Bernardo de Claraval
(em
frances
:
Bernard de Clairvaux
; castelo de
Fontaine-les-Dijon
,
1090
?
Ville-sous-la-Ferte
, 20 de agosto de 1153) foi um
abade
frances
,
canonizado
em 1174 e proclamado
Doutor da Igreja
. Foi o principal responsavel por reformar a
Ordem de Cister
, na qual entrou logo depois da morte de sua mae. Foi o fundador da
Abadia de Claraval
(
Clairvaux
), na Diocese de
Langres
.
Em 1128 Bernardo participou do Concilio de Troyes, que delineou a
regra monastica
que guiaria os
Cavaleiros Templarios
e que rapidamente tornou-se o ideal de nobreza utilizado no mundo cristao. Depois da morte do
papa Honorio II
em 1130, Bernardo foi instrumental para reconciliar a Igreja durante o chamado "cisma papal de
1130
", que so terminaria definitivamente com a morte do
antipapa Anacleto II
em 1138.
No ano seguinte, Bernardo ajudou a organizar o
Segundo Concilio de Latrao
. Em 1141, Inocencio convocou o Concilio de Sens para tratar da denuncia de Bernardo contra
Pedro Abelardo
. Com bastante experiencia em curar cismas na Igreja, Bernardo foi em seguida recrutado para ajudar no combate as
heresias
que grassavam no sul da Franca.
No Oriente Medio, depois da derrota crista no cerco de Edessa, o papa encarregou Bernardo de pregar a
Segunda Cruzada
, cujo fracasso seria depois considerado parcialmente culpa sua.
Bernardo morreu aos 63 anos, depois de passar quarenta anos
enclausurado
. Foi o primeiro
cisterciense
no
calendario de santos
, tendo sido canonizado por
Alexandre III
em 18 de janeiro de 1174. Em 1830,
Pio VIII
proclamou-o Doutor da Igreja.
Entre suas obras estao a
regra monastica
da
Ordem dos Templarios
, o "Tratado do Amor de Deus" e o "Comentario ao Cantico dos Canticos". E tambem o compositor ou
redator
do hino
"
Ave Maris Stella
"
e da invocacao "
O clemente, o piedosa, o doce Virgem Maria
" da oracao "
Salve Rainha
".
[
1
]
Os pais de Bernardo eram Tescelin,
senhor
de
Fontaines
, e Aleth de Montbard, ambos oriundos da mais alta nobreza da
Borgonha
. Ele foi o terceiro de sete filhos, seis dos quais homens. Aos nove, foi enviado para uma escola em
Chatillon-sur-Seine
dirigida pelos
clerigos seculares
de Saint-Vorles. Em sua educacao, demonstrou grande apreciacao pela literatura - principalmente para poder estudar a
Biblia
- e dedicou-se por algum tempo a
poesia
. Bernardo era especialmente devoto da
Virgem Maria
e escreveu depois muitas obras sobre a "
Rainha do Ceu
", como ele a chamava. Suas conquistas academicas lhe valeram grande admiracao de seus professores.
[
2
]
Bernardo tinha apenas dezenove anos quando sua mae morreu, um evento que o fez pensar em se retirar do mundo para viver uma
vida de solidao e oracao
.
[
3
]
Em 1098,
Sao Roberto de Molesme
fundou a
Abadia de Cister
, perto de
Dijon
,
[
4
]
com o objetivo de restaurar a "
Regra de Sao Bento
" o seu rigor original. Depois de voltar para sua terra natal, Roberto deixou sua nova abadia aos cuidados de Santo Alberico, que morreu em
1109
. Em 1113, Santo Estevao Harding havia acabado de sucede-lo como
abade
quando Bernardo e trinta outros jovens da nobreza foram admitidos na
Ordem de Cister
.
[
5
]
A pequena comunidade de
beneditinos
reformados de
Citeaux
, que teria uma profunda influencia sobre o
monasticismo
ocidental, cresceu rapidamente. Tres anos depois, Bernardo foi enviado a frente de um grupo de doze
monges
para fundar uma nova casa no Vallee d'Absinthe, na Diocese de
Langres
, uma regiao que ele batizou de
"Claire Vallee"
(que evoluiu depois para
"Clairvaux"
e tornou-se "Claraval" em portugues).
[
6
]
A nova
abadia
, fundada em 25 de junho de 1115, ligou seu nome,
Abadia de Claraval
, ao de Bernardo dai em diante.
