A palavra
abade
, que provem do substantivo
latino
abbas
,
abbatis
, atraves da sua forma acusativa
abbatem
? a qual, por sua vez, deriva do siriaco
abba
(atraves do etimo
hebraico
ab
) ?, significa
pai
e e utilizada como titulo
clerical
, no
Cristianismo
, com diversas acepcoes (paroco, cura de almas, prelado de
mosteiro
ou congregacao
religiosa
, monge, etc.), ainda que se refira, na sua acepcao original, a vida monastica e a quem governa uma
abadia
. Na
Igreja Ortodoxa
e em outras
Igrejas orientais
, o titulo que lhe e comparavel e o de
hegumenos
ou
arquimandrita
. Em lingua portuguesa o feminino e
abadessa
.
O titulo teve a sua origem nos
mosteiros
da
Siria
, no
seculo IV
, tendo-se espalhado pelo
Mediterraneo oriental
, sendo adoptado, na generalidade das linguas europeias, para designar o governante de um dado mosteiro.
O titulo de abade so comecou a usar-se em 472, e o termo comecou por se aplicar a varios tipos de clerigos. Por exemplo, na
corte
das
monarquias
Francas
dos
Merovingios
e
carolingios
, o
Abbas palatinus
ou
Abbas Curiae,
referia-se ao capelao da corte (do
palacio
) e
Abbas castrensis
, ao capelao de campo, ou seja, do
exercito
. No inicio, por influencia de determinadas passagens da
Biblia
da
Vulgata
,
latina
, era empregue como titulo de respeito para qualquer
monge
, mas rapidamente comecou a ser utilizado exclusivamente para alguns superiores
monasticos
ou guias espirituais, quer governassem mosteiros ou nao.
Na
Peninsula Iberica
, durante a
epoca visigotica
, o termo manteve o significado de paternidade espiritual, uso que se manteve mesmo depois da
Reconquista
, especialmente no que actualmente corresponde ao norte de
Portugal
. Mais tarde, passou a designar especificamente os superiores de mosteiros e os parocos de algumas
freguesias
principais, que recebiam directamente os
dizimos
e outros
tributos
a que a populacao estava obrigada em relacao a Igreja. Com o liberalismo, no
seculo XIX
, acabaram estas obrigacoes, mas o termo continuou a ser utilizado, inclusive para designar parocos que antes nao recebiam esta designacao. No sul de Portugal, contudo, o termo nunca foi utilizado com este sentido.
Em Portugal sempre foi um titulo considerado de respeito para qualquer monge. Usou-se ao longo dos tempos em diversas expressoes: Abade dos Abades, por exemplo, era o titulo envergado pelos superiores dos
mosteiros
de
Sao Cucufate
e de
Sao Vicente de Fora
, no
bispado de Beja
. O
Deao
de
Lamego
tinha o titulo de Abade de Almacave. O mestre escola da
colegiada de Nossa Senhora da Oliveira
, em
Guimaraes
, era nomeado Abade de Sao Tiago. Os
arcebispos de Braga
, desde a uniao do
Convento de Sao Vitor
a camara arquibispal daquela diocese, envergaram o titulo de Abades de Sao Victor. Abade era tambem o prelado de uma abadia regular que, sendo elevado a dignidade episcopal, transformava a sua igreja e mosteiro em
catedral
e sede do bispado. Foi o caso de
Sao Martinho
, bispo de Dume, junto a Braga.
Nos mosteiros de conegos regrantes, "
Abade dos conegos
" era a designacao daquele que precedia, em tudo, aos priores castreiros residentes ou vigarios. O nome Abade Magnate, foi atribuido ao abade da
congregacao de Sao Bernardo
, que tinha territorio proprio e isento de jurisdicao episcopal, conhecia das coisas matrimoniais e sacrilegas, dava demissorias aos subditos seculares, punha vigarios gerais, etc.
Os abades de igrejas seculares e paroquias que tinham sido antigamente mosteiros, como a de
Soalhaes
, no Porto, e a de
Sebadim
em
Arcos de Vale de Vez
, gozavam do titulo de Abade do Prelado.
Sao Teotonio
foi em Portugal o primeiro que trocou este titulo pelo de Prior.
