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Notas sobre a Pedagogia de Hugo de S?o Vitor

NOTAS SOBRE A PEDAGOGIA
DE HUGO DE S?O VITOR




1. ?poca de Hugo de S?o Vitor.

Hugo de S?o Vitor nasceu na Sax?nia, que hoje faz parte do territ?rio da Alemanha, no ano de 1096. Ainda jovem sentiu a voca??o religiosa e mudou-se para Paris com a inten??o de ingressar no Mosteiro de S?o Vitor, no qual residiu at? a sua morte em 1141. Ele viveu, portanto, na primeira metade do s?culo dos anos 1100.

A ?poca em que viveu Hugo de S?o Vitor foi uma das mais importantes da hist?ria da civiliza??o ocidental, pois foi nela que come?aram a se organizar as na??es que hoje fazem parte da Europa.

Mil e cem anos antes da ?poca de Hugo, quando nasceu Jesus Cristo, n?o existiam Inglaterra, Fran?a, Alemanha, Portugal nem tantos outros pa?ses da Europa. Na ?poca de Cristo a Europa, o norte da ?frica e o Oriente M?dio constitu?am um todo conhecido como Imp?rio Romano. A aus?ncia de fronteiras e as facilidades de comunica??o dentro de um imp?rio t?o grande muito auxiliou para que o cristianismo se propagasse mais facilmente por todo o mundo civilizado daquele tempo.

Entretanto, a partir dos anos 400 e durante v?rios s?culos que se seguiram, muitas hordas de b?rbaros provenientes da Europa Oriental e do interior da ?sia passaram a invadir o territ?rio do Imp?rio Romano que acabou aos poucos se esfacelando. Embora tivesse havido algumas ?pocas de calma, as invas?es e as desordens que resultaram delas s? puderam come?ar a ser definitivamente controladas, possibilitando a organiza??o daquelas que s?o as atuais na??es da Europa, na ?poca de Hugo de S?o Vitor. Entre o ano 1100, pr?ximo ao nascimento de Hugo, e o ano 1300, pr?ximo ? morte de Santo Tom?s de Aquino, houve um extraordin?rio renascimento da civiliza??o na Europa em todos os aspectos, incluindo a vida religiosa, a teologia e a educa??o. Pertencem a este per?odo da hist?ria as vidas de S?o Francisco de Assis e de S?o Domingos.

No in?cio deste per?odo, no ano 1100, S?o Vitor era o nome de uma capelinha situada nos arredores de Paris e freq?entada por pessoas que vinham, longe do tumulto da cidade, consagrar algum tempo ? medita??o e ? ora??o. Em 1108, com o fim de melhor poder dedicar-se ?s coisas de Deus, um sacerdote professor da escola anexa ? Catedral de Notre Dame, chamado Guilherme de Champeaux, transferiu-se para l? junto com v?rios de seus alunos. Mesmo residindo em S?o V?tor, Guilherme continuou sendo procurado, n?o s? pelo seu exemplo, como tamb?m pelos seus ensinamentos, que n?o deixou de ministrar. Assim surgiu ali o mosteiro de S?o V?tor.

Quando Hugo pediu para ser admitido no mosteiro de S?o Vitor, Guilherme j? n?o residia mais nele. Tinha sido promovido a bispo e havia deixado outros em seu lugar, encarregados do governo do mosteiro. Algum tempo depois a tarefa de organizar a escola de Teologia anexa ao mosteiro seria confiada a Hugo de S?o Vitor.