[
3
]
Durante uma ausencia do bispo de Langres, Bernardo foi abencoado como
abade
por Guilherme de Champeaux, bispo de
Chalons-sur-Marne
e, a partir dai, uma forte amizade nasceu entre os dois. Guilherme era tambem professor de
teologia
em
Notre-Dame de Paris
e fora o fundador da Abadia de Sao Vitor na mesma cidade.
[
2
]
Os primeiros anos da nova abadia foram muito dificeis. O regime era tao austero que Bernardo ficou doente e, somente depois da intervencao de seu amigo Guilherme e por imposicao do
capitulo geral
da ordem que o regime seria relaxado. Apesar disso, o mosteiro progrediu rapidamente. Discipulos chegavam de todas as partes para servirem sob a direcao espiritual de Bernardo, incluindo seu pai e todos os seus irmaos. Humbelina, sua irma, permaneceu no mundo secular, mas, com o consentimento do marido, ela tambem se tornou
freira
no
convento
beneditino de
Jully-les-Nonnains
. Futuramente, Geraldo de Claraval (
Gerard de Clairvaux
), irmao mais velho de Bernardo, tornar-se-ia um
obedientiarius
em Citeaux. Contudo, a abadia logo ficou pequena demais e novos grupos de monges foram enviados para fundar novas casas. Em
1118
, a Abadia de Trois-Fontaines foi fundada na Diocese de
Chalons
; em 1119, a
Abadia de Fontenay
na Diocese de Autun; em
1121
, a Abadia de Foigny, perto de
Vervins
, na
Diocese de Laon
. Porem, nao foram so vitorias para Bernardo neste periodo. Durante uma ausencia de Claraval, o
grao-prior
da
Abadia de Cluny
foi a Claraval e atraiu o sobrinho de Bernardo, Roberto de Chatillon, para sua abadia, o que deu causa a mais longa e emocional de todas as cartas de Bernardo.
[
2
]
Em 1119, Bernardo esteve presente no primeiro
capitulo geral
da ordem, convocado por Santo Estevao de Citeaux. Apesar de nao estar ainda com trinta anos de idade, Bernardo foi ouvido com grande atencao e respeito, especialmente quando discursou sobre suas ideias a respeito de uma retomada do espirito primitivo de cumprimento das regras e maior fervor em todas as
ordens monasticas
. Foi este capitulo que decidiu a versao definitiva da constituicao da ordem e dos regulamentos da "Carta de Caridade" que o
papa Calisto II
confirmou em 23 de dezembro de 1119. No ano seguinte, Bernardo escreveu sua primeira obra,
"De Gradibus Superbiae et Humilitatis"
, e botou por escrito suas
homilias
em
"De Laudibus Mariae"
. Os
monges negros
de
Cluny
, porem, estavam descontentes com o papel de lideranca que Citeaux vinha assumindo entre as demais ordens e, por isso, os tentaram fazer com que estas regras parecessem ser impraticaveis. A pedido de Guilherme de Sao Teodorico, Bernardo defendeu-as em sua "Apologia", dividida em duas partes. Na primeira, provou ser ele proprio inocente das acusacoes de Cluny e, na segunda, contra-atacou as acusacoes. Demonstrou sua profunda estima pelos beneditinos de Cluny e afirmou ama-los tanto quanto os seus demais irmaos nas outras ordens.
Pedro, o Veneravel
,
abade de Cluny
, respondeu a Bernardo e assegurou-o de sua grande admiracao e sincera amizade. Neste interim, Cluny tambem iniciou suas reformas e o
abade Suger
, ministro de
Luis VI da Franca
, convertido pela "Apologia" de Bernardo, renunciou a vida secular e voltou para seu antigo mosteiro para restaurar a disciplina. O zelo de Bernardo se estendeu alem disso aos bispos, demais clerigos e a populacao laica. Sua carta ao arcebispo de
Sens
, desta epoca, e considerada como sendo um tratado sobre a vida episcopal (
"De Officiis Episcoporum"
). Do mesmo periodo e tambem sua obra "Graca e Livre Arbitrio".
[
2
]
Em 1128, Bernardo participou do Concilio de Troyes, convocado pelo
papa Honorio II
e presidido pelo
cardeal
Mateus,
bispo de Albano
, com o objetivo de resolver definitivamente a disputa entre os
bispos de Paris
e de propor algumas regulamentacoes para a
Igreja da Franca
. Os bispos reunidos elegeram Bernardo como secretario do concilio e o encarregaram de escrever os estatutos
sinodais
. Como resultado do concilio, o bispo de
Verdun
foi deposto. Foi ali tambem que Bernardo delineou a
regra monastica
que seria seguida pelos
Cavaleiros Templarios
e que tornar-se-ia o ideal de nobreza cristao. Por volta da mesma epoca, Bernardo escreveu sua
eulogia
aos templarios, a
"Liber ad milites templi de laude novae militiae".
