, a coberto dum nevoeiro cerrado, os sitiantes avancaram pelos lados de
Campanha
, chegando a entrar na Rua do Prado, onde foram recebidos pelos resistentes, travando-se combate tao violento que dai recebeu a rua o nome actual de
Rua do Heroismo
. Identicos assaltos violentos ocorreram noutros pontos das linhas, durante os quais o exercito sitiado praticou actos da maior bravura, de tal forma que, quando o general realista Gaspar Teixeira reconheceu a impossibilidade de esmagar a cidade e ordenou a retirada, se encontrou com mais de 4 mil baixas, a que corresponderam escassas 650 por parte dos sitiados. Esta derrota realista desmoralizou os sitiantes e o seu general, pelo que este resolveu pedir ao rei que viesse, com a sua presenca, levantar o moral caido das suas tropas.
D. Miguel partiu, portanto, para o Norte, fazendo-se acompanhar de um celebre e imponente canhao baptizado com o nome de ≪mata-malhados≫ e em que todos punham grandes esperancas. Antes do rei chegar, deram os sitiantes novos e furiosos assaltos a Serra do Pilar, nos dias 13 e 14 de Outubro, sendo, como ate entao, repelidos pelo heroico
general Torres
.
No dia 1 de Novembro estabeleceu D. Miguel o seu quartel-general em
Braga
, a cidade fiel, onde foi recebido apoteoticamente, fazendo imediatamente substituir Gaspar Teixeira no comando pelo
visconde de Santa Marta
, que procurou apertar o cerco.
No
Porto
declararam-se dois novos e inesperados inimigos, que iam dizimando os sitiados que as bombas poupavam: a
colera
e o
tifo
. Na cidade comecava a faltar tudo, o que colocava os sitiados ante a perspectiva de uma rendicao pela
fome
. Por isso tentaram, ao longo do mes de Novembro, varias surtidas, todas sem grande efeito. No dia 11, os realistas submeteram a cidade a um bombardeamento ininterrupto, que se prolongou ate ao cair da noite do dia 12, aniversario de
D. Pedro
. No entanto, estes ferozes bombardeamentos da cidade, em vez de desmoralizar, contribuiram para solidificar nos portuenses a sua identificacao com os liberais e a sua determinacao em resistir.
No entanto, a penuria do Tesouro levou a dificuldades no pagamento as
tropas mercenarias
. O que, entre outros casos lamentaveis, levou a saida do almirante
Sartorius
com os navios da esquadra e aos disturbios constantes dos mercenarios ingleses que reclamavam os soldos atrasados.
A 28 de Janeiro de
1833
chega ao Porto o
general Saldanha
, acompanhado de um grupo de liberais extremistas, o que vinha aumentar a dissidencia no campo liberal. Para atenuar as desinteligencias politicas dentro do burgo, D. Pedro e o seu governo resolveram promover Saldanha a
marechal
, entregando-lhe o comando da 2.ª divisao.
Em comecos de Fevereiro de 1833 toma o comando dos realistas o
conde de S. Lourenco
, continuando os ataques e os bombardeamentos a cidade. Tinham-se ali abatido todas as arvores para substituir a lenha que faltava. A situacao era tao desesperada que se chegou a pensar seriamente em capitular, ao que Saldanha se opos tenazmente. No dia 9 de Abril os sitiados, num golpe audacioso e depois de violento combate, apoderaram-se do reduto do Covelo, o que desmoralizou os sitiantes, que comecaram a desertar em quantidade.
Entretanto, no dia 1 de Junho de
1833
,
Palmela
, que em
Londres
procurara por todos os meios salvar a causa liberal e conseguir dinheiro, com o qual comprara mais navios e contratara voluntarios, a cabeca dos quais o capitao da marinha de guerra
Carlos Napier
, que substituiu o insubmisso
Sartorius
, entretanto exonerado, sendo
Saldanha
elevado a chefe do Estado-Maior.
A conselho de Napier, deu-se corpo a um plano ja antigo de ataque de surpresa por mar contra
Lisboa
, que depois se substituiu pelo desembarque no
Algarve
, que iria dar a triunfo a causa. Apos a partida da esquadra, o exercito realista, na crenca de que a saida daquelas forcas enfraquecesse a defesa da
cidade
, deu um vigoroso assalto a 5 de Julho, repelido com numerosas baixas, tendo Saldanha, em virtude deste triunfo, sido promovido a tenente-general.
Entretanto,
D. Miguel
contratou o celebre
marechal de Bourmont
para comandante supremo, tendo este ordenado outro ataque a cidade no dia 25, o mais violento de todo o cerco. Foi nesse dia que Saldanha, a frente de 20 lanceiros apenas, comandou uma carga que o veio a tornar famoso. Vendo o seu exercito batido, D. Miguel, que seguia o combate do alto do Monte de S. Gens na
Senhora da Hora
, atirou ao chao o oculo que empunhava, irritado com a derrota, quando contava com uma vitoria estrondosa.
No dia imediato,
D. Pedro
partiu para Lisboa, ocupada ja pelas tropas do
duque da Terceira
, com os navios de Napier ancorados no
Tejo
, fincando a defesa do Porto entregue a Saldanha. No dia 9 de Agosto, D. Miguel e o seu Estado-Maior retiraram para o Sul, ao encontro das forcas do duque, ficando a comandar o exercito sitiante do lado de
Gaia
o frances conde de Almer, que, apos a brilhante vitoria de Saldanha no dia 18 de Agosto, obrigando os sitiantes a levantar o cerco pelo norte e leste da cidade, resolveu tambem retirar, nao sem antes mandar incendiar os armazens de
vinhos do Porto
em Gaia, em que se perderam 17.374
pipas
de vinho e 533 pipas de
aguardente
. O prejuizo foi, na epoca, avaliado em mais de 2 500 contos de reis.
Saldanha regressou ao Porto em triunfo no dia 20 de Agosto de 1833, apos a vitoria final.
- DORIA, Antonio Alvaro.
Movimentos Politicos do Porto no Seculo XIX
- MARTELO, David (2001).
Cerco do Porto 1832-33 ? A Cidade Invicta
. Lisboa
- MARTINS, Oliveira (1881)
Portugal Contemporaneo
. Lisboa
- NAPIER, Almirante Carlos.
Guerra da Sucessao em Portugal
. 2 vols.
- OWEN, Hugh (1915).
O Cerco do Porto contado por uma Testemunha - O Coronel Owen
. Porto.
- SORIANO, Simao Jose da Luz (1889).
Historia do Cerco do Porto
. Lisboa