Raras vezes na hist?ria humana uma escolha p?de ter sido t?o feliz. No mosteiro organizava-se uma grande biblioteca que daria acesso a Hugo ao que de melhor havia sido escrito pela tradi??o crist?. A fama de S?o Vitor j? havia atravessado as fronteiras e espalhava-se por toda a Europa; ela trazia ao mosteiro, de todas as partes, estudantes de not?vel talento, como tinha sido o caso do pr?prio Hugo, que para l? se tinha dirigido proveniente do Sacro Imp?rio Germ?nico, de Ricardo de S?o Vitor, que ali chegou proveniente da Esc?cia, e de Pedro Lombardo, que vinha do norte da It?lia encaminhado por S?o Bernardo. J? ? coisa rara que um talento da envergadura de Hugo, homem de intelig?ncia brilhante, santidade manifesta e not?vel voca??o docente se veja diante de tantos e t?o excelentes recursos materiais e humanos; mais raro ainda ? que algu?m nestas condi??es se veja encarregado de, al?m de ensinar, organizar tamb?m a escola. Esta tarefa suplementar obrigou Hugo adicionalmente a explicar aos alunos como se deveria estudar, aos professores como se deveria ensinar e ? escola como se deveria organizar, e isto n?o para obter algum diploma, que naquela ?poca ainda de nada valiam, mas para, a partir de um s?lido conhecimento das Sagradas Escrituras e das obras dos Santos Padres, empreenderem a busca da santidade. O conjunto da obra de Hugo de S?o Vitor mostra que ele elaborou um sistema de Pedagogia em que o estudo de torna um instrumento de ascese em perfeita conson?ncia com os ensinamentos do Novo Testamento a respeito da f?, da gra?a e da ora??o, da necessidade da gra?a para a pr?tica das virtudes e dos frutos que se esperam do desenvolvimento da vida espiritual.

Hugo de S?o V?tor mostrou, em suma, como se organiza o estudo, o ensino e a escola para que, sem deixar de ser uma escola, nem perder nenhuma das caracter?sticas que tradicionalmente se atribuem a uma escola, ela tenha como meta a santidade. Esta meta n?o ? algo acrescentado ou justaposto ao que j? seria a escola, mas ? aquilo que dita a pr?pria ess?ncia de sua organiza??o e de seus m?todos.

Hugo mostrou ainda que se isto pode ser poss?vel, ? porque esta ? a verdadeira e leg?tima finalidade da escola. S?o as outras escolas, e n?o esta, que representam um desvio do verdadeiro ideal do ensino.

2. A pedagogia vitorina.

Uma das caracter?sticas marcantes da pedagogia moderna consiste no ter ela conseguido dissociar, cada vez mais profundamente ao longo dos ?ltimos 700 anos, o estudo da busca de Deus.

Em sua ?poca, Hugo de S?o Vitor organizou o estudo como um instrumento de ascese crist? a ser utilizado conjuntamente com os demais meios para o desenvolvimento da vida do esp?rito. Quatrocentos anos mais tarde, na ?poca da Renascen?a, com o advento da educa??o a que se chamou de humanista, o estudo passou a ser utilizado somente como instrumento para a forma??o do car?ter; se as escolas religiosas ainda orientavam os alunos a respeito da vida espiritual, esta orienta??o era algo paralelo ou acrescentado ? escola e n?o tinha mais rela??o necess?ria com o estudo nela desenvolvido pelos alunos.

Mais recentemente, principalmente nos dois ?ltimos s?culos, abandonou-se tamb?m o esp?rito da educa??o humanista e o objetivo mais importante do sistema escolar deixou de ser a forma??o do car?ter do aluno para se tornar a aquisi??o de determinadas habilidades ?teis para a sociedade ou exigidas pelo mercado de trabalho. A forma??o do car?ter passou a ser buscada, de modo principal, indiretamente atrav?s da aquisi??o e do exerc?cio destas habilidades. No mundo moderno, de fato, n?o ? um conhecimento profundo da natureza humana que determina como a escola deve ser organizada, mas s?o as diferentes pol?ticas de desenvolvimento e as diversas necessidades do mercado de trabalho que exigem um determinado n?mero de profissionais habilitados que ditam as orienta??es das pol?ticas educacionais.

Na educa??o vitorina, por?m, o estudo ? organizado de tal modo que se torna parte integrante da ascese crist?. O estudo e a ascese n?o s?o atividades independentes nem paralelas. Ao contr?rio, uma coisa faz parte da outra, a tal ponto que este pode ser corretamente identificado como um dos elementos que disting?em o que se pode chamar de espiritualidade vitorina, uma determinada forma de desenvolvimento da vida crist? que inclui dentro dela a pedagogia, e que pode se desenvolver, como em um lugar pr?prio, em uma escola.

N?o ? poss?vel expor em poucas p?ginas a pedagogia vitorina, porque ela n?o se encontra apenas nos textos especificamente dedicados por Hugo de S?o Vitor a este assunto, mas est? tamb?m espalhada em toda a sua obra, freq?entemente entrela?ada com princ?pios de Filosofia e Teologia que pervadem n?o s? os seus escritos como tamb?m os de seu disc?pulo Ricardo de S?o Vitor, cuja obra, juntamente com a de Hugo, forma um s? conjunto.