[
7
]
Contudo, novamente Bernardo se viu criticado e chegou a ser denunciado em
Roma
, acusado desta vez de ser um monge se metendo em assuntos que nao lhe diziam respeito. O cardeal Harmerico, em nome do papa, escreveu a Bernardo uma dura carta de
admoestacao
na qual afirma que
"nao e adequado que sapos barulhentos e problematicos deixem seus pantanos para se meter com a Santa Se e os cardeais"
.
[
2
]
Bernardo respondeu afirmando que, se ele ajudou no concilio, foi por que foi arrastado para la a forca e continuou:
“
|
Mas, ilustre Harmerico, se voce desejar , quem seria mais capaz de libertar-me da necessidade de ajudar no concilio senao voce mesmo? Proiba que sapos barulhentos e problematicos saiam de suas tocas, que deixem seus pantanos... Desta forma, seu amigo nao mais sera exposto a acusacoes de orgulho e presuncao.
[
2
]
|
”
|
A carta, apesar do tom, foi muito bem recebida por Harmerico e pela
Santa Se
.
A influencia de Bernardo logo se faria sentir tambem nos assuntos provinciais. Ele defendeu os direitos da Igreja contra os avancos de reis e principes e lembrou Henrique Sanglier, arcebispo de
Sens
, e Estevao de Senlis, bispo de Paris, de seus deveres. Com a morte de Honorio II, ocorrida em
14 de fevereiro
de
1130
, um cisma irrompeu na Igreja depois que dois papas foram eleitos,
Inocencio II
e
Anacleto II
. Inocencio, depois de ser expulso de Roma por Anacleto, refugiou-se na
Franca
. O rei
Luis VI
convocou um
concilio
de
bispos
franceses em
Etampes
no mesmo ano. Bernardo foi escolhido para decidir entre os rivais pelo posto e escolheu Inocencio. Depois do concilio, Bernardo viajou para o
Reino da Inglaterra
para tratar com
Henrique I
suas duvidas em relacao ao novo papa - a maioria dos bispos ingleses havia apoiado a eleicao de Anacleto - e convenceu-o da correcao da escolha. O
Sacro Imperio Romano-Germanico
ja havia se decidido por Inocencio depois da intervencao de
Sao Norberto de Xanten
, amigo de Bernardo. Ainda assim, Inocencio insistiu que Bernardo o acompanhasse durante sua apresentacao ao imperador
Lotario III
, que tornou-se o seu maior aliado entre os nobres europeus. Depois de diversos concilios, como o de Etampes, Wurzburg,
Clermont
e Rheims, todos apoiando Inocencio, havia ainda uma grande divisao no mundo cristao. No final de 1131, os reinos da Franca, Inglaterra,
Castela
,
Aragao
e o Imperio Germanico apoiavam Inocencio, ao passo que a maior parte da
Italia
, o sul da Franca e a
Sicilia
, juntamente com os
patriarcas
orientais em
Constantinopla
,
Jerusalem
e
Antioquia
apoiavam Anacleto.
[
3
]
[
8
]
Em 1132, Bernardo acompanhou Inocencio II numa viagem a Italia e, quando passaram por Cluny, o papa extinguiu todas as taxas que Claraval pagava tradicionalmente aos cluniacos, o que iniciou uma discussao entre os
monges brancos
(cistercienses) e os
monges negros
(cluniacos) que perduraria por vinte anos. Em maio do mesmo ano, Inocencio, apoiado por Lotario III, finalmente entrou em Roma, mas o imperador, sentindo que suas forcas seriam insuficientes para resistir a guerra de guerrilha dos aliados de Anacleto na peninsula, recuou para alem dos
Alpes
e obrigou Inocencio a se refugiar em Pisa em setembro de 1133. Bernardo, que havia retornado para casa em junho para continuar seu trabalho de paz, teve que retornar para a
Aquitania
no final de 1134 depois que o
conde de Poitiers
,
Guilherme X
novamente passou a apoiar Anacleto, voltando atras numa promessa feita a Bernardo tres anos antes. Ele convidou-o para uma missa na igreja de La Couldre e, durante a
Eucaristia
,
"advertiu o duque a nao desprezar Deus como ele despreza Seus
servos
".
