Ambar cinza
,
[
1
]
ambar-cinzento
,
[
2
]
ambar-gris
,
[
3
]
ambar-branco
[
4
]
ou
ambar de baleia
,
[
5
]
e uma substancia solida, gordurosa e inflamavel, em geral de cor cinza fosco ou enegrecido, podendo contudo ter cor castanho escuro ou ser variegada com aspecto marmoreo. Em fresco tem cheiro fecal, mas com a exposicao ao ar e a luz ganha um odor peculiar doce e terroso, com algumas semelhancas ao do
alcool isopropilico
. Foi de grande valor como fixante em perfumaria, atingindo por isso elevados precos, mas e hoje raramente utilizado, por ter sido substituido por um sucedaneo sintetico e pelo seu uso poder configurar uma violacao a Convencao
CITES
.
O ambar cinza forma-se no intestino do
cachalote
(
Physeter macrocephalus
Linnaeus
, 1758), a unica especie que se conhece produzir aquele material em quantidade apreciavel, embora pequenas quantidades de uma materia semelhante tenham sido encontradas nos intestinos da
baleia-nariz-de-garrafa-do-norte
(
Hyperoodon ampullatus
Forster
, 1770 - tambem conhecido como botinhoso), uma especie de
zifiideo
aparentada do cachalote.
Trata-se de uma secrecao
biliar
, aparentemente destinada a envolver materias indigestiveis, tais como as pecas bucais de lulas e polvos e outros materiais duros ou cortantes, que poderiam ficar alojadas no tracto intestinal. O encapsulamento evitara que quando o animal esta submetido as grandes pressoes resultantes do mergulho profundo aqueles materiais perfurem o intestino e facilita a sua expulsao com as fezes.
Conhecido desde a mais remota antiguidade pelos povos que habitavam as zonas costeiras dos oceanos, por ser encontrado a flutuar no mar ou arrojado as costas, o ambar pardo, com o seu cheiro peculiar e origem desconhecida, era considerado um produto misterioso e por isso reputado como tendo propriedades curativas,
afrodisiacas
e mesmo magicas. A sua raridade, resistencia a decomposicao e caracteristicas fisicas eram tais que sempre foi considerado precioso.
Mais comum nas costas do
Oceano Indico
, embora aparecesse nas costas de todos os oceanos, ate meados do
seculo XVIII
o ambar pardo era considerado como sendo uma forma de
enxofre dos mares
, que se libertaria de cavernas sitas nas profundezas e flutuaria nas aguas. Outra teoria dava-o como originado na raiz de uma estranha arvore que cresceria no litoral e emitiria raizes submarinas. Quando o desenvolvimento da
baleacao
provou que ele aparecia no intestino dos cachalotes, tal presenca foi inicialmente explicada como sendo pedacos nao digeridos de ambar engolido pelo animal, que o procuraria no mar pelas suas propriedades curativas.
Apenas em meados do
seculo XIX
, a analise do produto, e particularmente a presenca de restos alimentares embebidos, levou a aceitacao generalizada de que o ambar tinha uma origem organica e endogena no cachalote.
O ambar pardo recolhido do mar, resultado das fezes dos cachalotes, aparece em geral em pequenas massas com pesos que variam entre algumas dezenas de gramas e os 50 kg, embora massas maiores (com mais de 200 kg) tenham sido encontradas. Como o produto que e encontrado no mar ou arrojado a costa ja esteve nas aguas por periodos em geral longos, e a sua superficie foi sujeita a
fotodegradacao
, e em geral escuro e com odor agradavel.
O produto fresco, encontrado no interior do intestino de cachalotes abatidos, e em geral esbranquicado e fetido, aparecendo em massas que vao desde alguns quilogramas ate mais de 400 kg. Um cachalote capturado na
ilha de Sao Miguel
, nos
Acores
, tinha no seu intestino 322 kg, numa unica concrecao.
A presenca de ambar pardo no intestino e irregular, ocorrendo tanto em machos como em femeas, mas parecendo ser exclusivo dos animais adultos. Tambem nao parece existir uma relacao directa entre o estado de saude do animal e a presenca de ambar, embora entre os baleeiros fosse voz corrente que nos animais emaciados ou com sinais de doenca fosse mais provavel a presenca de concrecoes.
Dado que o ambar pardo fresco e relativamente rico em agua, as concrecoes podem perder ate 50% do seu peso apos um ano de simples secagem ao ar, pelo que nao sao directamente comparaveis os pesos das massas encontradas no mar ou arrojadas as costas e a materia fresca.
No que respeita a sua qualidade enquanto produto fixante de perfumes e quanto a suavidade do seu odor natural, o tempo de exposicao ao ar e agua salgada melhoram as caracteristicas, pelo que o ambar vendido em fresco era menos valioso.
A cor tambem varia com o tempo de exposicao ao ar, indo do cinza claro nos produtos recentes ate ao cinza e ao castanho muito escuros. Os ambares mais antigos sao dum cinzento-pardo quase uniforme e estao firmemente ponteados de amarelo claro por toda a sua espessura. Os de formacao recente, com menor valor, apresentam-se com o aspecto de um pez castanho-escuro, firme e consistente.
Em geral as massas sao marmoreas, apresentando a vista camadas concentricas de cor ligeiramente diferente. O aparecimento dessas camadas anelares resulta do processo da formacao da concrecao, ja que camadas concentricas e irregulares de materia biliar sao depositadas em torno de um nucleo central, enquanto a concrecao vai sendo lentamente rebolada no intestino.