Sendo assim, o que examinaremos em seguida, embora fa?a parte da pedagogia de Hugo de S?o Vitor, n?o ? um resumo da pedagogia vitorina, mas apenas um apanhado de algumas observa??es retiradas de suas obras, das quais ele se utilizava para orientar aqueles que tinham a inten??o de se dedicar ao estudo da Ci?ncia Sagrada no intuito de buscarem a Deus.

3. O estudo na pedagogia vitorina.

Vamos examinar mais extensamente o nono cap?tulo do Quinto Livro do Didascalicon, em que Hugo de S?o Vitor explica a fun??o do estudo dentro do conjunto da vida espiritual, como ele deve coordenar-se com os demais meios de perfei??o, qual a rela??o que ele tem para com o papel da gra?a e como ele se ordena, atrav?s da ora??o, ? contempla??o.

Na maioria das escolas modernas a finalidade da atividade do aluno ? a apreens?o do conte?do de uma determinada disciplina tal como ? exposta pelo professor. Se a escola conseguir, al?m disto, motivar o aluno a estudar por si mesmo e mais profundamente aquilo que o professor exp?s, pode-se considerar o ensino ministrado por esta escola como sendo de alta qualidade.

O texto abaixo de Hugo de S?o Vitor mostra, no entanto, que a atividade da escola vitorina come?a precisamente a? onde terminam as aspira??es da escola moderna. Motivar o aluno para o estudo n?o ? o objetivo da pedagogia vitorina, mas o seu ponto de partida. Segundo Hugo de S?o Vitor o estudo, enquanto tal, ele pr?prio se ordena a uma s?rie de outras atividades do esp?rito, e todas estas, por sua vez, se ordenam, mediante o aux?lio da gra?a, como ao seu fim, ao que se chama de contempla??o. No entender de Hugo de S?o Vitor, portanto, a fun??o da escola inclui muitas mais coisas do que apenas o estudo, embora seja organizada de tal modo que, no que depende dela, o estudo seja a origem de todas.

Texto de Hugo de S?o Vitor.
Dicascalicon, L.V, C.9.

"H? quatro coisas nas quais se exerce a vida dos santos, que s?o como degraus pelos quais se elevam ? futura perfei??o. S?o estes:

  • o estudo, ou doutrina;
  • a medita??o;
  • a ora??o;
  • a a??o.

H? ainda uma quinta que se segue destas, que ? a contempla??o, que ?, de certo modo, o fruto destas quatro primeiras. Na contempla??o temos antecipadamente j? nesta vida a futura recompensa das boas obras. Foi por isto que o salmista, falando dos preceitos de Deus e recomendando-os, logo em seguida acrescentou:

"Grande ? a recompensa
para os que os observarem".

Salmo 18

Destes cinco graus que falamos, o primeiro, isto ?, a leitura, pertence aos principiantes. O maior de todos, isto ?, a contempla??o, pertence aos perfeitos. Quanto aos intermedi?rios, ser? mais perfeito aquele que os tiver subido em maior n?mero. Em outras palavras, o primeiro, isto ?, a leitura, d? a intelig?ncia. O segundo, a medita??o, fornece o conselho. O terceiro, a ora??o, pede. O quarto, a a??o, busca. O quinto, a contempla??o, encontra.

Se, portanto, l?s, ou estudas, e tens por isto a intelig?ncia e conheceste o que se deve fazer, isto j? ? princ?pio do bem, mas ainda n?o te ser? suficiente, n?o ?s perfeito ainda.

Sobe, pois, na arca do conselho, e medita como poder?s realizar aquilo que aprendeste atrav?s da leitura e do estudo que deve ser feito. De fato, houve muitos que possu?ram a ci?ncia, mas poucos foram aqueles que souberam de que modo era importante saber.

O conselho do homem, por?m, sem o aux?lio divino, ? enfermo e ineficiente. ? necess?rio, pois, levantar-se ? ora??o, e pedir o seu aux?lio, sem o qual nenhum bem pode ser feito; isto ?, a sua gra?a, a qual, antes que tivesses chegado at? aqui para ped?-la era ela que j? te iluminava, e daqui para a frente ser? quem haver? de dirigir os teus passos para o caminho da paz, e de cuja ?nica boa vontade depende que sejas conduzido ao efeito da boa obra.