[
2
]
Guilherme cedeu novamente e o cisma aparentemente terminou.
Bernardo seguiu novamente para a Italia, onde
Rogerio II da Sicilia
estava tentando forcar a
Republica de Pisa
a apoiar Anacleto. La, conseguiu reconquistar a alianca do
Ducado de Milao
para o papa depois de os milaneses terem rompido com o papado ao seguir o arcebispo Anselmo V, que foi deposto. Por isso, recebeu - e recusou - uma proposta para tornar-se o novo
arcebispo de Milao
, preferindo voltar para Claraval. Acreditando estar seguro em seu claustro, Bernardo dedicou-se com renovado vigor a composicao das obras que lhe valeriam, seculos depois, o titulo de "
Doutor da Igreja
". Entre elas, seus famosos sermoes "Sobre o
Cantico dos Canticos
". Em 1137, Bernardo foi novamente obrigado a abandonar seu refugio por ordem do papa, que precisava dele para acabar com a disputa entre Lotario e Rogerio da Sicilia. Numa conferencia de paz em
Palermo
, Bernardo convenceu o rei siciliano a apoiar Inocencio II, silenciando assim um dos ultimos defensores do cisma. Anacleto morreu
"de desgosto e amargura"
em 25 de janeiro de 1138, encerrando definitivamente a disputa.
[
2
]
Em 1139, Bernardo ajudou a organizar o
Segundo Concilio de Latrao
, que condenou os poucos que ainda aderiam ao cisma. Na mesma epoca, recebeu a visita, em Claraval, de
Sao Malaquias
, o
Primaz de Toda Irlanda
e uma amizade muito estreita se formou entre eles. Malaquias queria tornar-se um cisterciense, mas o papa nao permitiu; ele acabaria morrendo em Claraval em 1148.
[
2
]
No final do
seculo XI
, um espirito de independencia floresceu entre
filosofos
e
teologos
, o que, por um tempo, levou a exaltacao da razao e do pensamento
racionalista
. O movimento encontrou um poderoso e ardente defensor em
Pedro Abelardo
, cujo tratado sobre a
Santissima Trindade
acabou sendo condenado como
heretico
em 1121 numa decisao que forcou o proprio Abelardo a atira-lo no fogo. Porem, ele continuou a desenvolver sua doutrina inabalado. Bernardo, ao saber disso atraves do relato de
Guilherme de Sao Teodorico
, encontrou-se com Abelardo com o objetivo de persuadi-lo a emendar suas obras, o que ele prometeu fazer depois de mostrar-se arrependido. Porem, assim que Bernardo partiu, mudou de ideia.
[
9
]
Furioso, Bernardo denunciou Abelardo ao papa e a
Curia Romana
. Este, por sua vez, tentou discutir com Bernardo, mas ele se recusou num primeiro momento afirmando nao acreditar que assuntos desta importancia deveriam ser resolvidos atraves de
analises logicas
(e sim atraves de argumentos teologicos). As cartas de Bernardo a Guilherme revelam, alem disso, que Bernardo estava apreensivo por ter que confrontar um famoso logico. Abelardo continuou a exigir um debate publico e fez com que seu desafio ficasse amplamente conhecido, dificultando a situacao para Bernardo. Em
1141
, a pedido de Abelardo, o arcebispo de
Sens
convocou um concilio de
bispos
perante o qual os dois deveriam apresentar seus casos, abrindo assim a possibilidade de Abelardo limpar seu nome.
[
9
]
Na noite anterior ao debate, Bernardo conseguiu convencer varios dos prelados da justica de sua causa e, no dia seguinte, logo depois do discurso inicial de Bernardo, Abelardo, sabendo da intriga, resolveu se retirar sem sequer tentar responder.
[
9
]
O concilio decidiu em favor de Bernardo e o julgamento foi confirmado pelo papa. Abelardo se submeteu sem resistencia e se retirou para Cluny, onde viveu sob a protecao de
Pedro, o Veneravel
, ate morrer dois anos depois.
[
3
]
Com o mosteiro lotado, Bernardo enviou uma grande quantidade de grupos de monges para a Alemanha, Suecia, Inglaterra, Irlanda, Portugal, Suica e Italia. Alguns, por ordem de Inocencio II, se apoderaram da Abadia de Trois-Fontaines, de onde emergiria o futuro
papa Eugenio III
em 1145,
[
10
]
a quem Bernardo enviaria depois, a seu pedido, instrucoes que depois seriam compiladas no "Livro das Consideracoes", uma cujas ideias principais eram que a reforma da Igreja deveria comecar com a santidade do proprio papa, que assuntos temporais eram acessorios e que os principios de piedade e meditacao deveriam preceder a acao.