Outras congregacoes escolheram outros titulos para os seus superiores, como, entre os
Dominicanos
,
Carmelitas
e
Agostinhos
, que os designam como
Praepositus
,
Reitor
, e
Prior
; entre os
Franciscanos
,
Custos,
(guardiao); e, entre os
Camaldulenses
, "Major."
No
Egipto
, onde nasceu o monasticismo cristao, a jurisdicao do abade ou arquimandrita estava muito vagamente definida. Superintendia uma unica comunidade, ou, por vezes, varias, que tinham tambem o seu proprio abade.
Sao Bento de Nursia
considerava que o abade era o representante de Cristo, o apoio das necessidades dos monges, alem de ter autoridade juridica e administrativa no mosteiro.
Joao Cassiano
escreveu sobre um abade de
Tebaida
que dirigia cerca de 500 monges. Segundo a
Regra de Sao Bento
, que, ate a reforma de
Cluny
, era a norma no
Ocidente
, um abade deveria ter jurisdicao apenas sobre uma comunidade. A regra, como era inevitavel, foi alvo de frequentes violacoes. Com a fundacao da Ordem de Cluny, passou a defender-se a ideia de um abade supremo responsavel por todas as casas de uma
Ordem
.
Os monges, por regra, eram leigos, e os abades nao eram excepcao. Para a recepcao dos
sacramentos
, bem como para qualquer oficio religioso, o abade e os monges teriam de se dirigir a
igreja
mais proxima. Esta regra tornou-se, contudo, inconveniente quando um mosteiro se situava num
deserto
ou longe de qualquer cidade, o que obrigou a ordenacao de alguns monges. Esta inovacao nao se deu sem polemica, ja que a dignidade eclesiastica era considerada incompativel com uma vida totalmente devotada a espiritualidade e a santidade, mas, antes do fim do
seculo V
, quase todos os abades tornaram-se
diaconos
ou
padres
, pelo menos no
Oriente
. A mudanca foi mais lenta a Ocidente, onde os leigos mantinham a maior parte das vezes o cargo ate ao final do
seculo VII
. A lideranca eclesiastica exercida pelos abades, apesar do seu estatuto de leigos, prova-se pela sua presenca e participacao em
concilios eclesiasticos
. Assim, no
Concilio de Constantinopla
, em
448
, 23 arquimandritas e abades participaram, ao lado de 30
bispos
.
O
Segundo Concilio de Niceia
, em
787
, reconheceu aos abades o direito de conferir a tonsura e ordenar os seus monges nas ordens inferiores ate a ordem de leitor ? poder, em geral, reservado aos
bispos
.
Os abades estavam sujeitos a jurisdicao episcopal e assim continuaram no Ocidente ate ao
seculo XI
. O
Codigo de Justiniano
(lib. i. tit. iii. de Ep. leg. xl.) subordinava expressamente o abade a supervisao episcopal. O primeiro caso de isencao de controlo episcopal em relacao a um abade foi em relacao a Fausto, abade de
Lerins
, no
Concilio de Arles
, em
456
. As exigencias algo
despoticas
dos bispos tornaram estas excepcoes mais frequentes. No
seculo VI
, a politica de isencao abacial da subordinacao episcopal teve um importante impulso, principalmente depois do pontificado de
Gregorio Magno
. Estas excepcoes criaram, no entanto, problemas na organizacao da Igreja. No
seculo XII
a situacao era a de
imperium in imperio
,
estando os bispos desautorizados perante importantes centros de influencia das suas
dioceses
. Nesse mesmo seculo, os abades de
Fulda
pediram precedencia em relacao ao
arcebispo de Colonia
. Os abades comecaram entao a assumir cada vez mais um estatuto quase equiparavel ao de bispo e, em desafio em relacao aos primeiros concilios, comecaram a adoptar insignias episcopais, como a
mitra
,
anel
,
luvas
e
sandalias
, o que preocupou algumas personalidades, como
Sao Bernardo
. E defendido por alguns autores que o direito de usar mitra ja tinha sido concedido pontificialmente, por varias vezes, a abades, mesmo antes do seculo XI, mas os documentos que apoiam esta tese nao sao actualmente considerados genuinos
[1]
. O primeiro caso registado consiste numa
bula
pela qual
Alexandre II
, em
1063
concedia o uso da mitra a Egelsinus (
Egelsino
), abade do
mosteiro de Santo Agostinho
, em
Cantuaria
. Entre os
abades com mitra
, em
Inglaterra
, contavam-se os de
Abingdon
, da
Abadia de Saint Alban
, Bardney, Battle, da
Abadia de Bury St Edmund's
, St Augustine's Canterbury,
Colchester
,
Croyland
,
Evesham
,
Glastonbury
,
Gloucester
, St Benet's Hulme, Hyde,
Malmesbury
,
Peterborough
,
Ramsey
,
Reading
,
Selby
,
Shrewsbury
,
Tavistock
,
Thorney
,
Westminster
,
Winchcombe
e St Mary's
York
.