Resta agora para ti que te prepares para a boa a??o, de tal maneira que aquilo que pedes na ora??o mere?as receber pela obra, se Deus consigo quiser operar. N?o ser?s obrigado, ser?s ajudado. Se apenas tu operares, nada realizar?s; se apenas Deus operar, nada merecer?s. Opere Deus para que tu possas; opera tu para que algo mere?as. O caminho pelo qual se vai ? vida ? a boa obra, e aquele que corre por este caminho busca a vida.

Conforta-te e age virilmente. Esta via tem o seu pr?mio. E quantas vezes, fatigados pelos seus trabalhos, n?o somos ilustrados do alto pela gra?a, saboreando e vendo

"qu?o suave ? o Senhor".

Salmo 33

Assim se realiza o que dissemos acima, que aquilo que a ora??o busca, a contempla??o encontra".

4. Conselhos diversos ao estudante.

a) O estudante deve ser humilde.

A humildade, diz Hugo de S?o Vitor, ? o princ?pio do aprendizado. O estudante que desde o in?cio n?o ? movido pela humildade, nunca alcan?ar? a sabedoria. Vamos examinar, a este respeito, a introdu??o do Op?sculo sobre o Modo de Aprender:

"A humildade",

diz Hugo de S?o V?tor,

"? o princ?pio do aprendizado,
e sobre ela, muita coisa tendo sido escrita,
as tr?s seguintes, de modo especial,
dizem respeito ao estudante.

A primeira ? que n?o tenha como vil
nenhuma ci?ncia e nenhuma escritura.

A segunda ? que n?o se envergonhe
de aprender de ningu?m.

A terceira ? que,
quando tiver alcan?ado a ci?ncia,
n?o despreze aos demais.

Muitos se enganaram por quererem parecer
s?bios antes do tempo,
pois com isto se envergonharam
de aprender dos demais o que ignoravam.

Tu, por?m, meu filho,
aprende de todos de boa vontade
aquilo que desconheces.
Ser?s mais s?bio do que todos,
se quiseres aprender de todos.

Nenhuma ci?ncia, portanto, tenha como vil,
porque toda ci?ncia ? boa.
Nenhuma escritura, ou pelo menos,
nenhuma lei desprezes, se estiver ? disposi??o.
Se nada lucrares, tamb?m nada ter?s perdido.

Diz, de fato, o Ap?stolo:

"Omnia legentes,
quae bona sunt tenentes" .

I Tes 5

O bom estudante deve ser
humilde e manso,
inteiramente alheio aos cuidados do mundo
e ?s tenta??es dos prazeres,
e sol?cito em aprender de boa vontade de todos.

Nunca presuma de sua ci?ncia;
n?o queira parecer douto, mas s?-lo;
busque os ditos dos s?bios,
e procure ardentemente ter sempre
os seus vultos diante dos olhos da mente,
como um espelho".

b) O que ? a humildade.

A humildade, segundo Hugo de S?o V?tor, coincide com a primeira bem aventuran?a, aquela da qual Jesus dizia:

"Bem aventurados os pobres de esp?rito,
porque deles ? o Reino dos C?us",

Mat. 5,3

e que ? o ponto de partida da vida crist?. Sobre esta passagem diz Hugo de S?o Vitor:

"Bem aventurados os pobres de esp?rito,
porque deles ? o Reino dos C?us:
h? os que s?o ricos de esp?rito,
e h? os que s?o pobres de esp?rito.
Os ricos de esp?rito s?o os soberbos;
os pobres de esp?rito s?o os humildes".

Allegoriae Utriusque
Testamenti, NT. II, 1

c) Ren?ncia.

Disse Jesus que quem n?o renuncia a si mesmo n?o poderia ser seu disc?pulo. N?o era outro o objetivo dos alunos de Hugo de S?o Vitor sen?o serem disc?pulos de Cristo, aprenderem o que ? o Evangelho, como se o vive e como se pode ensin?-lo aos outros. Assim tamb?m Hugo f?z exig?ncias similares ?s de Cristo aos seus estudantes. O estudante que desejar elevar-se at? Deus deve ser, conforme j? vimos,

"humilde e manso,
inteiramente alheio aos cuidados do mundo
e ?s tenta??es dos prazeres,
sol?cito em aprender
de boa vontade de todos".

d) Buscar em primeiro lugar a verdade.