[
11
]
Tendo ajudado antes a acabar com um cisma na Igreja, Bernardo foi novamente convocado, desta vez para combater a
heresia
.
Henrique de Lausanne
, um antigo monge em Cluny, adotou as doutrinas hereticas de
Pedro de Bruys
e passou a divulga-las, um pouco modificadas, depois da morte dele.
[
12
]
Em junho de 1145, a convite do
cardeal
Alberico de Ostia, Bernardo viajou para o sul da Franca,
[
13
]
onde sua pregacao, apoiada por sua aparencia
ascetica
e suas roupas simples, foi instrumental para acabar com a nova seita. Tanto henriquianos quanto pedrobrusianos comecaram a rarear ja no final do mesmo ano. Logo depois, Henrique foi preso, levado ate o
bispo de Toulouse
e, provavelmente, preso pelo resto da vida. Numa carta ao povo de
Toulouse
, indubitavelmente escrita antes do final de 1146, Bernardo urge os habitantes da cidade a extirparem os ultimos resquicios da heresia. Enquanto estava na regiao, Bernardo tambem pregou contra o
catarismo
.
[
10
]
Sao Bernardo pregando a cruzada
Ambos os eventos ocorreram num campo perto de
Vezelay
, onde Sao Bernardo pregou para uma grande multidao defendendo a Segunda Cruzada.
Em 1146, noticias alarmantes para os cristaos comecaram a chegar da
Terra Santa
. A maior parte do
Condado de Edessa
havia caido nas maos dos
turcos seljucidas
depois da vitoria muculmana no Cerco de Edessa.
[
14
]
O
Reino de Jerusalem
e os demais
estados cruzados
estavam agora a beira de um desastre similar. Diversas embaixadas de
bispos
vindos do
Reino Armenio da Cilicia
chegaram para pedir ajuda ao papa; vieram tambem a Roma embaixadores do rei da Franca. O papa, pressionado, encarregou Bernardo de pregar uma
nova cruzada
e prometeu conceder aos participantes as mesmas
indulgencias
que
Urbano II
havia concedido na
anterior
.
[
15
]
Num primeiro momento, o entusiasmo popular pela empreitada foi pifio, assim como ja ocorrera em 1095. Bernardo entao achou por bem se ater aos resultados que a tomada da cruz poderia gerar: a
absolvicao dos pecados
e de recepcao da
graca divina
. Em 31 de marco, na presenca de
Luis VII da Franca
, Bernardo pregou para uma enorme multidao reunida num campo em
Vezelay
. James Meeker Ludlow descreve a cena da seguinte forma:
[
16
]
“
|
Um grande palanque foi erguido numa colina fora da cidade. Rei e monge apareceram juntos, representando a vontade combinada da terra e do ceu. O entusiasmo da plateia de Clermont quando
Pedro, o Eremita
, e
Urbano II
lancaram a primeira cruzada era equivalente ao fervor sagrado inspirado agora por Bernardo, que gritava: "O vos que me ouvis! Apressai-vos para aplacar a furia do ceu, mas nao imploreis mais por sua bondade reclamando inutilmente. Vesti-vos em panos de saco e tambem cobri-vos com impenetraveis escudos [a cruz]. O ruido das armas, o perigo, as labutas, as fadigas da guerra, sao as
penitencias
que Deus agora impoe sobre vos. Apressai-vos assim para
expiar seus pecados
atraves de vossas vitorias sobre os infieis e que a libertacao dos lugares santos seja a recompensa de vosso arrependimento". Como da vez anterior, os gritos de
"
Deus vult
!"
preencheram o silencio no campo e ecoou na voz do orador: "Amaldicoado seja aquele que nao manchar sua espada de sangue!"
|
”
|
|
?
James Meeker Ludlow.
|
Quando Bernardo terminou, a multidao se alistou em massa e, segundo o relato, acabaram com os panos de saco para vestirem-se com o
"escudo da cruz"
. Conta-se que Bernardo entregou suas proprias roupas para ajudar na empreitada.