A precedencia, entre estes, fora concedida originalmente ao abade de Glastonbury, ate que em
1154
o
Papa Adriano IV
(Nicholas Breakspear) a concedeu ao Abade de St Alban, de cujo mosteiro era originario. Logo apos ao abade de St Alban's, seguia-se, na hierarquia, o abade de Westminster. Para distinguir abades de bispos, foi ordenado que as mitras abaciais fossem manufacturadas com materiais de menor custo, nao podendo ser ornamentados com ouro ? regra que rapidamente foi desrespeitada. A curva do
baculo
deveria tambem dirigir-se para dentro, em vez de para fora, de forma a indicar que a sua jurisdicao se limitava a sua propria casa.
A adopcao de certas insignias episcopais pelos abades foi seguida por uma crescente intrusao tambem nas funcoes do bispo ? tendo-se tentado corrigir esta ingerencia no
Primeiro Concilio de Latrao
em
1123
. Gradualmente, os abades ocidentais comecaram a reclamar o alargamento dos poderes ja antes conquistados no Concilio de Niceia de 787, ate que o
Papa Inocencio IV
lhes conferiu o direito de conferir o subdiaconato e o
diaconato
.
Quando se abria uma vaga para o lugar de abade, por vezes, o bispo poderia eleger o novo dignitario de entre os monges da abadia, mas, segundo a regra de Sao Bento, seriam os proprios monges a elege-lo, cabendo ao bispo apenas a confirmacao e bencao. Em abadias isentas da jurisdicao (arqui)diocesana, a confirmacao e bencao do novo abade deveria recair sobre o proprio
Papa
, o que obrigava a uma viagem ate
Roma
, as expensas da abadia. Era necessario que o abade tivesse mais de 25 anos, de nascimento legitimo, pertencente a sua casa. Se nenhum dos monges cumprisse estes requisitos, abria-se uma excepcao para outro monge, de outro convento, que fosse digno de dirigir os outros, por ter praticado a regra da
obediencia
. Em alguns casos excepcionais, um abade poderia escolher o seu proprio sucessor. Joao Cassiano fala de um abade, no Egipto, que o teria feito. Mais tarde, o mesmo aconteceu com
Sao Bruno de Colonia
. Os Papas e os soberanos foram, contudo, imiscuindo-se cada vez mais nos direitos dos monges ? chegando ao ponto de o proprio Papa usurpar exclusivamente para si a nomeacao de todos os abades. O mesmo aconteceu em
Franca
, onde o
rei
apenas abria excepcao para as abadias de Cluny,
Premontre
e outras casas dirigentes da sua Ordem. A eleicao era vitalicia, a nao ser que o abade fosse deposto pelos superiores da sua Ordem.
A cerimonia da admissao formal de um abade Beneditino na
Idade Media
seguia, em termos gerais, o direito consuetudinario de
Abingdon
. O abade recem eleito deveria tirar os sapatos junto a porta da Igreja e seguir descalco ate junto dos membros da sua casa. Depois de chegar a
nave
, dever-se-ia ajoelhar e orar no degrau mais alto da entrada do
coro
, onde seria recebido pelo bispo ou por alguem designado episcopalmente, e conduzido ao seu lugar. Os monges, de seguida, ajoelhar-se-iam, dando-lhe o beijo da paz na mao e, ao levantarem-se, na boca, enquanto o abade envergaria o baculo. Em seguida, voltava a colocar os sapatos na vestiaria, realizava-se um
capitulo
e o bispo, ou o seu representante, faria um
sermao
apropriado.
