Marcha da Familia com Deus pela Liberdade
foi o nome comum de uma serie de manifestacoes publicas ocorridas entre
19 de marco
e
8 de junho
de
1964
[
1
]
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2
]
no
Brasil
em resposta ao que foi considerado, por militares e
setores conservadores
da sociedade, uma ameaca
comunista
representada pelas acoes dos grupos radicais e pelo discurso em
comicio
realizado pelo entao presidente
Joao Goulart
em 13 de marco daquele mesmo ano.
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3
]
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4
]
Manifestantes na Marcha da Familia com Deus pela Liberdade em 19 de marco de 1964 na Praca da Se, em Sao Paulo. Fonte:
Arquivo Nacional
/
Correio da Manha
.
Nos dias anteriores, Goulart assinou dois decretos permitindo a
desapropriacao
de terras numa faixa de dez quilometros as margens de rodovias, ferrovias e barragens e transferindo para a
Uniao
o controle de cinco refinarias de
petroleo
que operavam no pais.
[
5
]
Alem disso, prometeu realizar as chamadas
reformas de base
, uma serie de reformas administrativas, agrarias, financeiras e tributarias,
[
6
]
para garantir o que Goulart chamava de
justica social
, fundamentado na funcao social da terra e de empreendimentos urbanos, demandas antigas e de ampla penetracao na sociedade da epoca.
[
3
]
Com discurso insuflado, promoveu a insubordinacao, incitando os sargentos da marinha a amotinar-se nos quarteis, Goulart antecipou uma pretensa
reforma urbana
e a implementacao de um
imposto sobre grandes fortunas
.
[
6
]
No contexto da
Guerra Fria
e da polarizacao entre os
Estados Unidos
e a
Uniao Sovietica
, estas ideias foram vistas como um passo em direcao a implementacao de uma ditadura
socialista
.
[
5
]
Varios grupos sociais, incluindo o
clero
, o empresariado e setores politicos diversos se organizaram em marchas, levando as ruas uma consideravel quantidade de pessoas com o intuito de derrubar o governo Goulart. A primeira das marchas aconteceu no dia 19 de marco ? dia de
Sao Jose
, padroeiro das familias ? em
Sao Paulo
e congregou entre 300 e 500 mil pessoas.
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7
]
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8
]
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9
]
Ela foi organizada por grupos como
Campanha da Mulher pela Democracia
(CAMDE),
Uniao Civica Feminina
(UCF), Fraterna Amizade Urbana e Rural, Sociedade Rural Brasileira, dentre outros grupos,
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10
]
recebendo tambem o apoio da
Federacao das Industrias do Estado de Sao Paulo
(FIESP) e do controverso
Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
(IPES). Na ocasiao, foi distribuido o "Manifesto ao povo do Brasil" pedindo o afastamento de Goulart da presidencia.
[
3
]
Apos o
golpe militar
que depos o presidente em 1 de abril, as marchas passaram a se chamar "
Marchas da Vitoria
".
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1
]
A maior delas, articulada pelo CAMDE no
Rio de Janeiro
, levou cerca de um milhao de pessoas as ruas em 2 de abril de 1964.
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4
]
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11
]
"O povo esta cansado das mentiras e das promessas de reformas demagogicas. Reformas sim, nos a faremos, a comecar pela reforma da nossa atitude. De hoje em diante os comunistas e seus aliados encontrarao o povo de pe. [...] Com Deus, pela Liberdade, marcharemos para a Salvacao da Patria!"
Texto do Manifesto ao Povo do Brasil.
[
10
]
A Marcha foi idealizada pelo deputado federal
Antonio Silvio Cunha Bueno
,
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4
]
do
Partido Social Democratico
de
Sao Paulo
, como uma especie de resposta conservadora ao comicio da Central, com o intuito de mostrar aos articuladores do golpe que havia uma base social de apoio ao movimento deles.
[
6
]
Teve como inspiracao a pregacao
anticomunista
do padre irlandes
Patrick Peyton
, fundador do movimento Cruzada do Rosario pela Familia.