[
15
]
Ao contrario da Primeira Cruzada, esta nova tentativa atraiu a realeza, como
Eleanor de Aquitania
, rainha da Franca;
Teodorico da Alsacia
,
conde de Flandres
;
Henrique
, o futuro
conde de Champagne
; o irmao de Luis VII,
Robert I de Dreux
;
Afonso-Jordao de Toulouse
;
Guilherme II de Nevers
; Guilherme de Warenne, 3º earl de Surrey;
Hugo VII de Lusignan
e diversos outros nobres e bispos. Mas um apoio ainda maior foi conquistado entre a populacao e Bernardo escreveu para o papa apenas alguns dias depois afirmando que
"cidades e castelos estao agora vazios. Nao sobrou um homem para cada sete mulheres e por toda parte ha viuvas de maridos vivos".
[
15
]
Bernardo entao foi para o
Imperio Germanico
, onde os relatos de milagres que se multiplicaram a cada passo de sua viagem sem duvida contribuiram para o sucesso de sua missao.
Conrado III da Alemanha
e seu sobrinho,
Frederico Barbarossa
, receberam a cruz das maos do proprio Bernardo.
[
14
]
O papa Eugenio foi pessoalmente a Franca depois para reforcar a pregacao e, assim como ja havia acontecido na cruzada anterior, a pregacao deu inicio a uma serie de
ataques
a
populacao judaica
da regiao. Um fanatico monge frances chamado Radulphe foi, aparentemente, o responsavel por muitos massacres na
Renania
(
Colonia
,
Mainz
,
Worms
e
Speyer
), argumentando que os judeus nao estariam contribuindo financeiramente para o resgate da Terra Santa. Os
arcebispos
de
Colonia
e
Mainz
se opuseram veementemente aos ataques e pediram que Bernardo denunciasse Radulphe, o que ele fez. Porem, conforme a campanha avancava, Bernardo foi forcado a ir dos
Flandres
ate a Alemanha para lidar com o problema pessoalmente. Depois de encontrar Radulphe pessoalmente em Mainz, conseguiu finalmente silencia-lo ordenando que voltasse para seu
mosteiro
.
[
17
]
Os ultimos anos de Bernardo foram de grande tristeza por causa do fracasso desta cruzada, que, por ter sido pregada principalmente por ele, acabou tornando-se tambem um fracasso pessoal.
[
18
]
Ele considerava que era seu dever enviar um pedido de desculpas ao papa e ele foi inserido na segunda parte do "Livro de Consideracoes". Nele, Bernardo explica como os pecados dos cruzados teriam sido responsaveis pelo desastre. Quando iniciou sua tentativa de convocar uma nova cruzada, Bernardo tentou desassociar seu nome completamente da Segunda.
[
19
]
A morte de seus contemporaneos serviu de aviso a Bernardo de que seu proprio fim se aproximava. O primeiro a morrer foi
Suger
, em 1152, sobre quem Bernardo escreveu ao papa Eugenio III elogiando:
"Se existe um vaso precioso adornando o palacio do Rei dos Reis, e a alma do veneravel Suger"
. Conrado III e Henrique morreram no mesmo ano. Quando o proprio Eugenio morreu em 1153, Bernardo perdeu seu melhor amigo e consolador. Sao Bernardo morreu em
20 de agosto
de
1153
aos sessenta e tres anos de idade, quarenta dos quais passou enclausurado.
[
10
]
Foi enterrado na
Abadia de Claraval
, mas, depois que ela foi dissolvida em 1792 durante a
Revolucao Francesa
, seus
restos mortais
foram
levados
para a Catedral de Troyes.
Sao Bernardo de Claraval foi nomeado
Doutor da Igreja
em
1830
. No 800º aniversario de sua morte,
Pio XII
emitiu uma
enciclica
sobre Bernardo,
"Doctor Mellifluus"
, na qual chama-o de
"O Ultimo dos Padres"
. Bernardo nao rejeitou a filosofia humana, que e genuina e leva a Deus, mas diferenciou os diversos tipos de conhecimento, colocando no posto mais alto o
teologico
. Tres elementos centrais da
mariologia
de Bernardo sao: sua explicacao para a
virgindade perpetua de Maria
, a
"Estrela do Mar"
; como os fieis deveriam
rezar para a Virgem Maria
e como ele percebia a Virgem como "
Medianeira
".
Bernardo tambem defendia algumas doutrinas que os
reformadores
posteriores retomariam no inicio da Reforma. Por isso, alguns o identificam como sendo um protestante antes de seu tempo. A realidade, porem, e que Bernardo defendia uma mistura de doutrinas reformistas e outras defendidas pela
Igreja Catolica Romana
ate hoje.