O poder do abade era paternal (paternalidade "pneumatica") mas absoluto, limitado apenas pelo consignado no
direito canonico
. Uma das principais metas do
monasticismo
consistia na repressao do amor-proprio e do egoismo, considerando-se a obediencia um dos caminhos para a perfeicao. Era considerado um dever sagrado executar todas as ordens do abade, considerando-se, por vezes, transgressao agir sem a sua ordem. Cassiano detalha como, por exemplo, entre os monges egipcios, esta aspiracao a virtude era de tal forma exaltada que se traduzia, por vezes, na realizacao das tarefas mais humilhantes ou impossiveis de realizar, como regar uma planta seca meses seguidos (ja que nao houve ordem em contrario) ou tentando remover uma rocha cujo peso suplantava em muito a capacidade do monge.
Antes da era moderna, o abade era tratado com a maior das reverencias pelos seus confrades. Quando entrava na igreja ou em reuniao do capitulo, todos os presentes se levantavam e o reverenciavam. As suas ordens por escrito era recebidas de joelhos, como se se tratasse de um
rei
ou do
Papa
. Nenhum monge se poderia sentar na sua presenca ou abandonar a sala sem a sua permissao, reflectindo ai as
normas de etiqueta
familiares e sociais devidas aos "pais". O lugar mais elevado era para ele reservado, tanto na Igreja como a mesa. No Oriente, comia com os outros monges. No Ocidente, segundo a
Regra de Sao Bento
, deveria comer numa mesa a parte, onde poderia conviver com estranhos a casa e convidados. Como esta regra poderia ser interpretada como uma permissao para uma vida de
luxo
, o
Concilio de Aachen
, em
817
, decretava que o abade deveria comer com os seus confrades no
refeitorio
, contentando-se com o alimento dado aos outros, a nao ser quando houvesse visitas. Estas deliberacoes, contudo, raramente foram cumpridas a risca e os abades nao ficaram para a historia como exemplos de dieta austera. A literatura da epoca e prodiga em relatos satiricos e desbargados quanto a extravagancia das mesas abaciais. Quando o abade condescendia em comer no refeitorio, o seu capelao esperava-o, com os pratos, sendo por vezes necessario alguem que o servisse. Quando os abades comiam no seu compartimento, a Regra de Sao Bento obrigava-os a convidar os seus confrades para a mesa, desde que houvesse espaco, sendo de evitar conversas frivolas e querelas.
O vestuario do abade deveria ser, de acordo com a regra, igual ao dos outros monges. Mas, no
seculo X
a regra era ja posta de lado, existindo varios relatos que reclamam contra abades que se vestiam de
seda
e com aderecos de luxo. Por vezes, abandonavam o
habito
monastico e assumiam roupas seculares. Com o crescimento do seu poder e riqueza, os abades comecaram a perder grande parte do seu caracter religioso, tornando-se grandes senhores, distinguindo-se dos leigos praticamente apenas pelo
celibato
. E desta forma que surgem referencias, na literatura, a abades que vao a
caca
, com grandes sequitos portando
arcos
e flechas, que mantem
cavalos
,
caes
e batedores, com uma magnificencia comparavel a dos principais
nobres
do reino. Cacavam em
mulas
com redeas douradas, selas ricamente lavradas e com
falcoes
. O abade de
Leicester
, por exemplo, em
1360
, era reconhecido com um dos mais habeis na arte da caca. Os sinos das igrejas tocavam a sua passagem. Conviviam de igual para igual com os leigos da mais alta distincao, compartilhando com eles interesses e prazeres. Esta posicao e poder era usado, contudo, com fins beneficentes. Por exemplo, lemos a respeito de Whiting, ultimo abade de
Glastonbury
? condenado a morte apos julgamento, por
Henrique VIII
? que a sua casa era algo como uma corte bem governada, onde cerca de 300 filhos de nobres eram educados na virtude, de acordo com o desejo dos seus pais, em conjunto com outros com menos recursos economicos, que ai eram preparados para a vida
universitaria
. Conseguia atender e entreter mais de 500 convidados de renome, ao mesmo tempo que visitava e socorria os mais pobres duas vezes por semana. Tinha as suas casa de campo e de pesca. Quando ia de viagem ate ao parlamento, seguia com um sequito de mais de 100 pessoas. Os abades de
Cluny
e
Vendome
eram, por honra do seu oficio,
Cardeais
da
Igreja Catolica
.