"? necess?rio tamb?m",

diz Hugo de S?o Vitor,

"que aquele que tiver iniciado este caminho
procure aprender nos livros em que estudar
n?o apenas pela beleza do fraseado,
mas tamb?m pelo est?mulo
que eles oferecem ? pr?tica das virtudes,
de tal maneira que o estudante procure neles
n?o tanto a pomposidade ou a arte das palavras,
mas a beleza da verdade".

Didascalicon, V, 7

Eis algo que, na pedagogia vitorina, ? de essencial import?ncia.

Jesus promete, no Evangelho, como pr?mio aos que seguirem os seus preceitos, que encontrar?o a verdade e a verdade os libertar?, ou tornar? livres. Ao dizer isto, Jesus se referia ? verdade que se alcan?a atrav?s do dom do Esp?rito Santo a que as Escrituras denominam de sabedoria, um objetivo elevad?ssimo, ao qual se ordena todo o desenvolvimento da vida espiritual. O estudante, por?m, que desejar chegar a tanto, dever? acostumar-se primeiro a deixar-se libertar continuamente atrav?s de verdades menores. Consideremos, pois, primeiramente, do que libertam estas verdades menores.

Na vida humana o desenvolvimento da vida do intelecto ? sempre precedido pelo desenvolvimento da vida dos sentidos, e ? s? gradualmente que se uma se emancipa ? outra. Mesmo assim, por?m, isto s? ocorre com naturalidade quando a vida das virtudes e da intelig?ncia se inicia precocemente e bem, algo raramente observado nos dias de hoje. Quando n?o ? este o caso, o homem desenvolve uma vis?o do mundo que partir? de uma aprecia??o fortemente baseada nos sentidos, cujos crit?rios de validade ser?o a servilidade na imita??o dos costumes sociais e a for?a das paix?es e n?o a evid?ncia da verdade. Nestas condi??es, o desenvolvimento da intelig?ncia ser? orientado para que esta sirva de instrumento para a vida dos sentidos e das paix?es.

No Eclesi?stico pode-se ler:

"Assim como o Sol resplandecente
ilumina todas as coisas,
assim da gl?ria do Senhor
est?o cheias as suas obras".

Ecles. 43,16

A primeira parte desta senten?a ? evidente para todos, em qualquer ?poca e lugar. J? a segunda ser? percebida com naturalidade, mas de forma gradual e com for?a sempre crescente, naqueles em que a virtude e a intelig?ncia se iniciaram desde cedo, assim que se tiverem apresentado as primeiras possibilidades de o fazerem; para as demais pessoas, a segunda parte da senten?a do Eclesi?stico pouca coisa significar? al?m de uma simples poesia que se esquece ap?s ter sido ouvida. Por mais que os primeiros tentem explicar aos segundos que algo de verdadeiramente extraordin?rio nos est? sendo apontado na segunda parte desta passagem do Eclesiastes, eles n?o conseguir?o entender a raz?o para tanto entusiasmo. Embora freq?entemente eles pr?prios n?o se d?em conta deste fato, as psicologias de ambos estes grupos de homens foram constru?das de um modo estruturalmente diverso e ? por isso que o Eclesiastes tamb?m nos diz a este respeito:

"Os perversos dificultosamente se corrigem,
e o n?mero dos insensatos ? infinito;
se a ?rvore cair para a parte do meio dia,
ou para a do norte,
em qualquer lugar onde cair,
a? ficar?".

Ec. 1,14; 9,3

Deve-se considerar, al?m disso, que mesmo para os homens de ambos os casos, a mensagem contida na Revela??o estar? sempre situada num plano extraordinariamente mais elevado do que aquele em que os homens costumam colocar-se. A este respeito nos diz, de fato, o profeta Isa?as:

"Os meus pensamentos n?o s?o
os vossos pensamentos,
nem os meus caminhos s?o
os vossos caminhos,
diz o Senhor.

Quanto o c?u sobe em eleva??o ? terra,
tanto se elevam os meus caminhos
acima dos vossos,
e os meus pensamentos
acima dos vossos".