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12
]
Cunha Bueno procurou empresarios e o vice-governador de Sao Paulo,
Laudo Natel
, para que oferecessem apoio logistico a sua empreitada. O entao
governador de Sao Paulo
,
Ademar de Barros
, arrecadou dinheiro para comprar caminhoes para a
Forca Publica
(atual
Policia Militar do Estado de Sao Paulo
) e garantir a ordem da Marcha. Natel recomendou a Cunha Bueno que procurasse a freira Ana de Lourdes, neta de
Ruy Barbosa
, para arregimentar liderancas femininas.
[
1
]
A religiosa viu ameacas a fe catolica no discurso de Goulart, que afirmou que "nao e com
Rosarios
que se combatem as reformas".
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10
]
Alem da reconhecida perseguicao socialista a fe crista.
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13
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]
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]
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16
]
A manifestacao originalmente se chamaria "Marcha de Desagravo ao Santo Rosario", mas Ademar ponderou que o nome excluia outras religioes e que a oposicao ao governo Goulart deveria permanecer unida para conseguir depor o presidente. A deputada Conceicao da Costa Neves propos o Marcha da Familia com Deus pela Liberdade.
[
10
]
O governador paulista se fez representar no trabalho de convocacao da marcha atraves de sua mulher,
Leonor Mendes de Barros
. O movimento rapidamente conquistou adesoes, mas faltavam liderancas femininas.
[
4
]
O IPES, um centro de estudos, ofereceu cursos nos quais mulheres recebiam aulas sobre como pregar a uniao da familia contra o comunismo. Em seguida, elas eram orientadas a esclarecer as amigas e seus proximos contra a "ameaca vermelha".
[
1
]
Trinta associacoes de empresarios assinaram o manifesto de convocacao a Marcha, publicado no jornal
O Estado de S. Paulo
. Alunos do
Instituto Presbiteriano Mackenzie
e representantes da FIESP formaram delegacoes de simpatizantes a causa para comparecerem a Marcha. Simultaneamente, eram distribuidos panfletos entre a populacao, enquanto o clero fazia publicar mensagens dirigidas ao Presidente. O publicitario Jose Carlos Pereira de Sousa criou palavras de ordem, faixas e cartazes para o evento, com os dizeres "Vermelho bom, so o batom", "Um, dois, tres, Jango no xadrez", "Abaixo os
imperialistas vermelhos
" e "
Verde e amarelo
, sem
foice nem martelo
", enquanto os seguidores do padre Peyton adotaram o lema "A familia que reza unida permanece unida".
[
1
]
Primeira marcha em Sao Paulo
editar
"Que sejam feitas reformas, mas pela liberdade. Senao, nao. Pela
Constituicao
. Senao, nao. Pela consciencia crista do nosso povo. Senao, nao."
Auro de Moura Andrade
, entao presidente do
Senado
, em discurso durante a Marcha de 19 de marco de 1964 em Sao Paulo.
[
1
]
O grupo de manifestantes, que comecou a se formar desde as 14h00, saiu da
Praca da Republica
as 16h00. Antes e durante a manifestacao foram distribuidas bandeirinhas do Brasil e o texto do "Manifesto ao Povo do Brasil". Uma hora depois, o grupo chegou a
Praca da Se
, onde o palanque estava montado.
[
1
]
A marcha percorreu a
rua Barao de Itapetininga
, a
Praca Ramos de Azevedo
, o
Viaduto do Cha
, a
Praca do Patriarca
e a rua Direita antes de chegar a Praca da Se.