[
20
]
Bernardo era, por exemplo, cetico em relacao a doutrina da
Imaculada Conceicao de Maria
.
[
21
]
Era tambem de grande importancia para os reformadores o conceito de
justificacao
de Bernardo.
Calvino
cita Bernardo diversas vezes para demonstrar a validade historica da doutrina da
"
Sola Fide
",
[
22
]
[
23
]
que
Lutero
descrevera como sendo um artigo de fe sobre o qual a Igreja se sustenta ou rui.
[
24
]
Calvino tambem cita-o quando desenvolve sua doutrina de uma retidao forense exterior, traduzida geralmente como "retidao imputada".
[
25
]
[
26
]
Bernardo foi instrumental ao re-enfatizar a importancia da
"
Lectio Divina
"
e da
contemplacao
sobre as
Escrituras
na Ordem de Cister.
[
27
]
Ele observou que, quando ela era negligenciada, sofria o monasticismo e, mais, considerava que ela juntamente com a contemplacao guiada pelo
Espirito Santo
eram chaves para nutrir a espiritualidade crista.
[
27
]
Expandindo sobre a doutrina de
Santo Anselmo de Cantuaria
(outro Doutor da Igreja), Bernardo transmutou o cristianismo calcado no
ritual sacramental
tipico da
Alta Idade Media
numa nova fe, mais pessoal, que tinha a
vida de Cristo
como modelo e com grande enfase na Virgem Maria. Ao contrario do vies racionalista utilizado para compreender o divino adotado pelo
escolasticismo
, Bernardo pregava uma fe mais imediata tendo Maria como intercessora.
Entre as obras de Sao Bernardo estao:
- "De gradibus humilitatis et superbiae"
("Os Passos da Humildade e do Orgulho"), seu primeiro tratado, escrito em meados da decada de 1120.
[
28
]
- "Apologia ad Guillelmum Sancti Theoderici Abbatem"
("Apologia a Guilherme de Sao Teodorico"), escrito em defesa dos cistercienses contra as alegacoes dos monges cluniacos.
[
29
]
- "De Conversione Ad Clericos Sermo Seu Liber"
("Sobre a Conversao de Clerigos"), um livro enderecado aos jovens clerigos de Paris, escrito em 1122.
[
30
]
- "De Gratia et Libero Arbitrio"
("Sobre a Graca e o Livre Arbitrio"), escrito por volta de 1128 em defesa dos
dogmas
catolicos da
graca
e do
livre arbitrio
seguindo os principios lancados por
Santo Agostinho
(tambem Doutor da Igreja).
[
31
]
- "De diligendo Dei"
("Sobre Amar Deus"), escrito possivelmente em 1128, delineia sete estagios da ascensao que leva a uniao com Deus.
[
32
]
- "De Laude Novae Militiae"
("Um Elogio a Nova Cavalaria"), enderecada a
Hugo de Paynes
, o primeiro
grande-mestre da Ordem dos Templarios
e
prior
de Jerusalem (1129). Uma
eulogia
aos templarios, ordem instituida em 1118, e uma exortacao aos
cavaleiros
para que se portassem corajosamente em suas diversas funcoes.
[
33
]
- "De praecepto et dispensatione libri"
("Livro de Preceitos e Dispensacoes"), escrito entre 1141 e 1144, contem respostas a questoes sobre alguns pontos da "
Regra de Sao Bento
" que os
abades
podem ou nao podem decidir.
[
34
]
- "De Consideratione"
("Sobre Consideracao"), escrito entre 1148 e 1153, enderecada ao papa Eugenio III.
[
35
]
- "Liber De Vita Et Rebus Gestis Sancti Malachiae Hiberniae Episcopi"
("A Vida e a Morte de Sao Malaquias, o Irlandes").
[
36
]
- "De Moribus Et Officio Episcoporum"
, uma carta enderecada a Henrique, arcebispo de
Sens
, sobre os deveres dos bispos.
[
37
]
Sao numerosos tambem os seus
sermoes
:
- Os mais famosos sao seus
"Sermones super Cantica Conticorum"
("Sermoes sobre o Cantico dos Canticos"). Embora ja se tenha sugerido que o sermao seja apenas um
artificio retorico
num conjunto de obras cujo objetivo era unicamente ser lido, principalmente por que estas obras literarias bem trabalhadas e longas jamais poderiam ter sido anotadas corretamente por um monge enquanto Bernardo pregava, academicos modernos tendem a acreditar que, embora o que se encontra nestes textos tenha certamente sido escrito por Bernardo, os textos provavelmente tem sua origem em sermoes pregados aos monges de Claraval.