Is. 55,8-9

Esta ? a raz?o por que todos aqueles que se dedicam ao estudo da Ci?ncia Sagrada se deparam constantemente com uma vis?o do mundo que difere enormemente de suas opini?es e pontos de vista pessoais. Ainda que se tratem das melhores pessoas, elas encontram incessantemente neste estudo a proposta de viv?ncia de virtudes e apresenta??o de verdades que estar?o em conflito com os seus pequenos pontos de vista pessoais. Se o estudo da Ci?ncia Sagrada ? conduzido corretamente isto n?o ser? uma ocorr?ncia fortuita, mas algo que dever? acontecer continuamente, pois esta ? precisamente uma das justifica??es para a sua exist?ncia.

O que fazer, por?m, quando nos encontrarmos diante de um evento como este? Admirar a beleza da verdade apreendida n?o ser? suficiente; ser? necess?rio renunciar decididamente aos nossos pr?prios pontos de vista, que freq?entemente representam o atrelamento da intelig?ncia ? vida das paix?es, libertando-a para habitu?-la a seguir mais docilmente a evid?ncia da verdade. A menos que estejamos dispostos a isto estaremos estudando, no dizer de Hugo de S?o Vitor, apenas pela "beleza do fraseado e pela arte das palavras" e n?o "pela pr?tica das virtudes e pela busca da verdade".

Deve-se considerar, ademais, que h? um motivo mais espec?fico pelo qual nesta passagem do Didascalicon Hugo de S?o Vitor se referiu aos alunos que buscam no estudo a beleza do fraseado e a arte das palavras como sendo aqueles que se desviaram da verdadeira meta. ? que em sua ?poca, assim como em todo o mundo antigo, o principal desvio da educa??o se manifestou sob a forma da educa??o ret?rica, a qual deu origem, durante a Renascen?a, ? educa??o que hoje se conhece como humanista, em que o aluno estudava para alcan?ar uma bagagem razo?vel de cultura geral atrav?s da qual adquiriria boas maneiras e a capacidade de escrever e falar corretamente e bem. A express?o de Hugo de S?o Vitor, ao dizer que estes alunos se aproximavam da escola j? com a id?ia preconcebida de que ali estavam para buscar "a beleza do fraseado e a arte das palavras" descreve perfeitamente a atitude fundamental que ? ?poca norteava a muitos em seus estudos. Hoje em dia n?o percebemos mais a for?a que estas poucas palavras de Hugo tinham porque o principal desvio da educa??o consiste em estudar com a finalidade de aprender alguma profiss?o ou t?cnica com a qual pode-se conseguir, ou n?o, um retorno financeiro. Este, na ?tica da pedagogia vitorina, ? um desvio ainda mais grave e ao qual s? pode ter-se chegado por ter-se passado primeiro pelo anterior sem que se tivesse percebido suficientemente toda a gravidade do que estava ocorrendo.

Para Hugo de S?o Vitor o que o estudante deve procurar com o estudo ? o libertar-se, atrav?s da busca da verdade, da estreita vis?o de mundo que lhe ? imposta pela vida das paix?es e de que vive tanto ele como a sociedade ? qual ele imita. Estas coisas aprisionam a intelig?ncia e n?o lhe permitem seguir a luz da gra?a e a pr?pria evid?ncia de uma verdade que deveria, ? medida em que ? buscada, tornar-se cada vez mais radiante.

e) M?todo.

"Aquele que diante de uma multid?o
de livros n?o guarda o modo e a
ordem da leitura",

continua Hugo de S?o Vitor,

"como que andando em c?rculos no meio
de uma densa floresta, perde-se do reto caminho.
? de pessoas assim que a Sagrada Escritura diz
que est?o sempre aprendendo, mas nunca
chegam ao conhecimento da verdade".

Didascalicon V, 5

f) Nunca abandonar as boas obras.

"Saiba o estudante que n?o chegar?
ao seu prop?sito se se dedicar de tal maneira
apenas ao estudo que se veja
obrigado a abandonar as boas obras".

Didascalicon V, 7

g) O estudo deve ser um deleite.