No mesmo animal podem existir concrecoes diferentes, apresentando cores e consistencias diferenciadas.
A consistencia do ambar pardo varia desde a da
cera
dura de
abelha
ate a consistencia do
alcatrao
.
As massas mais antigas sao quebradicas, quase friaveis, com tendencia para o esfarelamento. As mais recentes deixam-se moldar com os dedos e ao corte deixam uma superficie polida semelhante a do sabao.
Dada a sua natureza apolar, o ambar pardo e insoluvel na agua (diminuindo a
solubilidade
com a
salinidade
), sendo contudo soluvel nos
eteres
,
oleos
e
alcool
.
Nos alcoois forma solucoes de cor amarelo-acastanhada que fluorescem sob a luz solar com um halo esverdeado.
Funde sem crepitacao e sem espuma por volta dos 60º
C
, produzindo um liquido pastoso de cor negra. Esta propriedade e utilizada para a identificacao rapida e preliminar do produto, sendo norma aquecer uma agulha ou fio metalico durante 15 segundos numa chama de gas e espetar no material. Se for ambar pardo em torno da agulha forma-se uma zona de fusao preenchida por um produto ceroso negro que escorrera em lenta ebulicao.
O ambar pardo vaporiza-se a cerca de 100 °C libertando um vapor branco com cheiro intenso. Arde com chama fuliginosa, libertando um aroma semelhante ao da borracha queimada.
A
densidade
varia em torno de 0,90 (existem registos de 0,870 a 0,926), o que explica a flutuabilidade das concrecoes e os longos tempos de permanencia em flutuacao no mar.
O principal constituinte do ambar pardo e uma molecula organica complexa, muito similar a
colesterina
, denominada
ambreina
. Quando purificada e uma substancia branca,
cristalina
que funde entre os 82 °C e os 86 °C.
Quimicamente a ambreina e um alcool monovalente cuja formula quimica corresponde a C
26
H
43
OH.
Para alem dos restos das pecas bucais e outras impurezas de origem alimentar (ja foram encontrados pelos de
foca
o que parece indiciar que a alimentacao dos cachalotes nao se restringe aos
cefalopodes
), o ambar gris contem em geral um elevado teor de
cloreto de sodio
e pequenas quantidades de
acido succinico
e de
acido benzoico
. Estao tambem presentes tracos de numerosas outras substancias organicas odorantes, incluindo
acidos gordos
complexos,
esteres
e multiplos
compostos aromaticos
.
A presenca de acido benzoico, a dimensao e complexidade estrutural das moleculas constituintes e a fraca solubilidade em agua fazem do ambar pardo uma substancia muito resistente ao ataque bacteriano.
A presenca de
copro-esterois
torna-o pouco atractivo para ingestao por outros animais. Tal explica a longa permanencia no mar.
O ambar pardo e contudo susceptivel ao ataque por
fungos
, sendo frequente o ataque por
bolores
, especialmente quando deixado em atmosferas umidas com baixo arejamento e no escuro.
Para alem das utilizacoes cerimoniais e a queima como oferenda na antiguidade, em tempos recentes o ambar pardo so tem utilizacao como afrodisiaco ou como especiaria e na industria de perfumaria, sendo esta, de longe, a utilizacao dominante.
Para ingestao como afrodisiaco, o ambar pardo e misturado com acucar ou ingerido em solucao alcoolica. Como especiaria e raramente utilizado no sudeste asiatico para aromatizar vinhos e outras bebidas alcoolicas e, em quantidades minusculas, aromatizar chas.
Na perfumaria o ambar e dissolvido num alcool, em geral
etanol
, sendo a dissolucao feita a frio para evitar a dissociacao do produto. Quando adicionado a essencias perfumadas prolonga a sua fragrancia e complexifica os aromas, dando-lhe persistencia e
bouquet
.
Com o desaparecimento da caca comercial ao cachalote, e com as questoes juridicas resultantes da proteccao daquele animal no ambito da Convencao
CITES
, a industria perfumeira deixou quase por completo de utilizar o ambar pardo para recorrer a sucedaneos escolhidos de entre produtos de sintese com caracteristicas similares.
O sucedaneo mais comum e o di
terpeno
(-)-8a-12-epoxy-13,14,15,16-tetranorlabdano, o conhecido sob a designacao comercial registada de Ambrox. O seu
isomero
de
quiralidade
positiva (+)-8a-12-epoxy-13,14,15,16-tetranorlabdano, tem um aroma percebido como mais
animal
, mas um limiar de reconhecimento pelo olfacto muito mais elevado (2,4 ppb contra 0,3 ppb para o isomero (-)).
Com a inclusao do cachalote entre as especies ameacadas protegidas no ambito da Convencao
CITES
, na generalidade dos paises signatarios e ilegal, e alguns casos punivel com pesadas multas, a venda ou detencao de qualquer derivado daquele animal.
Embora seja discutivel a razoabilidade de aplicar esta norma ao ambar pardo encontrado no mar ou arrojado a costa, e interpretacao corrente que a utilizacao de tal produto, nao obstante a especificidade de se tratar de facto de materia fecal do animal, infringe a Convencao.
Essa proibicao levou ao abandono quase total da utilizacao do ambar pardo em perfumaria, ja que os perfumes que o contenham estao,
ipso facto
, banidos dos principais mercados internacionais. Dai o crescimento no uso dos sucedaneos sinteticos.
Referencias