[
38
]
Bernardo comecou a escreve-los em 1135 e morreu sem te-los completado, deixando oitenta e seis.
[
39
]
[
40
]
Algum tempo depois da morte de Bernardo, o monge cisterciense ingles Gilberto de Hoyland recebeu a incumbencia de continuar a serie. Ele escreveu mais 47 sermoes antes de morrer em 1172, levando a serie ate o capitulo 5 do
Cantico dos Canticos
. Outro abade cisterciense ingles, Joao de Ford, escreveu mais 120 e completou o comentario-sermao sobre o livro biblico.
- Ha 125
"Sermones per annum"
("Sermoes sobre o Ano Liturgico") sobreviventes.
- Ha tambem diversos
"Sermones de diversis"
("Sermoes sobre Diferentes Topicos").
- Trecho do
Sermao de quarta-feira da Semana Santa
Finalmente, ha 547 cartas inequivocamente atribuidas a Bernardo.
[
41
]
Muitas cartas, tratados e outras obras foram erroneamente atribuidas e sobreviveram. Elas sao atualmente referidas como sendo de
Pseudo-Bernardo
:
- "Meditacoes", obra provavelmente escrita em algum momento do seculo XIII. Ela circulou amplamente durante a Idade Media sob o nome de Bernardo e era uma das mais populares obras religiosas da
Idade Media Tardia
. Trata principalmente do auto-conhecimento como sendo o principio da sabedoria e comeca com a famosa frase
"Muitos sabem muito sem conhecer a si proprios".
[
42
]
A teologia e a mariologia de Bernardo continuam sendo de grande importancia, principalmente para as ordens dos cistercienses e
trapistas
, nas quais seus textos sao prescritos como leituras obrigatorias. Bernardo foi o responsavel direto pela fundacao de 163
mosteiros
em diferentes partes da Europa e, quando morreu, o numero era de 343. Sua influencia levou o
papa Alexandre III
a lancar reformas que levariam ao estabelecimento do "
Codigo de Direito Canonico
".
[
43
]
Bernardo foi ainda o primeiro monge cisterciense a entrar para o
calendario de santos
, tendo sido
canonizado
por Alexandre III em 18 de janeiro de 1174.
Pio VIII
proclamou-o Doutor da Igreja em 1830, conhecido como
"Doctor Mellifluus"
("Doutor da Voz de Mel") por sua
eloquencia
. Os cistercienses dedicam a ele as mesmas honras reservadas aos fundadores da ordem por seu extensivo trabalho para expandi-la em seus primeiros anos.
[
10
]
Na "
Divina Comedia
", de
Dante Alighieri
, Bernardo e o ultimo dos guias de Dante, conduzindo-o atraves do
Paraiso
(cantos XXXI?XXXIII). O motivo parece ser o
misticismo contemplativo
de Bernardo, sua devocao a Virgem Maria e sua reputacao de eloquencia.
[
44
]
A cidade brasileira de
Sao Bernardo do Campo
foi batizada em homenagem a Sao Bernardo.
Ha lendas que associam Sao Bernardo a
Portugal
. Diz-se, por exemplo, que o proprio Bernardo teria vindo a Portugal quando se estabeleceu a
Ordem de Cister
no pais (
Mosteiro de Sao Joao de Tarouca
, em 1142), e ate que teria estado na
Abadia de Alcobaca
, um dos maiores
coutos
cistercienses de toda a
Europa
(o que evidentemente era impossivel, ja que a ela foi consagrada no ano da morte de Bernardo).
[
carece de fontes
]
Estudos recentes dao como certo que Sao Bernardo esteja associado a
independencia de Portugal
. Parece ter sido por sua mediacao (ou pelo menos, por mediacao da sua abadia) que o
papa
enviou um
legado
a
Peninsula Iberica
que reconheceu, senao a independencia nacional, pelo menos o titulo de
duque
a
Afonso Henriques
e a submissao do novo pais a
Santa Se
em troca do pagamento de quatro
oncas
de ouro anuais.
[
carece de fontes
]
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- ≪Abadia de N. Srª. de Sao Bernardo - Brasil≫
- Sao Bernardo de Claraval - Monge, Mistico e Profeta
Pagina visitada em 24 de agosto de 2012.
- Obras de Sao Bernardo de Claraval na Biblioteca Nacional de Portugal