Ao longo do tempo, o titulo de abade comecou a ser usado por clerigos que nao tinham qualquer relacao com o sistema monastico, como acontecia com os guias espirituais de um corpo paroquial de clerigos. O titulo chegou mesmo a ser adoptado por oficiais puramente seculares, como o magistrado-mor de
Genova
, designado como
Abbas Populi
.
Os abades comendatarios, leigos, (designados em latim,
defensores
,
abbacomites
,
abbates laici
,
abates milites
,
abbates saeculares
ou
irreligiosi
,
abbatiarii
, ou, por vezes, apenas
abbates
) apareceram como resultado do desenvolvimento do
sistema feudal
, a partir do
seculo VIII
, com a pratica da atribuicao de comendas pelo rei ou pelo Papa, que obrigavam as comunidades a pagar determinadas rendas a senhores, leigos, geralmente cavaleiros de
ordens militares
, em troca da sua proteccao ou como forma de pagamento por servicos militares. Em geral, a gestao destes abades, desligada dos interesses dos mosteiros, foi quase sempre danosa para os mesmos.
O sistema estabeleceu-se durante a
epoca Carolingia
, com a atribuicao de
feudos
e
beneficios
hereditarios
que so comecariam a ser reformulados com a reforma de Cluny no
seculo X
; ate no
mosteiro de Alcobaca
ou no
Mosteiro de Tibaes
se instituiram abades comendatarios. A
Abadia de Saint Denis
, por exemplo, foi dada em comenda a
Hugo Capeto
. Em
Inglaterra
, o abuso da atribuicao destas comendas foi particularmente grave no seculo VIII, como se pode depreender das
actas
do
Concilio de Cloveshoe
.
O enfeudamento das abadias diferia em grau e em forma. Por vezes, os monges ficavam directamente sujeitos a autoridade do abade comendatario; noutras ocasioes, as funcoes espirituais eram delegadas a um substituto, geralmente conhecido como deao, mas a que tambem se aplicava o termo abade (
abbas legitimas
,
monasticus
,
regularis
). Em grande parte do mundo Cristao, no
seculo XI
assiste-se a uma reforma que faz terminar com a jurisdicao directa dos abades comendatarios sobre os mosteiros. Em Portugal, contudo, os abades comendatarios foram suprimidos apenas em
1640
, depois da reforma das ordens
Cistercienses
e dos
Beneditinos
? altura, tambem, em que o mandato dos abades deixou de ser vitalicio, passando a ter uma duracao de tres anos (com a restauracao dos Beneditinos em Portugal, o cargo voltou a ser vitalicio). No sul de Franca, por exemplo, algumas familias mantiveram o titulo de abades cavaleiros (
abbates milites
) por seculos, mantendo tambem alguns dos seus beneficios. Mas estes abusos do poder secular nao se limitaram ao Ocidente. Joao,
patriarca de Antioquia
, relata que, no inicio do seculo XII, muitos dos mosteiros eram governados por leigos,
bencficiarii,
de forma vitalicia ou temporaria, por ordem imperial.
Geraldo de Gales
refere (em
Itinerary
, ii.iv) , a respeito da Igreja de Gales, no
seculo XII
:
- "
um mau costume assentou entre o clero, de nomear os mais poderosos da paroquia como directores, ou, melhor, patroes, das suas igrejas; que, ao longo do tempo, dominados pela ganancia, usurparam todo o direito, apropriando para seu beneficio todas as possessoes em terra, deixando para os clerigos, apenas, o altar, com os dizimos e oferendas ? e mesmo consignando estes para os seus filhos e amigos na Igreja. Estes defensores, ou, melhor, destruidores, da Igreja, tomaram para si o titulo de Abades, presumindo um titulo, e um estatuto, a que nao tinham qualquer direito.