"Saiba tamb?m que n?o chegar?
ao seu prop?sito se,
movido por um v?o desejo de ci?ncia,
dedicar-se ?s escrituras obscuras
e de profunda intelig?ncia,
nas quais a alma mais se preocupa
do que se edifica.
Para o fil?sofo crist?o
o estudo deve ser uma exorta??o,
e n?o uma preocupa??o;
deve alimentar os bons desejos,
e n?o sec?-los.
Como gostaria de mostrar
?queles que se puseram ao estudo por amor da virtude,
e n?o das letras,
o quanto ? importante para eles
que o estudo n?o lhes seja ocasi?o de afli??o,
mas de deleite.
Quem , de fato, estuda as Escrituras como preocupa??o
e, por assim dizer,
as estuda para afli??o do esp?rito,
n?o ? fil?sofo, mas negociante,
e dificilmente uma inten??o
t?o veemente e indiscreta
poder? estar isenta de soberba.
Deve-se considerar tamb?m que o estudo
de duas maneiras costuma afligir o esp?rito,
a saber, pela qualidade,
se se tratar de um material muito obscuro,
e pela sua quantidade,
se houver demais para estudar.
Em ambos estes casos deve-se utilizar de grande modera??o,
para que n?o aconte?a
que aquilo que ? buscado como uma refei??o
venha a ser utilizado para sufocar-nos.
H? aqueles que tudo querem estudar;
tu n?o contendas com eles,
seja-te suficiente a ti mesmo:
que nada te importe
se n?o tiveres lido todos os livros.
O n?mero de livros ? infinito,
n?o queiras seguir o infinito.
Onde n?o existe o fim, n?o pode haver repouso;
onde n?o h? repouso, n?o h? paz;
e onde n?o h? paz, Deus n?o pode habitar".

Didascalicon V, 7

h) O que estudar.

Eis uma quest?o imposs?vel de se responder inteiramente em poucas p?ginas. Segundo Hugo de S?o V?tor, o estudo deve conduzir ? aquisi??o da Ci?ncia Sagrada, atrav?s da qual o aluno possa conduzir-se, por sua vez, no caminho da virtude e da contempla??o. Surge ent?o a quest?o de o que, segundo este modo de se entender o estudo, deve- se estudar ou deixar de estudar.

A primeira resposta que encontramos nos escritos de Hugo de S?o Vitor a este respeito ? que se deve estudar tudo, sem desprezar nada. Uma afirma??o como esta pode parecer, num primeiro exame, um desprop?sito, mas Hugo, neste ponto, foi bastante claro. Segundo ele nos explicou no in?cio do Op?sculo sobre o Modo de Aprender, o aluno que despreza de antem?o qualquer forma de conhecimento, o aluno que "tem como vil alguma ci?ncia ou alguma escritura" , mostra n?o possuir com isto a virtude da humildade, e a humildade ?, segundo Hugo, "o princ?pio de todo o aprendizado". E no sexto livro do Didascalicon ele vai ainda mais longe; ali ele nos diz o seguinte:

"Eu ouso afirmar que nunca desprezei
nada que pertencesse ao estudo;
ao contr?rio,
freq?entemente aprendi muitas coisas que outros
as tomariam por fr?volas ou mesmo rid?culas.
Algumas destas coisas foram pueris,
? verdade; todavia, n?o foram in?teis.
N?o digo isto para jactar-me de minha ci?ncia,
mas para mostrar que o homem que prossegue melhor
? o que prossegue com ordem,
n?o o homem que, querendo dar um grande salto,
se atira no precip?cio.
Assim como as virtudes,
assim tamb?m as ci?ncias tem os seus degraus.
? certo, tu poderias replicar:

`Mas h? coisas que
n?o me parecem ser de utilidade.
Por que eu deveria manter-me
ocupado com elas?'

Bem o disseste.
H? muitas coisas que,
consideradas em si mesmas,
parecem n?o ter valor
para que se as procurem.
Mas, se consideradas
? luz das outras que as acompanham,
e pesadas em todo o seu contexto,
verifica-se que sem elas
as outras n?o poder?o ser compreendidas
em um s? todo, e,
portanto, de forma alguma
devem ser desprezadas.
Aprende a todas,
ver?s que nada te ser? sup?rfluo.
Uma ci?ncia resumida n?o ? uma coisa agrad?vel".

Se este texto do Didascalicon ? claro ao afirmar que o estudo n?o deve excluir de seu interesse nenhuma forma de conhecimento, ele n?o ? por?m menos claro ao explicar as raz?es pelas quais se recomenda tal preceito. Hugo quer que o aluno nada exclua de seu interesse para com isto aprender a buscar metodicamente a integridade do conhecimento que ? um todo ordenado cujas partes principais n?o podem ser compreendidas em um s? conjunto sem o concurso das partes secund?rias. Se o estudante, portanto, n?o deve desprezar nenhuma forma de conhecimento, isto n?o significa que deve aplicar-se a todas por igual ou preferir umas ?s outras sem crit?rio. Indubitavelmente, segundo Hugo de S?o Vitor, a parte principal do estudo ? o conhecimento das Sagradas Escrituras e da Ci?ncia Sagrada que dela deriva.