[
10
]
Na Praca da Se, Leonor hasteou a bandeira enquanto a banda da Forca Publica tocava o
Hino Nacional
.A Missa pela Salvacao da Democracia, realizada pelo padre Peyton, deu inicio ao evento, no qual vinte inscritos falaram por cinco minutos cada um. O primeiro orador foi Amaro Cesar, seguido pelo senador
Padre Calazans
(UDN-SP) Cunha Bueno; Geraldo Goulart, veterano da
Revolucao Constitucionalista de 1932
; Carolina Ribeiro, ex-secretaria de educacao de Sao Paulo; os deputados federais Arnaldo Cerdeira (PSP-SP),
Herbert Levy
(UDN-SP) e
Plinio Salgado
(
PRP
-SP), este ultimo idealizador do
integralismo no Brasil
; o prefeito de
Campinas
,
Ruy Hellmeister Novaes
(PSB); os deputados estaduais Camilo Aschar (UDN-SP),
Conceicao da Costa Neves
(PSD-SP) e Everardo Magalhaes (
PDC
-RJ); e o deputado estadual Ciro Albuquerque (PSP), presidente da
Assembleia Legislativa de Sao Paulo
, tambem discursaram.
[
7
]
Sempre que algum orador pronunciava os nomes de Goulart,
Leonel Brizola
ou
Fidel Castro
, a multidao reagia com vaias.
Auro de Moura Andrade
(PSD-SP), entao presidente do
Senado
, realizou o ultimo discurso.
[
10
]
Dentre outras personalidades ilustres presentes estavam
Carlos Lacerda
(
UDN
), governador do estado da
Guanabara
, que nao discursou,
[
4
]
e a apresentadora de televisao
Hebe Camargo
.
[
1
]
[
17
]
Apesar da grande adesao, a Marcha foi alvo de um protesto. Durante a passeata, o deputado estadual Murilo de Sousa Reis (
PTN
-SP) efetuou a interdicao de um predio comercial, na
rua Barao de Itapetininga
, e, acompanhado por policiais, revistou todas as salas do mesmo. A decisao de revistar o edificio ocorreu apos um balde com agua ter sido atirado de um dos estabelecimentos nos manifestantes. O deputado efetuou a detencao do responsavel e de outro individuo que o acompanhava. Ambos foram conduzidos ao
Departamento de Ordem Politica e Social
(DOPS) e liberados na noite do mesmo dia. A Forca Publica tambem deteve, na Praca da Se, dois jovens que portavam dentro de um carro uma grande quantidade de ovos. Segundo transeuntes, os rapazes tinham a intencao de jogar os ovos na multidao. Ambos foram detidos e encaminhados ao DOPS. Mais tarde foi constatado que as caixas de ovos se destinavam a um supermercado e os dois foram liberados.
[
7
]
A Marcha, entretanto, foi basicamente organizada e realizada por cidadaos da classe media e das classes mais abastadas. O embaixador dos Estados Unidos no Brasil,
Lincoln Gordon
, e um dos articuladores junto aos militares brasileiros do golpe de estado, apontou, em telegrama ao
Departamento de Estado
: "A unica nota destoante foi a evidente limitada participacao das classes mais baixas na marcha". Seu adido militar,
Vernon Walters
, atestou haver uma falta de popularidade do movimento e um receio de que o golpe contra Joao Goulart fracassasse por falta de apoio popular.
[
18
]
Marchas em outras cidades
editar
Apos a marcha realizada na capital, outras manifestacoes semelhantes ocorreram no interior do
estado de Sao Paulo
. Em 21 de marco foram realizadas marchas em
Araraquara
e
Assis
; no dia 25, cerca de 80 mil pessoas marcharam em
Santos
; no dia 28 os moradores de
Itapetininga
realizaram sua marcha e, no dia 29, ocorreu marchas em
Atibaia
,
Ipaucu
e
Tatui
. A marcha aconteceu tambem em outros estados. No dia 24, foi realizada uma marcha na cidade de
Bandeirantes
no
Parana
.
[
10
]
Segundo o livro
A ditadura militar no Brasil - A historia em cima dos fatos
, ocorreram 49 marchas em todo o pais entre 19 de marco e 8 de junho de 1964, tendo as marchas apos o golpe recebido o nome generico de Marcha da Vitoria.
[
1
]
Marcha da Vitoria no Rio
editar
A Marcha convocada para o dia 2 de abril de 1964 no Rio de Janeiro passou a ser conhecida como Marcha da Vitoria apos a bem-sucedida deflagracao do
golpe de estado
em 31 de marco.