"
Nas
catedrais
conventuais, onde o bispo ocupava o lugar do abade, as funcoes que a este estavam adjudicadas eram atribuidas a um prior.
Em muitas Ordens existia uma relacao piramidal entre uma
abadia
maior, a matriz, que, geralmente, teria sido palco de uma reforma monastica ou mesmo origem de uma nova Ordem, e outras a ela submetidas como prioratos, algumas com abades proprios. Como uma abadia secundaria podia tornar-se matriz, a "
arvore genealogica
" destas abadias torna-se particularmente complexa, reconhecendo-se o papel fundador da primeira abadia, que passa a ser reconhecida como a abadia superior. Em Portugal isso acontecia com o Mosteiro de Tibaes, onde presidia o abade geral da congregacao Beneditina e no Mosteiro de Alcobaca, para a congregacao Cisterciense.
Por vezes, mantinha-se uma posse real sobre as abadias incorporadas na congregacao. O Abade de Cluny, por exemplo, recebia das abadias subordinadas um ganho consideravel, pelo que se tornou um dos senhores mais poderosos da Igreja, e dos preferidos para ocupar a
cadeira de Sao Pedro
. Noutros casos, a precedencia era apenas honorifica.
Por vezes, o abade geral era designado com um titulo mais especifico, como
abade general
,
abade presidente
,
abade primaz
,
abade de regime
,
abade nullius
ou
arquiabade
.
De acordo com Paul (2008, p. 41), os pronomes de tratamento oficiais para abade sao:
[
1
]
Por escrito
[
1
]
|
Saudacao inicial
[
1
]
|
Pessoalmente (vocativo epistolar)
[
1
]
|
Vocativo protocolar
[
1
]
|
Ao Reverendissimo Dom
(nome completo)
Abade de/do[s]/da[s]
(denominacao do mosteiro ou abadia e/ou do instituto de vida religiosa)
|
Reverendissimo Padre
|
Vossa Paternidade Reverendissima
(no tratamento inicial; nos outros seguintes tratamentos)
|
Revmo. Sr. Abade de/do[s]/da[as]
|
A Sua Reverendissima o Abade de/do[s]/da[s]
(denominacao do mosteiro ou abadia e/ou do instituto de vida religiosa)
Dom
(nome completo)
|
Vossa Paternidade Reverendissima
(no tratamento inicial; nos outros seguintes tratamentos)
|
Vossa Paternidade
(se for saudar o abade em algum despacho ou evento religioso na abadia, em linha separada, anterior ao paragrafo central ou ultimo do texto.)
|
Dom Abade
ou
Reverendissimo Dom Abade
|
Vossa Paternidade
(se for saudar o abade, em linha separada, anterior ao paragrafo central ou ultimo do texto.)
|
Dom
(nome completo)
|
Os abades tem direito a usar
brasao de armas
segundo as regras proprias da
heraldica eclesiastica
. O Abade apoe ao seu brasao o capelo negro de 12 borlas e o baculo abacial (difere dos baculos episcopais devido a ter um lenco preso no topo). Ja o Abade Territorial apoe ao seu brasao o capelo verde de 12 borlas (proprio da dignidade episcopal, pois tal como os bispos tambem os abades territoriais administram uma circunscricao territorial) e o baculo abacial.
Brasao
|
Hierarquia
|
Ornamentos Exteriores
|
|
Abade Territorial
|
Os Abades com jurisdicao sobre todos os fieis circunscritos a sua Abadia Territorial, sejam clerigos, religiosos ou leigos (abades
nullius
) usam no seu brasao as insignias episcopais, com o galero verde de 12 borlas, mas substituindo a cruz episcopal pelo baculo abacial (com velo, isto e um lenco, no no). Os Abades Mitrados tem o privilegio de usar no brasao as mesmas insignias dos Abades Territoriais.
|
|
Arquiabade
ou
Abade Primaz
|
Os Arquiabades e Abades Primazes usam no brasao o galero negro com 20 borlas e o baculo abacial.