O que, por?m, e como deve ser estudado para se alcan?ar o conhecimento desta Ci?ncia Sagrada ? algo que n?o ? poss?vel de ser respondido nas poucas p?ginas deste texto. H?, entretanto, pelo menos um crit?rio t?o importante que n?o pode deixar de ser aqui mencionado. Pelas explica??es e pelos exemplos dados por Hugo de S?o V?tor, depreende-se que, independentemente da quest?o do conte?do do estudo, ele deve ser conduzido preferencialmente atrav?s dos textos cujos autores escreveram manifestamente sob a influ?ncia dos dons de entendimento e sabedoria, e que s?o, em geral, os escritos dos te?logos que tamb?m foram santos. A raz?o desta exig?ncia consiste em que, conforme j? hav?amos apontado, o estudo deve ordenar-se, como ao seu fim ?ltimo, ? contempla??o. Chama-se contempla??o ?quela opera??o da alma que surge no homem quando, sob a influ?ncia dos dons do Esp?rito Santo de entendimento e de sabedoria, a uma f? firme, constante e pura se acrescenta uma caridade intensa. Quando o homem consegue viver as virtudes teologais num grau t?o alto a ponto de poder elevar-se ? contempla??o, esta se torna um dos principais meios de santifica??o para o homem. As obras dos te?logos em que se manifesta a influ?ncia do dom de entendimento ou do dom de entendimento elevado pelo dom de sabedoria s?o obras que derivam, portanto, do pr?prio exerc?cio da vida contemplativa. "Elas s?o doces e repletas de amor pela vida eterna" , diz Hugo de S?o Vitor no quinto livro do Didascalicon. O conv?vio do aluno com elas, ao contr?rio das demais obras, ainda que tratem dos mesmos assuntos, habitua-o gradativamente a perceber que elas t?m uma origem diversa dos livros comuns e acaba por auxili?-lo a conduzir-se na busca da contempla??o. Ora, ? justamente este o fim a que se ordena o estudo, e ? por isto que as pr?prias Sagradas Escrituras j? disting?iam entre estes e os demais livros:

"As palavras dos s?bios",

diz o Eclesiastes,

"s?o como aguilh?es,
e como cravos fixados no alto,
que por meio do conselho dos Mestres
nos foram comunicadas pelo ?nico Pastor.

N?o busques, pois,
meu filho,
mais alguma coisa al?m destes.

N?o se p?e termo
em multiplicar livros,
e a medita??o freq?ente
? afli??o da carne".

Ecl. 12, 11-12

i) Estudar com o prop?sito de ensinar.

Eis algo que, tanto quanto sabemos, Hugo n?o ensinou por escrito, mas o f?z mais do que manifestamente pelo exemplo. Aqueles que estudam para um dia poderem ensinar, seguindo o preceito de Cristo, s?o os que encontrar?o a inspira??o do Esp?rito Santo. E foi a aqueles a quem Jesus acabava de pedir que ensinassem que Ele tamb?m prometeu que permaneceria com eles at? o fim dos tempos (Mat 28,20).

j) Aspirar ?s coisas mais altas.

"O que eu mais desejo",

termina aqui Hugo de S?o Vitor,

"? mostrar como aqueles
que de boa vontade se dedicam
ao aprender s?o dignos de louvor.
? necess?rio, por?m,
e tarefa de grande import?ncia,
prevenir aos eruditos para que n?o ocorra
que talvez voltem os seus olhos
para aquilo que ficou para tr?s
e consolar aos principiantes
se ?s vezes desejam j? chegar
onde aqueles est?o.
Nosso prop?sito dever? ser, portanto,
o de subir sempre.
Roguemos, pois, ? sabedoria,
para que se digne resplandecer em nossos cora??es
e iluminar-nos em seus caminhos
para introduzir-nos naquele banquete
puro e sem animalidade".

Didascalicon V,8-9;VI,13

S?o Paulo, 15 de outubro de 1994