[
4
]
[
11
]
que comemoraram a deposicao de Goulart pelos militares em passeata que saiu da praca da
Igreja da Candelaria
as 16h00 horas rumo a
Esplanada do Castelo
. Dentre as instituicoes que apoiaram esta Marcha estavam a
Assembleia de Deus
, a
Associacao Crista de Mocos
(ACM), a Associacao de Pais e Mestres, o CAMDE ? (Campanha da Mulher pela Democracia), criada em 1962 no auditorio do jornal
O Globo
[
18
]
? a Congregacao de Belem, a
Cruz Vermelha Brasileira
, a Falange Patriotica, o Grupo de Ex-Combatentes da
FEB
e a Sociedade
Cristo Redentor
.
A ideia da Marcha partiu do vigario de
Ipanema
, frei Leovigildo Balestieri, do engenheiro Glycon de Paiva e do general
Golbery do Couto e Silva
, sendo criada por Amelia Molina Bastos, irma do general Antonio de Mendonca Molina, do setor de informacao e contrainformacao do Ipes.
[
18
]
Tendo o Brasil a maior comunidade
catolica
das Americas, a maneira encontrada pelos grupos conservadores e progressistas para fazer o povo se mobilizar foi atraves da
religiao
. As camadas conservadoras da
Igreja Catolica
ignoravam as mensagens de cunho social do
papa Joao XXIII
, sendo que agentes religiosos colaboraram com o golpe, inclusive como delatores, por considerar que o regime militar frearia o "comunismo
ateu
". Elas encontraram respaldo no plano
Caritas
("caridade" em
latim
), financiado por catolicos de paises ricos e implantado em quase todas as dioceses do Brasil. O
Caritas
buscava atenuar os efeitos da crise socioeconomica que atingia o pais atraves da distribuicao de alimentos e medicamentos mas, ao mesmo tempo, doutrinava os pobres a se contrapor aos ideais revolucionarios, em alta desde o sucesso do
grupo
que promoveu a
Revolucao Cubana
de 1959.
[
1
]
O exemplo mais notorio do uso da religiao contra o presidente Goulart se deu no final de 1963, quando o entao
arcebispo do Rio de Janeiro
, dom
Jaime de Barros Camara
, trouxe ao Brasil o padre Patrick Peyton, paroco estadunidense de origem irlandesa conhecido por sua pregacao anticomunista.
[
1
]
Com o lema "a familia que reza unida permanece unida", Peyton promoveu uma serie de eventos publicos de massa para os fieis brasileiros em que associava os males do mundo aos "politicos
ateus
que querem mudar a ordem natural das coisas". Segundo
Darcy Ribeiro
, ministro da Casa Civil de Goulart, Peyton inaugurou as acoes de massa contra o governo brasileiro. Percebendo a agitacao politica promovida pelo padre, Ribeiro chamou-o a Brasilia para convence-lo a rezar o
terco
com o presidente. A missa do padre para o presidente foi gravada e exibida na televisao. Apesar da tentativa de minimizar o efeito da pregacao anticomunista do padre, o terreno para acoes de massa contra o governo ja estava preparado. Anos mais tarde, Peyton foi apontado por historiadores norte-americanos como agente da
CIA
, especialista em levantar as massas catolicas contra o
comunismo
ateu
em nome da Virgem Maria.
[
10
]
[
19
]
Por outro lado, os setores progressistas, cujo maior icone era dom
Helder Camara
, bispo auxiliar do Rio de Janeiro e mais tarde
arcebispo de Olinda e Recife
, se puseram a favor do enfrentamento dos problemas sociais e do engajamento do povo na luta por melhores condicoes de vida. Essa visao, no entanto, so comecou a ganhar forca entre os membros da Igreja no Brasil a partir da decada de 1970, quando do aumento da repressao por parte do regime militar contra seus opositores. A Igreja Catolica, a partir de entao, passou a pender em peso contra o
regime militar
, em especial na figura de dom
Paulo Evaristo Arns
,
arcebispo de Sao Paulo
, que inicialmente apoiou o golpe militar.
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