|
|
Abade
ou
Prior Mitrado
|
Os Abades e Priores Mitrados usam no brasao o galero negro com 12 borlas e o baculo abacial.
|
|
Abadessa
|
As Abadessas usam o brasao em elipse envolvido pelo
terco
e ornado pelo baculo abacial (com velo no no).
|
Utilizacao do termo em epocas mais recentes
[
editar
|
editar codigo-fonte
]
O titulo correspondente em
frances
,
abbe
(em
italiano
:
abbate
), tal como e utilizado pela Igreja Catolica no
continente europeu
, e aplicado a todos os que receberam a
tonsura
. Este uso do titulo tera tido origem no direito concedido pelo
rei de Franca
, por concordata entre o
Papa Leao X
e
Francisco I de Franca
, ao designar abades comendatarios para quase todas as abadias de Franca. A esperanca de obterem estas
sinecuras
levou muitos jovens a ingressar na carreira eclesiastica. Passaram a ser conhecidos por
abbes de cour
? "abades de corte" ou, por vezes, chamados ironicamente de
abbes de sainte esperance
? abades de Santa Esperanca. A ligacao de muitos com a Igreja era na maior parte dos casos o mais relaxada possivel, consistindo, basicamente, em adoptar o titulo, depois de um curso pouco exigente de
teologia
, na pratica do
celibato
e no uso de vestes distintivas, geralmente uma capa curta, de cor violeta escura, com um colarinho curto. Sendo considerados, presumivelmente, homens cultos, eram frequentemente admitidos nas casas nobres como
tutores
ou
conselheiros
. Quase todas as grandes familias tinham o seu proprio
abbe
. Esta classe nao sobreviveu a
Revolucao Francesa
; mas o titulo de cortesia de abade, tendo perdido a sua ligacao com qualquer funcao eclesiastica, permaneceu como um termo aplicavel a generalidade dos clerigos.
Na
Igreja Evangelica Alema
, o titulo de abade (
Abt
) e, por vezes, tambem utilizado como distincao honorifica, tendo sobrevivido tambem como titulo que passou para os directores das instituicoes resultantes da conversao de mosteiros, pela
Reforma Protestante
. Um dos casos mais notaveis e o da
abadia de Lokkum
, em
Hanover
, fundada como mosteiro
Cisterciense
em
1163
pelo Conde Wilbrand de Hallermund, e reformada em
1593
. O abade de Lokkum, que mantem actualmente o seu baculo pastoral, tem precedencia sobre todo o clero de Hanover, e era,
ex officio
, membro do
consistorio
do reino. O corpo governante da abadia consistia em abade, prior e "convento" de conegos (
Stiftsherren
).
Na
Igreja Anglicana
, o
Bispo de Norwich
, por decreto real emanado por Henrique VIII, detem, tambem o titulo honorario de "Abade de St. Ben?t." Com a separacao da Igreja de Inglaterra da alcada da
Santa Se
, Henrique, como dirigente supremo da nova Igreja Independente,
tomou para si
todos os mosteiros e suas possessoes, exceptuando o de St. Ben?t, que foi poupado, tendo em conta que o seu abade e monges viviam apenas de esmolas, como simples pedintes. Em consequencia, o bispo de Norwich foi deposto, passando o abade desta Ordem a ocupar os dois cargos.
Referencias
- ↑
a
b
c
d
e
Paul, Luiz Gonzaga (2008).
Dicionario de formas de tratamento: guia para uso das formas de tratamento do portugues em correspondencia
. Porto Alegre: AGE. p. 41
- ↑
BRAUN, J.,
Liturgische Gewandung
, p. 453
- Encyclopædia Britannica, 11.ª Edicao (1911)
- MATTOSO, Jose;
Abade
,
in
"Enciclopedia Verbo Luso-Brasileira da Cultura, Edicao Seculo XXI", Volume I, Editorial Verbo, Braga, Janeiro de 1998
- ≪
Abbot
≫
(em ingles).
in
Catholic Encyclopedia ? acesso a 6 de Fevereiro de 2006
- ≪Historial de Alcobaca≫
. ? acesso a 6 de Fevereiro de 2006.
- ≪Abadia BMV Sao Bernardo - Ordem Cisterciense, Brasil≫